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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ELEIÇÕES 2006
Mercadante diz esperar apoio público do presidente na corrida ao governo do Estado e afirma que ex-prefeita saberá se defender de acusações
Senador usa Lula e "ficha limpa" contra Marta
CONRADO CORSALETTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Com o espaço cada vez mais reduzido dentro da máquina do PT,
o líder do governo no Senado,
Aloizio Mercadante, aposta numa
declaração pública de apoio do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva para alavancar sua pré-candidatura ao governo do Estado de
São Paulo nas eleições de 2006.
Mercadante, 51, disputa o posto
com a ex-prefeita Marta Suplicy,
que ganha a cada dia novas adesões ao seu projeto de tentar suceder o governador Geraldo Alckmin (PSDB). Apesar de defender
uma solução negociada, o líder
petista acha que a realização de
uma prévia para a escolha do candidato do partido deverá ocorrer.
Ele cita como trunfos de sua
eventual candidatura os mais de
10 milhões de votos obtidos na
disputa ao Senado em 2002, sua
experiência na articulação política do governo e o fato de não ter
tido seu nome envolvido nas denúncias que assolam seu partido.
Num esforço para recuperar
terreno, prepara uma agenda de
viagens pelo Estado e volta a distribuir afagos a colegas petistas de
quem se distanciou por causa de
críticas feitas durante a crise política, como é o caso do ex-ministro
e ex-deputado José Dirceu (SP).
Economista, professor licenciado da PUC e da Unicamp, pai de
Pedro, 20, e Mariana, 21 -citados
de forma recorrente em suas conversas-, Mercadante fala de sua
estratégia para conseguir a vaga
no PT à sucessão estadual nesta
entrevista a Folha e promete não
atacar Marta na disputa interna.
Folha - O que diferencia sua pré-candidatura da de Marta Suplicy?
Aloizio Mercadante - Nessa eleição estará colocada a defesa de
nossa experiência de governo. Tive oportunidade, como líder no
Senado, de acompanhar todas as
políticas públicas. Conheço com
profundidade cada uma das áreas
do governo e também tudo aquilo
que nós fizemos em São Paulo.
Vamos apresentar nessa campanha tudo o que foi feito em cada
uma das áreas no Estado.
Tive 10,5 milhões de votos, fui o
parlamentar mais votado na história do Brasil. Tive 3 milhões de
votos a mais do que Alckmin no
primeiro turno. Essa votação sinaliza uma possibilidade concreta
de vitória. Esses eleitores poderão
votar em mim para governador.
Folha - Mesmo sem experiência
no Executivo, acha que está mais
bem preparado que a ex-prefeita?
Mercadante - Como líder, acompanhei todas as áreas de governo
de forma permanente durante estes três anos. De um lado uma interface com todos os ministérios,
de outro uma convivência de lideranças da oposição bastante experientes. Além disso, minha formação teórica e minha experiência política me dão uma visão bastante abrangente.
Vivi em Campinas, na Baixada,
no Vale do Paraíba, na capital, tenho vivência pessoal bastante
profunda em relação ao Estado.
Sinto-me preparado, maduro e
experiente para ter esse desafio.
E capaz de aprender com as
nossas experiências, com o que
elas têm de positivo e naquilo que
nós erramos. Na experiência de
ser senador por São Paulo, estou
tendo possibilidade de observar
mais a fundo o Estado. São Paulo
é um terço do PIB [Produto Interno Bruto] do Brasil, somos responsáveis por metade das exportações, é um Estado que tem impressionante vocação para produzir riqueza. E acho que essa vocação poderia ser potencializada
por novas políticas públicas.
Temos 35 universidades públicas no Estado, 20 institutos de
pesquisa, quatro têm mais de cem
anos, como o Instituto de Pesquisa Tecnológica da USP, do Instituto Butantã. São Paulo pode liderar investimentos nessa perspectiva e impulsionar a plataforma
de serviços. Temos as redes hospitalares mais avançadas do país e
boas estruturas educacionais.
Perdemos, por exemplo, ao longo do governo do PSDB a participação na indústria: tínhamos 51%
da indústria e hoje temos 45%. Se
tem o lado positivo, que é a desconcentração industrial, tem um
lado perverso que se deve ao fato
de parte dessa desindustrialização
ter sido decorrente da guerra fiscal. São Paulo deveria ter liderado
uma reforma tributária no Brasil.
Não senti em nenhum momento atitude do governo paulista
nessa perspectiva. E há uma timidez em utilizar essa estrutura tecnológica, científica, essa base produtiva, intelectual, para alavancar
os investimentos de ponta que o
Estado não tem impulsionado. E
olhar o interior
com a vocação
econômica de cada região. Na Segurança Pública,
sinto graves problemas. Como é
que o Estado mais
rico da federação,
que tem o Orçamento de R$ 80
bilhões tem o 25º
salário para a Polícia Civil?
Estamos com
180 mil veículos
roubados por
ano. Quase toda a
produção de automóveis no país
a cada dez anos
está sendo roubada a cada dez anos
no Estado. Há
omissão do Estado em torno dos
desmanches, que
são uma indústria
de roubos, de
fraudes, que está
instalada no crime organizado.
