São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009

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ELIO GASPARI

Protejam o Enem-2010 do educateca inepto


O exame de 2009 fez água, mas se o MEC começar a trabalhar, o do ano que vem poderá ser um sucesso


EDUCATECA é o sujeito que toma decisões relacionadas com a vida dos estudantes, manda alguém cuidar do assunto e vai para casa jantar. Por exemplo: um educateca achou que devia mudar o nome da velha e boa prova de português e inventou que ela se chamaria "teste de linguagens, códigos e suas tecnologias". Assim se chamava a prova mostrada à repórter Renata Cafardo. Em geral, o educateca acumula o justo orgulho por seus títulos e um sacrossanto horror a dar aula.
Os delinquentes prestaram um serviço ao MEC. A prova vazou a tempo de permitir o cancelamento do exame. Se tivesse vazado depois, o desastre seria maior. Estudado com atenção, o processo de remessa das provas aos locais dos exames tinha outras vulnerabilidades. Os educatecas tiveram uma ideia grandiosa, terceirizaram o serviço e foram jantar.
O primeiro sinal de que se caminhava para uma armadilha acendeu-se quando a burocracia do Inep sustentou que, por falta de tempo, não poderia oferecer dois exames aos estudantes. Esse mimo ficaria para 2010. Quando se tratou de apressar o projeto desprezando o interesse da garotada, exerceram seus superpoderes. Quando se tratou de rolar na lama para garantir a segurança da prova, prevaleceu o ócio. Para a garotada, sobrou a redução das opções de curso de 5 para 3.
Se os educatecas não atrapalharem, o exame do próximo ano poderá ser feito on-line, como as melhores provas do gênero pelo mundo afora.
O Enem poderá ser aplicado em vários dias, com questões estocadas num banco de perguntas, transmitidas aos candidatos de acordo com um processo de seleção aleatória. A prova do sábado será uma, a do domingo, outra.
Esse sistema permite que o MEC ofereça dois ou três exames por ano, dando ao estudante a oportunidade de mandar a melhor nota às universidades.
Fica uma pergunta: haverá terminais para todos os candidatos? Como o exame pode se estender por dez dias esse problema é menor do que parece. Sua solução exige um tipo de trabalho que não pode ser passado adiante.

QUEBRA-QUEBRAS
Diante de três dias de protestos, do incêndio de um vagão de trem de subúrbio e da depredação em quatro estações da SuperVia, a palavra vai para o leitor Paulo Saturnino, do Rio de Janeiro: "É lamentável que ocorra um tumulto deste porte para que o lado bem vivido do Rio perceba que a Cidade Maravilhosa precisa de reparos enormes do lado pobre. Enfim, em vez de metrô para a Barra vindo de Ipanema, precisamos criar um sistema de transporte decente para o subúrbio carioca. Moro em Copacabana e vejo a pressão dos moradores da zona sul por metrô para a Barra próxima do imoral".
Desde 2004, os moradores de São Paulo têm o bilhete único, criado pela prefeita Marta Suplicy para os ônibus. A rede paulista expandiu-se, chegando ao metrô e aos trens e hoje é a segunda maior do mundo, perdendo só para Hong Kong. Todas as outras capitais brasileiras têm essa modalidade de tarifa, menos o Rio.
Em janeiro de 2007, o governador Sérgio Cabral prometeu implantar o bilhete único até o final de 2008. Nada. Quando ia ao subúrbio pedir votos, o prefeito Eduardo Paes defendia essa ideia. Em matéria de transporte, o governo do Rio é uma fábrica de fantasias. Há poucas semanas, no Dia Mundial Sem Carro, Paes pedalou dez quilômetros da Gávea Pequena (285 metros de altitude) a Botafogo (nível do mar). Não há registro de que, na volta para casa, tenha encarado a subida.

SERRA 2010
O governo encharcou o Enem, quer ressuscitar a CPMF e decidiu reter a devolução do Imposto de Renda para fazer caixa. Deve ser coisa de um comitê secreto da campanha Serra 2010.

OABANZÉ
A Ordem dos Advogados do Brasil gosta de dar palpite sobre tudo. Há pouco tempo, propôs a renúncia coletiva do Senado. (O Conselho de Ética de sua filial paulista absolveu sete advogados acusados de dupla militância com a bandidagem do PCC.) Na semana passada os doutores tomaram um tiro na linha d'água, vindo do Supremo Tribunal Federal. A Segunda Turma do STF devolveu a lista sêxtupla enviada pela Ordem para o preenchimento de uma vaga no Superior Tribunal de Justiça. Na votação, um episódio burlesco: a cada escrutínio aumentava o número de votos em branco. De duas uma: a Ordem não sabe fazer listas ou não sabe litigar.

REAL COBIÇA
Depois de amanhã, o Conselho da Fundação Real Grandeza escolherá o presidente e o diretor financeiro do fundo. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, revelou que está neutro, esclarecendo que o PMDB quer as cadeira$. O PMDB do Rio, é bom lembrar.

IDH DO B
Um curioso reprocessou os números dos países listados pelo Índice de Desenvolvimento Humano da ONU e achou duas situações interessantes. 1) Entre as 12 nações com população superior a 100 milhões de habitantes, o Brasil está na sexta posição. Dos quatro Brics, só a Rússia está em posição melhor. 2) Das 74 nações que estão acima do Brasil, 21 têm menos de 2,5 milhões de habitantes. Se 12 delas fossem empacotadas sob uma só bandeira, formariam um país com população inferior à de Brasília. Liechtenstein (36 mil habitantes) e as ilhas de Saint Kitts e Nevis (52 mil) cabem na Rocinha.

O SAPO DA PRIVATARIA VIROU PRÍNCIPE

Ao tempo da privataria tucana, duas distribuidoras de energia encarnaram o choque do progresso com o atraso.
De um lado, em nome da modernidade, estava a Light do Rio de Janeiro. O tucanato leiloou-a em 1996. Como faltavam interessados, bombaram o edital, aceitaram papéis podres e conseguiram R$ 2,2 bilhões de um consórcio liderado pela estatal francesa EDF. Em apenas três anos, a Light da EDF pagou R$ 722,5 milhões aos seus acionistas.
Do outro lado, pelo atraso, estava a Centrais Elétricas de Minas Gerais, a Cemig. Como faltou clima para privatizá-la, o governo mineiro vendeu 33% da empresa a um consórcio liderado pela companhia americana AES, por R$ 1,1 bilhão. Aos novos sócios foi concedido um poder de veto leonino nas operações da companhia.
Em 1999, o ex-presidente Itamar Franco assumiu o governo de Minas, disse que só privatizaria a Cemig diante da força militar de uma intervenção federal e denunciou os poderes concedidos aos novos sócios. Dinossauro atrasado, foi acusado de abalar a credibilidade externa do Brasil. Ele dizia assim: "Sou nacionalista, burro e mais o que quiserem, mas não vendo quilowatt existente". Itamar prevaleceu e a AES, metida num calote em São Paulo, saiu da Cemig, vendendo sua participação a um consórcio brasileiro.
Enquanto isso, no Rio, a EDF perdeu dinheiro com o câmbio, meteu os pés pelas mãos na gerência e, depois de receber boa ajuda do BNDES, caiu fora da Light em 2006.
A suprema vingança está em curso. O sapo atrasado do tempo da privataria (a Cemig) está na reta final das negociações para se tornar principal acionista da Light, a princesinha da modernidade.


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