São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Embaixador fora de série

AUGUSTO MARZAGÃO

O embaixador Hugo Gouthier era uma figura singular na diplomacia brasileira. Polêmico, combatido, cercado de amizades fiéis e de desafetos impiedosos, amigo de Juscelino e do presidente Kennedy, envolvia-se em complicações políticas internas e externas. Não fora assim, e o Brasil jamais teria adquirido para a nossa embaixada em Roma uma jóia do patrimônio histórico italiano, o Palácio Dorea Pamphili.
Gouthier também ficou famoso por algumas idéias mirabolantes, muitas das quais enviadas ao presidente JK. Por exemplo, ele planejou uma rodovia em linha reta que cruzava o Brasil de norte a sul, servindo-se da inestimável ajuda do saudoso escritor e jornalista Otto Lara Resende. Otto ia propondo desvios e ramais estratégicos e políticos no trajeto que terminavam convencendo o entusiasmado rodoviarista amador e criavam finalmente uma solução difusa e inviável. Gouthier também chegou a imaginar um serviço secreto de comunicação entre as embaixadas brasileiras na Europa, através de pombos-correio.
O nosso discutido, sagaz e eficiente diplomata era ainda um repositório de histórias divertidas de que participavam brasileiros que se serviam da sua hospitalidade e ajuda. Certa vez levou o time de futebol do Santos, onde pontificavam Pelé, Coutinho, Mengalvio e tantos outros craques, para um tour de ônibus pelos mais famosos pontos turísticos de Roma antiga. Quando passavam pelo Fórum Romano ouviu o seguinte diálogo entre dois jogadores: "Olha só", disse um deles. "É tudo ruína de guerra." O outro discorda: "Não diga bobagem. Você não vê que isso foi construído para fazer o filme Ben Hur?".
A mim, ainda na Itália, Gouthier contou uma história, naturalmente misturada à anedota política. Importante líder de esquerda, depois de reunir a maioria dos dirigentes sindicais italianos, comunicou-lhes que brevemente não teriam que trabalhar mais que 30 dias por ano. Houve uma explosão de alegria. Um dos presentes meio surdo não entendeu bem, mas um colega lhe explicou aos gritos: "Ele falou que se for eleito proporá uma lei reduzindo a nossa jornada de trabalho a 30 dias anuais". O surdo, porém não se dá por satisfeito e exclama: "E sobre as férias, ele não disse nada?".


AUGUSTO MARZAGÃO, jornalista, autor do livro "Memorial do Presente", ex-secretário particular de Jânio Quadros e José Sarney e ex-secretário de Comunicação Institucional de Itamar Franco, escreve às sextas nesta seção

cecifrei@unisys.com.br



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