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ENTREVISTA DA 2ª
Bird manipulou estatísticas para apontar diminuição, afirma Robert Wade
Pobreza não caiu, diz economista
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A conclusão do Bird (Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento, conhecido como Banco Mundial) de que a pobreza no mundo diminuiu entre
1980 e 1998 não é confiável, pois é
baseada numa comparação ilegítima, afirma o professor de Política Econômica da London School
of Economics e ex-economista do
próprio Bird, Robert Wade.
Em 1999, o Banco Mundial mudou a metodologia para contar o
número de pobres que existem no
mundo. A instituição recalculou a
pobreza com base na nova metodologia para todos os anos a partir de 1987. De 1987 para trás, porém, ela manteve os números baseados no método anterior.
O professor sustenta que o banco comparou diretamente os anos
de 1980 e 1998, uma decisão que
desrespeita uma regra básica da
estatística: só é possível comparar
dados compilados a partir da
mesma metodologia. Para o professor, a escolha da metodologia e
das datas de comparação foi influenciada por pressão política:
"O banco, como instituição, e o
seu presidente, [James" Wolfensohn, querem ter boas notícias".
Em artigo, ainda não publicado,
Wade conta que no final dos anos
90, o economista Joseph Stiglitz,
na época ainda no Bird, escreveu
documento no qual o número de
pobres no mundo tinha aumentado entre 1987 e 1998. Logo após o
relatório de Stiglitz, o Congresso
dos EUA montou a Comissão
Meltzer, na qual o Banco Mundial
foi acusado de não conseguir
cumprir sua principal função: reduzir a pobreza no mundo. Wade
afirma que o relatório Meltzer,
publicado em 2000, influenciou a
produção de um novo relatório
do banco, o "Globalization,
Growth, and Poverty: Building an
Inclusive World Economy". No
relatório, as datas de comparação
foram mudadas, e o resultado foi
uma queda na pobreza mundial.
Os novos números foram uma
redenção para os defensores do
Consenso de Washington. A globalização teria feito com que a pobreza caísse pela primeira vez em
150 anos. O problema, afirma
Wade, é que "essa comparação
[1980 e 1998" é simplesmente ilegítima". Leia os principais trechos
da entrevista telefônica que Wade
concedeu à Folha, de Londres.
Folha - De um lado, o movimento
antiglobalização diz que a pobreza
no mundo cresceu. Do outro, temos
o relatório "Globalization, Growth,
and Poverty: Building an Inclusive
World Economy", do Banco Mundial, mostrando que a pobreza caiu
de 1980 a 1998. Quem está certo?
Robert Wade - Você se referiu
aos movimentos antiglobalização. Eu tenho problemas com esse termo. As pessoas colocadas
debaixo desse guarda-chuva não
são necessariamente antiglobalização. Eu não sei qual seria um
termo melhor. Um conceito que
ganhou alguma importância é o
de "Movimento pela Justiça Global". É importante sair dessa dicotomia globalização/antiglobalização. Aceitar esses termos no debate torna fácil a vitória dos defensores da globalização.
Folha - Mas quem está certo?
Quem diz que a pobreza cresceu ou
quem sustenta que ela diminuiu?
Wade - A única resposta sincera
é que não sabemos. Mas é uma
resposta insatisfatória. Podemos
estar razoavelmente certos, no entanto, de que o número de pessoas vivendo em extrema pobreza
é maior do que o número divulgado pelo Banco Mundial. O Bird
afirma que o número de pessoas
vivendo na pobreza permaneceu
constante desde 1987 e que caiu
em 200 milhões entre 1980 e 1998.
O banco afirma que isso aconteceu pela primeira vez nos últimos
150 anos. Eu afirmo que os número de pobres é provavelmente
maior que o do Banco Mundial
(1,2 bilhão de pessoas), e que não
podemos ter nenhuma segurança
de que o número de pobres caiu.
A razão para essa afirmação tem
haver com a forma como o banco
compila suas estatísticas.
Folha - Qual o problema com a
forma que o Bird compila os dados?
Wade - Um dos problemas
-não é o único- é que o banco
mudou a metodologia de calcular
o número de pobres em 1999. Ele
recalculou o número de pobres
com a nova metodologia apenas
para os anos que vão de 1987 a
1998. Os números de pobreza anteriores a 1987 ainda são baseados
na antiga metodologia. No entanto, eles comparam os dados de
1980 com os de 1998. Essa comparação é simplesmente ilegítima.
Tem muito pouca validade.
Folha - Uma das regras básicas da
estatística é nunca comparar números compilados com metodologias distintas. Por que o Banco
Mundial faria isso?
Wade - O banco, como instituição, e o seu presidente, Wolfensohn, querem ter boas notícias.
Boa notícia é a queda do número
de pessoas vivendo na miséria. Se
a quantidade de pobres está aumentando, serão levantadas
questões sobre a eficiência do
Bird como uma instituição desenhada para aliviar a pobreza. Por
isso existe uma tendência institucional para o otimismo.
