São Paulo, quinta-feira, 11 de outubro de 2007

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Hoje Renan seria cassado, diz Mercadante

Petista, que se absteve na 1ª votação em que foi pedida a cassação do presidente da Casa, confirma agora conversa sobre licença

Para Mercadante, houve quebra de decoro, mas ele se esquiva de revelar se agora concordaria em tirar o mandato do peemedebista

MALU DELGADO
EDITORA-ASSISTENTE DE BRASIL

O grau de ebulição em que se encontra o Senado ficou transparente na sessão plenária da terça-feira. Cobranças explícitas e revelações foram feitas. Entre elas, uma conversa até então sigilosa entre Aloizio Mercadante (PT-SP) e Renan Calheiros (PMDB-AL). Ao tornar público o diálogo, o petista provocou reação de Renan, que abandonou a tribuna e o deixou falando sozinho. Inesperado, o lance revelou um bastidor do processo. A seguir, Mercadante conta detalhes da conversa que teve com Renan.

 

FOLHA - O senhor revelou no plenário [anteontem] uma conversa com Renan antes da primeira votação pela cassação. Como foi?
ALOIZIO MERCADANTE -
Na véspera da votação, ele me ligou e aí falei para ele: "Renan, para mim, a data limite é a votação. Você tem que se afastar no dia da votação. Você tem que, na sessão, pedir licença do cargo, se afastar, e deixar os senadores com toda a liberdade para apurar as coisas. Você não pode estar na presidência e interferir nesse processo".

FOLHA - Alguém mais participou dessa conversa?
MERCADANTE -
Não, eu e ele. Foi por telefone. E aí ele falou: "Mercadante, se eu me licenciar agora vou me fragilizar demais na minha defesa, vou ficar muito exposto, não tenho condições políticas de fazer isso. Mas eu aceito discutir essa possibilidade após a votação". Ele não disse assim: vou me licenciar. Mas eu disse que achava fundamental que ele discutisse isso. Porque não pode a presidência do Senado ser usada para ficar defendendo o mandato. E ele disse que iríamos discutir. Aí Renan [após a votação] deu uma declaração dizendo que era vitorioso e que, portanto, não tinha a possibilidade de pensar em licença. Depois disso, nós não nos falamos mais. Para mim foi inaceitável o comportamento que ele teve. E não foi só para mim.

FOLHA - Houve quebra de confiança? Ele deve ter falado sobre a licença a outros senadores.
MERCADANTE -
Não era só eu que tinha a expectativa de ele se licenciar. Um monte de senadores falou isso na sessão secreta.

FOLHA - A possibilidade de licença teve influência na votação? E com a permanência dele, o clima mudou?
MERCADANTE -
O que estou dizendo é o seguinte: quem já votou pela cassação [35 votos] e chegou à convicção que houve quebra de decoro, eu avalio que vá sustentar esse voto até o final do processo, lógico. Os outros [os que votaram contra a cassação ou abstenção na primeira denúncia] acho que vão analisar as outras denúncias e podem considerar esses novos elementos na decisão que vão tomar agora. Meu voto de abstenção é um voto em que eu sustei a minha decisão aguardando as investigações.

FOLHA - O senhor nega ter feito um acordo com Renan pela licença. Mas foi espécie de pacto, não?
MERCADANTE -
Não, não. Ele manifestou que essa possibilidade existiria e que ele estava aberto a reavaliar a sua permanência na presidência. Só que eu acho que ele desconsiderou totalmente essa possibilidade e isso agravou a situação dele.
Porque a percepção da ampla maioria dos senadores é que ele tem usado a condição de presidente para interferir no processo de apuração. Há questionamentos de assessores da Casa em relação a esse comportamento. Há esse episódio agora, grave, de um assessor dele [Francisco Escórcio] envolvido na tentativa de investigar outros senadores. Há procedimentos da Mesa e do Conselho de Ética que claramente, na condição de presidente, permitem a intervenção. A própria pauta da Casa, o afastamento de lideranças do PMDB da CCJ.
Tudo isso vai formando uma convicção de que não é aceitável que Renan seja investigado usando a presidência.

FOLHA - Se Renan fosse submetido a novo processo de cassação hoje ele perderia o mandato?
MERCADANTE -
Pelo que conheço do Senado, se hoje fosse a julgamento o senador Renan Calheiros estaria cassado. Sinto que houve um aprofundamento da crise em função dos fatos novos e da atitude que ele teve ao longo do processo.

FOLHA - E o senhor não tem uma convicção ainda? Mudou o voto?
MERCADANTE -
A minha avaliação é que houve quebra de decoro quando se analisam as cinco representações e o conjunto de indícios. No caso das rádios, por exemplo, há provas materiais. A denúncia do Bruno [Miranda] sugere um tipo de relacionamento indevido. Mas não vou prejulgar.

FOLHA - Não é óbvio que se houve quebra de decoro deve haver cassação? O senhor não tem convicção?
MERCADANTE -
A minha avaliação é que houve quebra de decoro. E acho que esse é o sentimento do Senado. Mas como é um processo em curso vou me reservar o direito de ler o conjunto de denúncias e formular o meu voto final. Se eu considero hoje que houve quebra de decoro significa que meu voto seria pela cassação. Não vou antecipar meu voto. Confirmarei minha convicção quando concluída a investigação.

FOLHA - O fato de o senhor ter votado pela abstenção no primeiro processo lhe dá legitimidade, agora, para defender o afastamento dele?
MERCADANTE -
Evidente. São coisas distintas. Não estávamos decidindo ali [na votação do primeiro processo] a continuidade dele na presidência do Senado. Nós estávamos decidindo se já havia, naquele primeiro processo, os elementos para cassação de mandato. A minha avaliação, ali, é que eu deveria aguardar o processo de investigação para ter mais elementos e formar uma convicção definitiva. Exatamente por isso, mais do que muitos, eu tenho autoridade política e moral de chegar para ele e dizer o que eu penso.

FOLHA - A avaliação de que o PT salvou Renan na primeira votação condiz com a verdade?
MERCADANTE -
A oposição nunca votou unida no caso do Renan. Há senadores de outros partidos que já declararam que se abstiveram. Não foram do PT os seis votos [abstenções]. Nunca articulei no PT nem fora do PT voto pela abstenção.

FOLHA - E agora o PT levará Renan Calheiros à guilhotina?
MERCADANTE -
Renan aprofundou o seu isolamento, cometeu erros muito graves exatamente pela forma como usou a presidência. Gerou um ambiente muito adverso a ele. O homem público, quando cai, a primeira coisa que precisa fazer é ter humildade e parar de cavar.

FOLHA - O senhor foi porta-voz do Planalto? O governo esperava que Renan se licenciasse?
MERCADANTE -
Não posso afirmar isso.

FOLHA - Nem negar.
MERCADANTE -
Acho que todo mundo assistiu aos pronunciamentos do governo neste processo. Aí podem fazer a sua avaliação. Mas eu não fui porta-voz. Nunca o presidente [Lula] me pediu para votar de uma forma ou de outra. E a nossa bancada disse que cada um votaria conforme a sua convicção.

FOLHA - A última denúncia -que Renan teria dossiês contra colegas- não expõe que só quando a cabeça dos senadores é perseguida eles se revoltam?
MERCADANTE -
Não. Se há denúncia em relação a algum senador, ela deve ser formalizada. Se há erro, irregularidade, que se denuncie e que se apure.


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