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ANÁLISE
Para Fernando Limongi, do Cebrap, Lula é responsável por bancada recorde do PT
Deputados eleitos por Enéas são legítimos, diz estudioso
LIA HAMA
DA REDAÇÃO
O fenômeno Enéas Carneiro,
deputado federal mais votado no
país que puxou consigo mais cinco correligionários para o Congresso, é legítimo e faz parte da lógica de um sistema em que se vota
em partidos. A avaliação é de Fernando Limongi, 44, presidente do
Cebrap (Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento) e professor do Departamento de Ciência
Política da USP.
Na contramão do senso comum, o cientista político afirma
que, se a idéia é fortalecer o sistema partidário, deve-se aceitar o
que ocorreu com os deputados
eleitos pelo Prona puxados pelos
mais de 1,5 milhão de votos de
Enéas. "Se as pessoas que votaram no Enéas tiverem só um representante, elas estarão sub-representadas. Tem que haver uma
transferência de votos." Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - Como o sr. vê o crescimento da oposição e, em especial, do PT
em todo o país?
Fernando Limongi - O PT teve
um crescimento acima do que se
esperava. Ninguém projetou que
o PT poderia ter crescimento tão
grande. Por que é que a gente não
previu isso? Porque ninguém
pensou na transferência de votos
do cargo executivo federal para os
demais cargos.
Folha - O Lula foi o grande puxador de votos?
Limongi - O Lula puxou os votos. O que a gente sabe há muito
tempo é que o voto para as majoritárias, ou seja, para governador
e para presidente, influencia o voto para as proporcionais. Agora a
hipótese que se tinha é que o voto
para governador era mais forte do
que o para presidente nessa puxação de votos. Acho que a gente interpretou errado o resultado das
eleições passadas em razão de o
Fernando Henrique [Cardoso] ter
tido uma coligação ampla que fazia com que essa transferência de
votos em cada Estado fosse parar
em um determinado partido e
não necessariamente no PSDB.
O próprio PT apareceu nas outras eleições com coligações mais
amplas do ponto de vista do número de partidos. Você tinha outros partidos com capacidade de participar desse espólio, o que
não aconteceu dessa vez. O fato é
que o PT cresceu bastante e no
país inteiro. O partido deu uma
nacionalizada maior, que era um
processo que já vinha em curso,
mas que ganhou novo aleito.
Folha - A votação de Enéas Carneiro puxou mais cinco deputados
do Prona junto com ele, sendo que
um deles teve apenas 275 votos.
Um resultado como esse impõe
uma reforma política?
Limongi - Pelo contrário. As pessoas precisam parar e pensar antes de falar. Se alguém quer fortalecer partido tem que entender
que o que vale é o partido. Então
quem ganhou voto foi o partido
do Enéas.
Folha - Mas essas pessoas votaram no Enéas, não no partido dele...
Limongi - Se o método é proporcional, o número de votos que foram para o Enéas tem que ser
transferido e foi isso que aconteceu. Se você fala em fortalecer
partidos isso significa que tem
que haver mecanismos de transferência de votos. A preferência
do eleitor conta primeiro como
voto partidário. Se houver o sistema de lista fechada, Enéas aos
montes aparecerão. Qualquer um
que tenha capital eleitoral próprio
estará melhor abrindo seu próprio partido do que participando
de um partido "comunitário". Se
a lista é fechada, alguém vai determinar quem está em primeiro na
lista, quem está em segundo,
quem está em terceiro etc. Se eu
tenho um partido que é meu,
quem comanda sou eu. Quem vai
ser o primeiro da lista? Eu.
Então qualquer pessoa como
Enéas, que tem capital eleitoral
próprio independente do partido,
vai querer abrir o seu partido e
transferir votos para gente que vai
depender inteiramente dele para
obter mandato. Ou seja, os partidos vão se oligarquizar mais. E
qual vai ser o resultado? Fracionalizar mais o sistema partidário.
