São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009

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ONG ligada à Universal é alvo de ação da AGU

Advocacia-Geral da União pede bloqueio de bens da Sociedade Pestalozzi de SP, investigada por fraudes atribuídas à máfia dos sanguessugas

Justiça Federal vai ouvir a defesa preliminar de todos os acusados para decidir se acolhe o pedido; governo quer devolução de R$ 800 mil


ELVIRA LOBATO
EM SÃO PAULO
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

A AGU (Advocacia-Geral da União) pediu à Justiça Federal de São Paulo o bloqueio dos bens da Sociedade Pestalozzi de São Paulo para garantir a devolução, ao Fundo Nacional de Saúde, de R$ 800 mil gastos na compra de ambulâncias por meio de licitações sob suspeita de fraude e de superfaturamento. O processo é um desdobramento da máfia dos sanguessugas, descoberta em 2006 pela Polícia Federal.
A Pestalozzi de SP, que presta atendimento a crianças e jovens com deficiência mental, é dirigida por integrantes da Iurd (Igreja Universal do Reino de Deus) e tem como parceira a Rede Record de Televisão.
A ação da AGU foi proposta em novembro de 2008. O juiz da 24ª Vara Cível Federal, Victorio Giuzio Neto, como prevê a lei, está notificando os responsáveis pela ONG, empresários e servidores da saúde a apresentarem suas defesas preliminares, para então decidir se acolhe ou não o pedido.
A AGU moveu a ação civil pública, por suposta improbidade administrativa, baseada em três auditorias da Controladoria-Geral da União e do Ministério da Saúde que apontaram irregularidades em três convênios destinados à compra de seis ambulâncias. Ao todo, a entidade recebeu R$ 960 mil de seis emendas parlamentares propostas entre 2002 e 2004 por ex-deputados federais integrantes da Universal.
Os advogados da União cobram a devolução do dinheiro de três emendas -uma, de R$ 300 mil, do ex-deputado Bispo Wanderval; outra de R$ 60 mil, da ex-deputada Edna Macedo, irmã do bispo Edir Macedo, líder da igreja; e a terceira, de R$ 120 mil, proposta pelo ex-deputado Marcos Abramo.
A Procuradoria da República de São Paulo investiga os outros três convênios: dois de R$ 60 mil de emendas do ex-deputado bispo João Batista Ramos da Silva, e outro de R$ 120 mil de emenda de Edna Macedo. A prestação de contas das emendas de Ramos da Silva foi rejeitada pelo Ministério da Saúde, que quer o dinheiro de volta.

Bispos no comando
Com mais de 50 anos de atividade, a filantrópica está sob o comando da Universal desde 1993. Todos os seus dirigentes são ligados à igreja -que, no entanto, negou, em e-mail enviado à Folha, qualquer ingerência sobre a ONG.
As acusações da AGU recaem sobre as gestões de Graciene Conceição Pereira, mulher do bispo Ademar Gonçalves, e de Marilene da Silva e Silva, mulher do bispo e ex-deputado Ramos da Silva -com quem a Polícia Federal apreendeu, em 2005, R$ 10,2 milhões atribuídos a dízimos de fiéis. Graciene presidiu a filantrópica de 2003 a 2005, e Marilene ocupou o cargo de 1995 a 2002.
Oficialmente, a Pestalozzi de São Paulo é uma instituição independente, mas os vínculos efetivos com a Universal são de tal ordem que as assembleias para eleição de diretoria e aprovação das contas acontecem em um prédio administrativo da igreja.
A atual presidente da entidade, Márcia Aparecida Rocha, é mulher do bispo José Rocha. Ela já prestou depoimento no inquérito do Ministério Público Federal. A primeira vice-presidente, Ana Cláudia Raposo, é casada com o presidente da TV Record, Alexandre Raposo. A primeira secretária, Rosana Gonçalves de Oliveira, é mulher do bispo Honorilton Gonçalves, vice-presidente da Rede Record, e braço direito de Edir Macedo. A tesoureira da Iurd, Denise Justo Dias, é também tesoureira da filantrópica.
No dia 8 de agosto deste ano, o Ministério Público do Estado de São Paulo abriu ação criminal contra Edir Macedo e outros nove integrantes da Igreja Universal sob a acusação de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Dois dos réus daquele processo integram a atual administração da Pestalozzi de São Paulo: Alba Maria Alves da Costa, do conselho fiscal, e Maurício Albuquerque e Silva, do conselho consultivo.
Os ex-deputados da igreja já são réus em outras ações, na Justiça Federal de Mato Grosso, por suposto envolvimento com a máfia das sanguessugas.

Fraude
A participação dos deputados consistia na apresentação das emendas para liberação dos recursos. A empresa Planan, de Cuiabá (MT), é acusada de montar uma rede de empresas fantasmas e fraudar licitações públicas de mais de mil ambulâncias em todo o país.
A Planan e seus acionistas, os empresários Luis Antonio e Darci Vedoin, são também réus na ação proposta pela AGU contra a Pestalozzi de SP.
As três auditorias feitas em 2006 pelo Ministério da Saúde concluíram que a Pestalozzi de São Paulo pagou valor acima do de mercado pelas ambulâncias, falseou informações sobre o quadro de pessoal e mentiu ao dizer que as ambulâncias seriam usadas para atendimento à população rural pelo SUS (Sistema Único de Saúde). A instituição só atende na área urbana de São Paulo e, quando os convênios foram assinados, não era credenciada do SUS.
Os resultados das auditorias foram anexados à ação proposta pela AGU. Segundo os auditores, a filantrópica comprou três ambulâncias Fiat Iveco, em junho de 2003, com os R$ 300 mil da emenda do ex-deputado Bispo Wanderval. Três anos e três meses depois, apresentavam rodagem de 3.476 km, 5.210 km e 77,8 mil km.
Com a frota já ociosa, em junho de 2005 a entidade comprou mais três ambulâncias, com recursos da União provenientes de emendas apresentadas pelos ex-deputados Edna Macedo e Marcos Abramo. Quinze meses depois, uma tinha rodado 362 km; outra, 550 km, e a terceira, 779 km.


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