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ANÁLISE
Meta de Serra equivale à que Lula examina
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Caso o objetivo do governador tucano José Serra tenha sido diferenciar-se de Lula em
sua política para a mudança do
clima, já pode dizer que está para o presidente como Arnold
Schwarzenegger para George
W. Bush. Repete-se aqui fenômeno já observado nos EUA,
onde alguns governadores se
adiantaram ao governo central
nessa matéria.
A questão é saber se os eleitores potenciais de Serra, numa
disputa com a quase candidata
petista Dilma Rousseff, perceberão a diferença. E, também,
se a diferença aparente sobreviverá até o fim desta semana.
Quem só tiver ouvido falar de
percentuais de cortes nas emissões de gases do efeito estufa
poderá sair com a impressão de
que Serra ficou aquém de Lula.
O primeiro fala em reduzir 20%
desses gases até 2020. O segundo ainda não falou com clareza,
mas pode anunciar corte em
torno de 40% na sexta-feira.
As contas partem de premissas e referências diversas. O governo paulista esclarece que os
20% se aplicam sobre o nível de
emissões em 2005. Se tudo der
certo, o Estado chegaria ao final
da próxima década lançando 24
milhões de toneladas a menos
de CO2 na atmosfera.
A meta que o governo federal
está para anunciar, por seu lado, representa só um desvio de
trajetória. Projeta-se quanto o
país estará produzindo de gases-estufa em 2020 e aplica-se
um percentual de redução sobre esse montante. A conta não
resulta necessariamente numa
diminuição absoluta em relação ao que se emite hoje.
É mais ou menos como planejar um regime. Se entrar em
2010 pesando 95 kg e tiver engordado 4 kg por ano nos últimos tempos, esse ritmo me levará a 135 kg em 2020.
Fixando a meta de não engordar 40% disso, em dez anos
estarei pesando 81 kg -ou 14 kg
a menos que na partida. No entanto, caso adote meta abaixo
disso, digamos 20%, meu peso
final será 108 kg, ou 13 kg a
mais do que hoje.
Serra optou pela silhueta vista no retrovisor. Quer São Paulo com menos peso que em
2005. Não importa quanto tenha engordado de lá para cá.
Nesse sentido, parece uma meta mais corajosa que a de Lula.
Além disso, os 20% já prometidos por Lula estão quase
garantidos. Basta prosseguir na
rota de redução das taxas nacionais de desmatamento, que
responde por mais da metade
das emissões brasileiras.
Como o desmate se concentra na Amazônia, São Paulo não
conta com essa fruta ao alcance
da mão. O esforço precisará envolver vários setores -agropecuária, energia, transportes, indústria. Cada um dará sua contribuição; alguns poderão até
emitir mais, desde que outros
compensem a diferença.
A coisa muda um pouco de figura se Lula adotar os 40% sexta. Neste caso, precisará da mobilização de outros setores.
Não se sabe ao certo quanto
o país emitiu em anos recentes.
Serra usa o valor de 2 bilhões
de toneladas de CO2 emitidas
nacionalmente no ano 2005. O
dado consta de um estudo realizado na USP de Piracicaba pelo pesquisador Carlos Cerri.
Projeções de um grupo de especialistas conhecido como
Rede Clima indicam que o Brasil possa chegar a 2020 emitindo 2,7 bilhões de toneladas de
CO2. Adotada a meta superior,
de 40%, isso cairia para 1,62 bilhão em uma década. Menos,
portanto, que as emissões de
2005 (2 bilhões de toneladas),
mas um valor quase idêntico ao
que se alcançaria se aplicada a
regra de Serra (menos 20%, o
mesmo 1,6 bilhão). Empate.
Atente agora para as escalas
de grandeza. Serra fala em 24
milhões de toneladas de redução em 2020. Lula, se anunciar
40%, estará prometendo mais
de 1 bilhão de toneladas de corte. Ou seja, 45 vezes mais.
Essa é a grande diferença entre as propostas de Serra e Lula
(ou melhor, por ora, ainda de
Carlos Minc, seu ministro do
Meio Ambiente): o peso do
desmatamento e de governar
um país inteiro.
Embora seja a coisa certa a
fazer, não será fácil continuar
represando o desflorestamento. O governo federal leva a culpa, sempre, mas quem desmata
são madeireiros, grileiros e fazendeiros partidários do atraso. Sob as vistas grossas de governadores da Amazônia.
Esse problema Serra não
tem. Sai à frente de Lula, no
que já se chamou de "efeito
Marina Silva", fixando a meta
em lei, e não num plano ainda
indeterminado, como o do governo federal. Serra governa
um Estado, contudo, em que a
própria comunidade empresarial já demanda a mudança de
rumo. E só precisará exigir
ações dos produtores a partir
da conclusão do inventário estadual. Em 2011, quando já não
será governador -talvez.
Quem quer que vença o pleito presidencial terá um problema bem maior que o paulista
pela frente. Não só pelo tamanho e a diversidade do Brasil,
mas porque nenhum acordo
significativo de reduções sairá
de Copenhague, mês que vem.
O novo tratado para enfrentar a mudança do clima ficará
para dezembro de 2010. O novo
presidente terá então de sentar-se com Estados Unidos e
China à mesa de negociação.
Situação bem menos confortável que a de um palanque.
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