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Família Sarney interfere em agenda do ministro do pré-sal
Grampo mostra que filho e aliado do senador têm ingerência em compromissos de Lobão
Fernando Sarney e Silas Rondeau incluem reuniões na agenda do ministério; Lobão cita amizade e diz que são "apenas solicitações"
HUDSON CORRÊA
ENVIADO ESPECIAL A SÃO LUÍS (MA)
ANDRÉA MICHAEL
ANDREZA MATAIS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro encarregado pelo
presidente Lula de administrar
o pré-sal, a riqueza que representa o "passaporte para o futuro" do Brasil, é um aliado de José Sarney tão obediente que
permite ao presidente do Senado interferir em sua agenda.
Conversas interceptadas pela Polícia Federal mostram que
o filho mais velho de Sarney e
um apadrinhado antigo do clã
maranhense têm livre acesso
ao ministro Edison Lobão (Minas e Energia) e a seu gabinete.
Nesses diálogos, eles ditam
compromissos para Lobão ou
para seus assessores e secretárias, marcam e cancelam reuniões do ministro sem avisá-lo
previamente, orientam Lobão
sobre o que dizer a empresários
que irá receber, falam de nomeações no governo e discutem contratos que acabariam
assinados pelo ministério.
As conversas, no entender da
PF, configuram "tráfico de influência" -crime de solicitar
ou obter vantagem para influir
em órgão público-, que prevê
de dois a cinco anos de prisão.
O relatório do inquérito diz
que Fernando, o filho mais velho de Sarney, "coordenou a
prática ilícita". Silas Rondeau, o
aliado de Sarney que antecedeu
Lobão no Ministério de Minas
e Energia e de lá saiu em 2007
sob denúncias de corrupção,
seria seu subordinado.
Obtidas pela PF com autorização da Justiça, as escutas fazem parte da Operação Boi
Barrica (rebatizada de Faktor),
que investigou negócios da família Sarney e culminou com o
indiciamento de Fernando sob
a acusação de crime de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
Apelidos
Nas conversas, Lobão, Rondeau e Fernando se tratam
quase sempre por apelidos. O
ministro é chamado de "Magro
Velho". Rondeau é o "Baixinho". Fernando é chamado de
"Bomba", "Bombinha" ou "Madre", e José Sarney é chamado
de "Madre Superiora".
Questionado pela Folha, Lobão negou que José Sarney, por
meio de Fernando e Rondeau,
interfira em sua agenda ou tenha influência sobre questões
do governo. Eles "podem fazer
solicitações", disse. "O [nosso]
relacionamento é de amizade."
O conteúdo de oito grampos
a que a Folha teve acesso, porém, mostra que o ministro
"terceirizou" aos colegas a sua
agenda de compromissos.
Num diálogo de 16 de setembro de 2008, Fernando conversou com o então assessor de
imprensa de Lobão -Antônio
Carlos Lima, o Pipoca- e contou que marcou um jantar de
negócios para o ministro para a
semana seguinte: "Depois eu
me acerto com ele [Lobão]".
Nesse mesmo dia, Fernando
falou com Lobão sobre dois
compromissos que este teria
no ministério e deu instruções.
O primeiro foi uma audiência com representantes de
emissoras de rádio e de TV, para discutir como revogar o decreto presidencial que programava o início do horário de verão. Lobão resistiu. "Escuta e
vê se é possível. Entendeu?",
disse Fernando. "Tá bom."
O segundo foi uma reunião
com Lauro Fiúza, da ABEEólica (Associação Brasileira de
Energia Eólica). "Eu tinha acenado com ele que de repente
você ia fazer um contato mais
próximo. (...) Vão fazer uma exposição para você sobre os projetos", comunicou Fernando.
Em 2008 Fiúza contratou por
R$ 10 mil mensais a RV2 Consultoria, de Rondeau, para assessorar a ABEEólica.
Secretária
Noutra conversa, datada de
30 de junho de 2008, Rondeau
pediu à secretária de Lobão,
Telma, para inserir na agenda
do ministro um encontro com o
grupo espanhol Gás Natural em
9 de julho. "Como é o nome da
empresa?", perguntou Telma.
Rondeau explicou que "é parceira da Petrobras na distribuição de gás natural no Rio" (embora tenha sido exonerado da
pasta em 2007 e denunciado à
Justiça um ano depois, Rondeau continua no Conselho de
Administração da Petrobras.)
Dois minutos depois de acertar com a secretária de Lobão a
audiência, Rondeau ligou para
um executivo da Gás Natural e
disse que o ministro tinha "bastante interesse em ouvir que
vocês estariam dispostos [a investir] em caso do Maranhão
como um mercado gasífero".
Ainda em 30 de junho de
2008, Rondeau contatou a secretária para agendar outra
reunião. "Dia 4 está bom. São
dois donos da Engevix que querem tratar o assunto do Peru.
Ele [Lobão] sabe o que é", disse.
Rondeau ligou a seguir para
José Antunes Sobrinho, sócio
da Engevix, e ouviu o pedido
para que o acompanhasse à
reunião com Lobão para tratar
da construção de hidrelétricas
no Peru com a participação da
Eletrobrás, estatal ligada à pasta: "Sua presença é fundamental pelo fato de que os próximos
passos já saem na hora com sua
cooperação", afirmou Antunes.
Na tarde de 4 de julho, Rondeau ligou de novo para Telma
e solicitou a ela que alterasse os
registros da agenda oficial: "Tira do registro. Tu te lembras
das fofocas de agenda, de registro. Você está bem vacinada.
Para evitar qualquer ilação, tira
meu nome. Se eu puder ir, eu
vou, mas tira do agendamento".
No sistema interno do Ministério de Minas e Energia não há
anotação de reunião de Lobão
com a Engevix no dia 4 -apenas de outra, no dia 9. Dois meses depois, a Engevix assinou
acordo com a Eletrobrás para
estudar a viabilidade de construir seis usinas em território
peruano, num negócio estimado em US$ 16 bilhões.
Além de interferir na agenda
de Lobão, a PF concluiu que
Fernando Sarney tratava de
nomeações no ministério. É o
que indica conversa de 27 de
agosto do ano passado com o
assessor de imprensa de Lobão.
"Tu te lembras hoje de manhã que tu me falaste daqueles
cargos que tinha de R$ 800, R$
900, aquele negócio todo?",
pergunta Fernando. "Eu vou
pedir para uma amiga minha,
que se chama Lina, vou dar o
teu telefone pra ela. Eu queria
que tu botasse [ela] nesse esquema", pediu o filho do presidente do Senado. "Manda ela ir
me visitar lá", disse Pipoca.
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