O custo do sistema prisional do
Estado -135 mil
presos aproximadamente- não é
compatível com a perspectiva de
recuperação dos presos. Temos a
cadeia de impunidade que começa na Febem, que custa quase
meio bilhão de reais por ano, tem
6.500 jovens presos e em torno de
16 mil em liberdade assistida. Começa ali, passa pelo sistema prisional, pelo judiciário, policial.
Folha - Acha que a segurança vai,
de novo, centralizar o debate?
Mercadante - Acho um grande
tema. Acho que o desenvolvimento econômico e o emprego vão ser
muito importantes também. É
verdade que, a recuperação do
crescimento, especialmente no
ano passado, amenizou a tragédia
que é o problema do desemprego
e da pobreza. Só o Bolsa-Família
atende quase 900 mil famílias no
Estado. São R$ 585 milhões.
É duas vezes mais do que toda a
verba da Secretaria de Assistência
Social do governo de São Paulo. A
educação tem de ser uma política
de Estado, não apenas de governo. Então o que está sendo bem
feito tem que ser preservado. Mas
o PSDB governou o Brasil oito
anos e não fez a extensão de um
campus universitário nem uma
universidade.
No governo Lula, em dois anos e
11 meses, temos
quatro extensões
universitárias
-Diadema, Guarulhos, Santos e
Sorocaba-, estamos criando uma
nova universidade
no ABC, que abriu
concurso para
9.000 vagas de estudantes e vai chegar a 25 mil alunos. Além do
ProUni, que criou
35 mil vagas no
Estado em 2004,
mais 35 mil este
ano, sendo 18 mil
para afrodescendentes, que também é uma forma
de acesso ao ensino que uma parcela de nossa juventude nunca teve.
Vejo que cada
uma dessas políticas, a experiência
do governo federal, mas sobretudo
um esgotamento
do padrão do
PSDB, acho que há
um sentimento de renovação, de
mudança, de aprimoramento das
políticas públicas. E esse debate
sobre São Paulo precisa emergir.
Folha - O senhor está citando a
atuação do governo no Estado. O
PT comandou a cidade de São Paulo. Se for candidato, pretende usar
a gestão de Marta também?
Mercadante - O governo do PT
em São Paulo foi inovador. Tem
marcas muito positivas. O CEU
[Centro Educacional Unificado] é
um projeto exitoso. Apesar de todas as críticas de campanha do
PSDB, no Orçamento do ano que
vem tem cinco novos CEUs para
serem construídos. O Bilhete Único foi uma integração importante
e infelizmente estamos tendo
uma redução de 10% da frota de
ônibus na cidade. E o Bolsa-Família [federal] aprimorou o Renda
Mínima [municipal]. Podemos
aprender com cada governo.
Folha - Acha que haverá prévia?
Mercadante - O encontro estadual marcou uma prévia para 7 de
maio. É mais provável que tenhamos prévia. Continuo aberto a
construir um pacto de unidade.
Se a prévia acontecer, tem de ser
uma festa democrática. Vou sempre fazer um discurso positivo,
construtivo, reconhecendo a liderança da Marta, a
contribuição dela
para a cidade.
Folha - O senhor
perdeu espaço no
PT. Alguns petistas
que apoiavam sua
candidatura, como
José Dirceu, já não
apóiam mais.
Mercadante -
Não vi manifestação pública dele
[Dirceu] nesse
sentido. Mas ele
de fato estava
apoiando minha
candidatura e, ao
longo do processo
da crise ele se sentiu magoado, especialmente
quando eu defendi que achava que
as pessoas que estavam sendo investigadas pela
CPI não deveriam
estar na direção
do partido.
Fiz aquilo defendendo o PT. Naquele momento
de dificuldade em que nos encontrávamos, achava que tinha de
aguardar a investigação, a apuração desse episódio para que os
companheiros que estavam na
chapa pudessem voltar a exercer
suas funções partidárias.
Acho que fiz o que deveria ter
feito como dirigente do partido.
Da mesma forma que tenho afirmado com muita ênfase que o Estado democrático de direito exige
direito de defesa. Não pode seqüestrar direito das pessoas para
apurar o que quer que seja, ainda
que tudo tenha de ser apurado.
Todas as vezes que senti que procedimentos foram violados, me
levantei com firmeza na defesa
desses companheiros.
Folha - Foi certa a cassação de
Dirceu?
Mercadante - O direito de defesa
dele foi muito prejudicado. O Supremo Tribunal Federal reconheceu que a defesa falou antes da
acusação, o que viola um princípio elementar do processo legal.
Folha - O presidente Lula tem de
se manifestar na escolha do candidato ao governo de São Paulo?
Mercadante - O
presidente Lula é
uma liderança
muito importante
em toda história
do PT e como liderança ele sempre soube respeitar as escolhas.
Mas ele sabe o
papel que São
Paulo tem, é o Estado mais importante do ponto de
vista político-eleitoral. Portanto,
acho que ele não
só deve opinar como sua opinião
deve ser considerada pelo partido.
