São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

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ANÁLISE

Para Fernando Limongi, do Cebrap, Lula é responsável por bancada recorde do PT

Deputados eleitos por Enéas são legítimos, diz estudioso

LIA HAMA
DA REDAÇÃO

O fenômeno Enéas Carneiro, deputado federal mais votado no país que puxou consigo mais cinco correligionários para o Congresso, é legítimo e faz parte da lógica de um sistema em que se vota em partidos. A avaliação é de Fernando Limongi, 44, presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e professor do Departamento de Ciência Política da USP.
Na contramão do senso comum, o cientista político afirma que, se a idéia é fortalecer o sistema partidário, deve-se aceitar o que ocorreu com os deputados eleitos pelo Prona puxados pelos mais de 1,5 milhão de votos de Enéas. "Se as pessoas que votaram no Enéas tiverem só um representante, elas estarão sub-representadas. Tem que haver uma transferência de votos." Leia a seguir trechos da entrevista.
 

Folha - Como o sr. vê o crescimento da oposição e, em especial, do PT em todo o país?
Fernando Limongi
- O PT teve um crescimento acima do que se esperava. Ninguém projetou que o PT poderia ter crescimento tão grande. Por que é que a gente não previu isso? Porque ninguém pensou na transferência de votos do cargo executivo federal para os demais cargos.

Folha - O Lula foi o grande puxador de votos?
Limongi
- O Lula puxou os votos. O que a gente sabe há muito tempo é que o voto para as majoritárias, ou seja, para governador e para presidente, influencia o voto para as proporcionais. Agora a hipótese que se tinha é que o voto para governador era mais forte do que o para presidente nessa puxação de votos. Acho que a gente interpretou errado o resultado das eleições passadas em razão de o Fernando Henrique [Cardoso] ter tido uma coligação ampla que fazia com que essa transferência de votos em cada Estado fosse parar em um determinado partido e não necessariamente no PSDB.
O próprio PT apareceu nas outras eleições com coligações mais amplas do ponto de vista do número de partidos. Você tinha outros partidos com capacidade de participar desse espólio, o que não aconteceu dessa vez. O fato é que o PT cresceu bastante e no país inteiro. O partido deu uma nacionalizada maior, que era um processo que já vinha em curso, mas que ganhou novo aleito.

Folha - A votação de Enéas Carneiro puxou mais cinco deputados do Prona junto com ele, sendo que um deles teve apenas 275 votos. Um resultado como esse impõe uma reforma política?
Limongi
- Pelo contrário. As pessoas precisam parar e pensar antes de falar. Se alguém quer fortalecer partido tem que entender que o que vale é o partido. Então quem ganhou voto foi o partido do Enéas.

Folha - Mas essas pessoas votaram no Enéas, não no partido dele...
Limongi
- Se o método é proporcional, o número de votos que foram para o Enéas tem que ser transferido e foi isso que aconteceu. Se você fala em fortalecer partidos isso significa que tem que haver mecanismos de transferência de votos. A preferência do eleitor conta primeiro como voto partidário. Se houver o sistema de lista fechada, Enéas aos montes aparecerão. Qualquer um que tenha capital eleitoral próprio estará melhor abrindo seu próprio partido do que participando de um partido "comunitário". Se a lista é fechada, alguém vai determinar quem está em primeiro na lista, quem está em segundo, quem está em terceiro etc. Se eu tenho um partido que é meu, quem comanda sou eu. Quem vai ser o primeiro da lista? Eu.
Então qualquer pessoa como Enéas, que tem capital eleitoral próprio independente do partido, vai querer abrir o seu partido e transferir votos para gente que vai depender inteiramente dele para obter mandato. Ou seja, os partidos vão se oligarquizar mais. E qual vai ser o resultado? Fracionalizar mais o sistema partidário.
Isso aconteceu em Israel, onde o sistema é proporcional com lista fechada. O que acontece com uma minoria religiosa? Ela está muito melhor em seu próprio partido, em que ela própria faz sua lista, do que tendo um lugar secundário na lista de um partido grande.
Se nós somos a favor de fortalecer o sistema partidário, temos que aceitar Enéas como um fenômeno partidário. Se as pessoas que votaram no Enéas tiverem só um representante, elas estarão sub-representadas. Tem que haver transferência de votos.
O argumento de que um determinado candidato teve mais votos do que o médico do Enéas [Vanderlei de Assis de Souza, eleito deputado federal pelo Prona com 275 votos] é um argumento contra os partidos, que diz que o que vale é o voto individual.