Folha - O senhor está afirmando
que as questões políticas influenciam a escolha da metodologia?
Wade - Sim. Mas aí existe um
problema sério. Se você conhecesse as pessoas responsáveis por
calcular esses dados, você saberia
que elas não são de maneira nenhuma corruptas. São profissionais íntegros. Não são marionetes
nas mãos da direção. O comentarista, como eu, tem dificuldade de
reconciliar essa questão com a
afirmação que fiz acima. Eu não
tenho resposta. Só posso reconhecer esse problema.
Folha - Pouco antes do relatório
mais recente do Bird que mostra
queda no número de pobres, o economista Joseph Stiglitz produziu
um documento mostrando um
crescimento nesse número. O número de pobres no mundo depende de quem escreve o relatório?
Wade - Sim. É possível dizer que
existe uma tendência dos números escolhidos e a forma como
eles são apresentados variarem
com a pessoa que tem autoridade
na parte do banco responsável pelo relatório.
Folha - Quando o Bird mudou a
metodologia de contagem dos pobres foi esclarecida a razão da mudança e divulgados os critérios?
Wade - Muitas das coisas que o
Banco Mundial fez nunca foi explicada publicamente. Um economista chamado Sanjay Reddy, da
Universidade de Colombia
(EUA), precisou gastar muito
tempo para descobrir junto a funcionários do Bird qual era a nova
metodologia, simplesmente porque eles não haviam divulgado.
Não posso dizer que eles esconderam a informação deliberadamente. Eu não sei. Pode ser. Uma
segunda hipótese é que eles estavam muito ocupados para prestar
atenção a essa questão.
Folha - Os números do Bird são
muito importantes. Serviram para
ajudar a legitimar uma série de
afirmações dos que defendem a
globalização. Não é um erro do
banco fazer comparações que o sr.
diz ilegítimas e não revelar publicamente a nova metodologia?
Wade - Eu acho que o Banco
Mundial foi no mínimo descuidado. O número de pessoas vivendo
na pobreza é muito importante. É
usado pelo mundo todo. O banco
precisaria ser explícito sobre como calcula esse número para que
pessoas independentes pudessem
escrutinar a metodologia.
Vou mencionar mais um problema com a metodologia do
banco, seja a nova ou a antiga.
Ambas não são baseadas numa
cesta de consumo necessária para
superar a pobreza. Elas são baseadas numa cesta média de consumo, que inclui uma lista de produtos e serviços, que não são necessários para sair da pobreza.
Até massagens estão incluídas
nessa cesta.
Folha - Não se pode confiar nas
estatísticas do Banco Mundial?
Wade - Existem estatísticas do
banco que também são produzidas por organizações independentes. Mas há outras, como no
caso do número de pobres, em
que o banco é o único provedor
de informações. Nos casos em
que o banco detém o monopólio é
preciso muita cautela.
Folha - Se fosse possível provar
definitivamente que os dados do
Banco Mundial estão errados, o sr.
acha que o movimento pró-globalização teria de rever sua agenda?
Wade - O argumento pró-globalista se baseia no alegado fato de
que a pobreza se reduziu nos últimos 20 anos e que a desigualdade
no mundo está caindo. Se essas
duas tendências não forem verdadeiras, isso forçará uma reconsideração séria das estratégias de
desenvolvimento.
Folha - Existe evidência empírica
para corroborar a sua tese de que a
pobreza e a desigualdade cresceram nos últimos 20 anos?
Wade - Sobre desigualdade existem vários estudos que concluem
que a desigualdade cresce no
mundo. Um dos problemas é que
a tendência da desigualdade depende da metodologia que se usa.
As pessoas que afirmam que a desigualdade caiu estão sendo desonestas, pois não deixam claro que
ela está caindo apenas em uma ou
duas formas de medi-la. A maioria dos estudos mostra que a desigualdade provavelmente cresceu.
Folha - E no caso da pobreza?
Wade - - No caso da pobreza, o
problema é que não existe nenhum estudo independente que
não se baseie nos dados do Banco
Mundial. O único que se pode fazer é mostrar a série de problemas
na metodologia do banco que reduz a confiança nas conclusões.
Quando se analisa como o banco
chegou a esses números, se percebe que parece que houve um viés
sistemático nas escolhas, cujo
efeito é fazer os números parecerem menores e a tendência ser de
queda.
Folha - O que é mais importante,
a desigualdade ou a pobreza?
Wade - Essa é uma questão muito complexa. O Banco Mundial
está dando pouco importância
para a desigualdade no mundo. O
Bird não gosta de falar de desigualdade. O seu foco é pobreza.
Um das razões para o Bird não falar de desigualdade é que os países
ricos não gostariam que o Bird ou
outra pessoa qualquer ficasse falando sobre o tamanho do fosso
entre as rendas deles e as de outros países.
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