A opinião dele
pesará muito se
ele a expressar. Na
minha avaliação,
ele deverá fazer isso. Mas só ele fala
por ele.
Folha - Como encarar uma campanha em que o PT
será alvo de acusações de corrupção?
Mercadante - O
PT cometeu graves erros. Errou
onde as pessoas
não esperavam. Eu mesmo não
esperava que pudéssemos errar
na questão da ética. O PT deve
desculpas à sociedade. Tudo está
sendo apurado como jamais foi
na história da República.
Isso é o aprendizado para o partido e para a democracia. A raiz
dessa crise é financiamento de
campanha. Se não fizermos uma
reforma política corajosa, crises
como essa vão se repetir na República. Por isso eu espero que nessa
próxima campanha algumas mudanças sejam feitas.
O PT deve dar o exemplo de
austeridade e transparência. Isso
dará segurança de que estamos
mudando e mudando para melhor as campanhas.
Folha - Nesta crise, o senhor chegou a dizer que não se identificava
com o PT que estava sendo acusado. Já está à vontade no partido?
Mercadante - Sempre fui petista.
Tenho 25 anos de militância. Ajudei a construir o partido. De fato,
nunca imaginei que coisas como
essa pudessem acontecer, que essa terceirização das finanças do
partido pudesse ter ocorrido. O
PT reagiu, mais de 300 mil filiados
votaram para eleger a nova direção, que está tomando providências para que episódios como esse
não voltem a acontecer.
Folha - O senhor fez críticas a dirigentes petistas que "envenenavam a vida nos diretórios". Se referia ao grupo da Marta?
Mercadante - Não. Disse que a
prévia tem de ser uma festa democrática. Disse àqueles que me
apóiam: defendam os argumentos favoráveis à minha candidatura, mas por favor não gastem sua
energia tentando atacar a Marta.
Vamos estar juntos no final desse processo. Assim como me empenhei na campanha dela, me expus, eu espero a mesma reciprocidade na minha campanha para o
governo se eu vencer essa disputa.
Tem um tipo de militante cupim, que fica nos bastidores do diretório envenenando o ambiente.
Esse tipo de militante não ajuda o
PT. Precisamos de militante jardineiro, que gosta de plantar, de
criar e dar alegria e energia positiva para o partido.
Folha - O senhor pretende aparar
as arestas a partir de agora?
Mercadante - Vou respeitar os
companheiros que querem
apoiar a Marta. É democrático.
Num partido como o PT, em que
todos os filiados conhecem Marta
e Mercadante, cada militante está
analisando qual é a melhor candidatura. É esse sentimento que vai
prevalecer. Acho que o militante
vai escolher o candidato ou a candidata que tiver mais chance de tirar o inquilino do Palácio dos
Bandeirantes.
Não acredito que as lideranças
transfiram votos internamente,
como às vezes dá a impressão.
Elas ajudam, mas acho que não há
transferência simultânea.
Folha - Delúbio Soares fez insinuações sobre a origem do dinheiro de sua campanha ao Senado e a
oposição sempre mantém uma espécie de ameaça no ar de investigar sua campanha. Acha que isso
virá à tona com a campanha?
Mercadante - Minha campanha,
aquilo que foi gasto, está declarado no TSE. São cerca de R$ 760
mil. O PT do Estado declarou
R$ 3,4 milhões, dos quais R$ 2,1
milhões de agências de publicidade. Nenhum senador declarou isso. As fontes de financiamento estão identificadas. Eu não tinha
problema de financiamento.
Não tive dificuldade de apoio.
Sempre fiz campanha dessa forma. Em 1989, não tínhamos nada
e mudamos a história do Brasil.
Confio na militância, em fazer
campanhas sem recursos. É nesse
PT que acredito. Não concordo e
nem aceito o que foi feito, por isso
votei pela expulsão do Delúbio.
Nunca soube que Marcos Valério
existia, muito menos que tinha essa relação com o PT.
Folha - Ajuda sua pré-candidatura o fato de seu nome ter passado
ao largo da crise e o fato de Marta
ser alvo de ações no Ministério Público Estadual por conta de atos de
sua administração na cidade?
Mercadante - A Marta tem grandes virtudes, tem experiência na
cidade de São Paulo. Ela vai saber
responder às acusações que são
feitas contra ela. Em relação à minha vida pública, nunca tive nenhum processo. Não há uma denúncia em nenhuma instância.
E durante essa investigação não
tem uma testemunha em nenhuma CPI que tenha feito qualquer
tipo de menção em relação à minha vida pública. Aprendi um valor na vida que eu preservo, que é
um valor do Kant [Emmanuel
Kant, 1724-1804]: só tem moral na
vida pública aquilo que pode ser
defendido publicamente. E é assim que eu me pauto. Com total
transparência. Esse patrimônio
que é minha história de vida eu tenho e acho que ajuda o partido.
E além da minha vivência política e experiência. Espero que eu
possa ajudar o PT num momento
difícil que a gente atravessa.
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