Isso aconteceu em Israel, onde o
sistema é proporcional com lista
fechada. O que acontece com uma
minoria religiosa? Ela está muito
melhor em seu próprio partido,
em que ela própria faz sua lista, do
que tendo um lugar secundário
na lista de um partido grande.
Se nós somos a favor de fortalecer o sistema partidário, temos
que aceitar Enéas como um fenômeno partidário. Se as pessoas
que votaram no Enéas tiverem só
um representante, elas estarão
sub-representadas. Tem que haver transferência de votos.
O argumento de que um determinado candidato teve mais votos do que o médico do Enéas [Vanderlei de Assis de Souza, eleito deputado federal pelo Prona
com 275 votos] é um argumento
contra os partidos, que diz que o
que vale é o voto individual.
Folha - E no caso dos grandes partidos, o que aconteceria se houvesse listas fechadas?
Limongi - Oligarquizaria o partido na hora de fazer essas listas. As
lideranças dos partidos vão fechar
as opções que nós eleitores vamos
ter. Veja o que o [Orestes" Quércia
fez no PMDB. Ele disse: "Olha, o
único interesse no PMDB é me
eleger senador. E submeteu todo
mundo, inclusive o candidato a
governador, ao seu interesse. Por
quê? Porque ele controla o partido. E o que é que vai acontecer se
você der a lista fechada? Vai ter
um cidadão como esse, um cacique do partido, que vai fazer a lista de cabo a rabo. Nós eleitores vamos ter que aceitar isso. O efeito
seria pernicioso.
Folha - Mas não há nenhuma outra opção fora a lista fechada?
Limongi - A outra opção é o voto
distrital misto, que é uma parte
lista fechada e outra parte distrital. Todo mundo diz o seguinte:
voto distrital misto traz o melhor
dos dois mundos, o que é bom no
distrital e o que é bom no proporcional. Mas ele pode trazer o que é
ruim no sistema de lista fechada e
o que é o ruim no distrital. Eu
acho isso o mais provável.
Folha - Por quê?
Limongi - O distrital personaliza
mais, enfraquece o partido, torna
a relação mais paroquial porque o
deputado vai ser eleito pelos benefícios que traz para o distrito
dele e não para o interesse geral.
Você está consagrando todo o paroquialismo que se acusa do sistema brasileiro. E na lista fechada, a
oligarquia partidária vai deitar e
rolar. Eu não diria que necessariamente isso vai acontecer, mas é
preciso considerar essa hipótese.
Tem várias vezes em que se muda
e piora. Por exemplo, a medida
[de verticalização das alianças] do
[Nelson] Jobim foi feita com essa
suposição: "precisamos forçar os
partidos a se tornarem mais fortes". Acontece que a forma como o
mundo funciona não obedece a
planos e projetos mirabolantes.
Folha - Qual será a margem de
manobra do próximo presidente,
tendo em vista a limitação da edição de medidas provisórias e o fato
de que ele deve ter uma menor coalizão de sustentação?
Limongi - Quem quer que ganhe
a eleição no Brasil, consegue 50%
mais um. Não tem razão para que
isso não aconteça.
Folha - Quer dizer que, sendo Serra ou Lula, o próximo presidente
conseguirá estes 50% mais um?
Limongi - Vai conseguir. O Ciro
[Gomes" conseguiria, o [Anthony] Garotinho conseguiria.
Porque é da lógica das coisas.
Quem está na oposição precisa
decidir: eu vou ser oposição radical e apostar no fracasso para ganhar daqui a quatro anos ou eu
vou participar do governo, ganhar benefícios de ser do governo
e mais para frente decido se vou
continuar com esse governo nas
próximas eleições ou se passo para a oposição. Foi o que fez o PFL e
o PTB no governo Fernando Henrique. O incentivo para ser oposição radical não aparece para todo
mundo. É muito custoso.
Até porque o presidente do Brasil, a despeito de ter tido limitada
sua capacidade de editar medidas
provisórias, ainda tem muita coisa para incentivar as pessoas a
participarem do governo. Ele
controla a agenda legislativa, o
Orçamento, a máquina de governo. Você tem coisas a ganhar participando do governo.
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