Folha - E no caso dos grandes partidos, o que aconteceria se houvesse listas fechadas?
Limongi
- Oligarquizaria o partido na hora de fazer essas listas. As lideranças dos partidos vão fechar as opções que nós eleitores vamos ter. Veja o que o [Orestes" Quércia fez no PMDB. Ele disse: "Olha, o único interesse no PMDB é me eleger senador. E submeteu todo mundo, inclusive o candidato a governador, ao seu interesse. Por quê? Porque ele controla o partido. E o que é que vai acontecer se você der a lista fechada? Vai ter um cidadão como esse, um cacique do partido, que vai fazer a lista de cabo a rabo. Nós eleitores vamos ter que aceitar isso. O efeito seria pernicioso.

Folha - Mas não há nenhuma outra opção fora a lista fechada?
Limongi
- A outra opção é o voto distrital misto, que é uma parte lista fechada e outra parte distrital. Todo mundo diz o seguinte: voto distrital misto traz o melhor dos dois mundos, o que é bom no distrital e o que é bom no proporcional. Mas ele pode trazer o que é ruim no sistema de lista fechada e o que é o ruim no distrital. Eu acho isso o mais provável.

Folha - Por quê?
Limongi
- O distrital personaliza mais, enfraquece o partido, torna a relação mais paroquial porque o deputado vai ser eleito pelos benefícios que traz para o distrito dele e não para o interesse geral. Você está consagrando todo o paroquialismo que se acusa do sistema brasileiro. E na lista fechada, a oligarquia partidária vai deitar e rolar. Eu não diria que necessariamente isso vai acontecer, mas é preciso considerar essa hipótese. Tem várias vezes em que se muda e piora. Por exemplo, a medida [de verticalização das alianças] do [Nelson] Jobim foi feita com essa suposição: "precisamos forçar os partidos a se tornarem mais fortes". Acontece que a forma como o mundo funciona não obedece a planos e projetos mirabolantes.

Folha - Qual será a margem de manobra do próximo presidente, tendo em vista a limitação da edição de medidas provisórias e o fato de que ele deve ter uma menor coalizão de sustentação?
Limongi
- Quem quer que ganhe a eleição no Brasil, consegue 50% mais um. Não tem razão para que isso não aconteça.

Folha - Quer dizer que, sendo Serra ou Lula, o próximo presidente conseguirá estes 50% mais um?
Limongi
- Vai conseguir. O Ciro [Gomes" conseguiria, o [Anthony] Garotinho conseguiria. Porque é da lógica das coisas. Quem está na oposição precisa decidir: eu vou ser oposição radical e apostar no fracasso para ganhar daqui a quatro anos ou eu vou participar do governo, ganhar benefícios de ser do governo e mais para frente decido se vou continuar com esse governo nas próximas eleições ou se passo para a oposição. Foi o que fez o PFL e o PTB no governo Fernando Henrique. O incentivo para ser oposição radical não aparece para todo mundo. É muito custoso.
Até porque o presidente do Brasil, a despeito de ter tido limitada sua capacidade de editar medidas provisórias, ainda tem muita coisa para incentivar as pessoas a participarem do governo. Ele controla a agenda legislativa, o Orçamento, a máquina de governo. Você tem coisas a ganhar participando do governo.



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