São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ELEIÇÕES 2006

Mercadante diz esperar apoio público do presidente na corrida ao governo do Estado e afirma que ex-prefeita saberá se defender de acusações

Senador usa Lula e "ficha limpa" contra Marta

CONRADO CORSALETTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Com o espaço cada vez mais reduzido dentro da máquina do PT, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, aposta numa declaração pública de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para alavancar sua pré-candidatura ao governo do Estado de São Paulo nas eleições de 2006.
Mercadante, 51, disputa o posto com a ex-prefeita Marta Suplicy, que ganha a cada dia novas adesões ao seu projeto de tentar suceder o governador Geraldo Alckmin (PSDB). Apesar de defender uma solução negociada, o líder petista acha que a realização de uma prévia para a escolha do candidato do partido deverá ocorrer.
Ele cita como trunfos de sua eventual candidatura os mais de 10 milhões de votos obtidos na disputa ao Senado em 2002, sua experiência na articulação política do governo e o fato de não ter tido seu nome envolvido nas denúncias que assolam seu partido.
Num esforço para recuperar terreno, prepara uma agenda de viagens pelo Estado e volta a distribuir afagos a colegas petistas de quem se distanciou por causa de críticas feitas durante a crise política, como é o caso do ex-ministro e ex-deputado José Dirceu (SP).
Economista, professor licenciado da PUC e da Unicamp, pai de Pedro, 20, e Mariana, 21 -citados de forma recorrente em suas conversas-, Mercadante fala de sua estratégia para conseguir a vaga no PT à sucessão estadual nesta entrevista a Folha e promete não atacar Marta na disputa interna.

Folha - O que diferencia sua pré-candidatura da de Marta Suplicy?
Aloizio Mercadante -
Nessa eleição estará colocada a defesa de nossa experiência de governo. Tive oportunidade, como líder no Senado, de acompanhar todas as políticas públicas. Conheço com profundidade cada uma das áreas do governo e também tudo aquilo que nós fizemos em São Paulo. Vamos apresentar nessa campanha tudo o que foi feito em cada uma das áreas no Estado.
Tive 10,5 milhões de votos, fui o parlamentar mais votado na história do Brasil. Tive 3 milhões de votos a mais do que Alckmin no primeiro turno. Essa votação sinaliza uma possibilidade concreta de vitória. Esses eleitores poderão votar em mim para governador.

Folha - Mesmo sem experiência no Executivo, acha que está mais bem preparado que a ex-prefeita?
Mercadante -
Como líder, acompanhei todas as áreas de governo de forma permanente durante estes três anos. De um lado uma interface com todos os ministérios, de outro uma convivência de lideranças da oposição bastante experientes. Além disso, minha formação teórica e minha experiência política me dão uma visão bastante abrangente.
Vivi em Campinas, na Baixada, no Vale do Paraíba, na capital, tenho vivência pessoal bastante profunda em relação ao Estado. Sinto-me preparado, maduro e experiente para ter esse desafio.
E capaz de aprender com as nossas experiências, com o que elas têm de positivo e naquilo que nós erramos. Na experiência de ser senador por São Paulo, estou tendo possibilidade de observar mais a fundo o Estado. São Paulo é um terço do PIB [Produto Interno Bruto] do Brasil, somos responsáveis por metade das exportações, é um Estado que tem impressionante vocação para produzir riqueza. E acho que essa vocação poderia ser potencializada por novas políticas públicas.
Temos 35 universidades públicas no Estado, 20 institutos de pesquisa, quatro têm mais de cem anos, como o Instituto de Pesquisa Tecnológica da USP, do Instituto Butantã. São Paulo pode liderar investimentos nessa perspectiva e impulsionar a plataforma de serviços. Temos as redes hospitalares mais avançadas do país e boas estruturas educacionais.
Perdemos, por exemplo, ao longo do governo do PSDB a participação na indústria: tínhamos 51% da indústria e hoje temos 45%. Se tem o lado positivo, que é a desconcentração industrial, tem um lado perverso que se deve ao fato de parte dessa desindustrialização ter sido decorrente da guerra fiscal. São Paulo deveria ter liderado uma reforma tributária no Brasil.
Não senti em nenhum momento atitude do governo paulista nessa perspectiva. E há uma timidez em utilizar essa estrutura tecnológica, científica, essa base produtiva, intelectual, para alavancar os investimentos de ponta que o Estado não tem impulsionado. E olhar o interior com a vocação econômica de cada região. Na Segurança Pública, sinto graves problemas. Como é que o Estado mais rico da federação, que tem o Orçamento de R$ 80 bilhões tem o 25º salário para a Polícia Civil?
Estamos com 180 mil veículos roubados por ano. Quase toda a produção de automóveis no país a cada dez anos está sendo roubada a cada dez anos no Estado. Há omissão do Estado em torno dos desmanches, que são uma indústria de roubos, de fraudes, que está instalada no crime organizado.
O custo do sistema prisional do Estado -135 mil presos aproximadamente- não é compatível com a perspectiva de recuperação dos presos. Temos a cadeia de impunidade que começa na Febem, que custa quase meio bilhão de reais por ano, tem 6.500 jovens presos e em torno de 16 mil em liberdade assistida. Começa ali, passa pelo sistema prisional, pelo judiciário, policial.

Folha - Acha que a segurança vai, de novo, centralizar o debate?
Mercadante -
Acho um grande tema. Acho que o desenvolvimento econômico e o emprego vão ser muito importantes também. É verdade que, a recuperação do crescimento, especialmente no ano passado, amenizou a tragédia que é o problema do desemprego e da pobreza. Só o Bolsa-Família atende quase 900 mil famílias no Estado. São R$ 585 milhões.
É duas vezes mais do que toda a verba da Secretaria de Assistência Social do governo de São Paulo. A educação tem de ser uma política de Estado, não apenas de governo. Então o que está sendo bem feito tem que ser preservado. Mas o PSDB governou o Brasil oito anos e não fez a extensão de um campus universitário nem uma universidade.
No governo Lula, em dois anos e 11 meses, temos quatro extensões universitárias -Diadema, Guarulhos, Santos e Sorocaba-, estamos criando uma nova universidade no ABC, que abriu concurso para 9.000 vagas de estudantes e vai chegar a 25 mil alunos. Além do ProUni, que criou 35 mil vagas no Estado em 2004, mais 35 mil este ano, sendo 18 mil para afrodescendentes, que também é uma forma de acesso ao ensino que uma parcela de nossa juventude nunca teve.
Vejo que cada uma dessas políticas, a experiência do governo federal, mas sobretudo um esgotamento do padrão do PSDB, acho que há um sentimento de renovação, de mudança, de aprimoramento das políticas públicas. E esse debate sobre São Paulo precisa emergir.

Folha - O senhor está citando a atuação do governo no Estado. O PT comandou a cidade de São Paulo. Se for candidato, pretende usar a gestão de Marta também?
Mercadante -
O governo do PT em São Paulo foi inovador. Tem marcas muito positivas. O CEU [Centro Educacional Unificado] é um projeto exitoso. Apesar de todas as críticas de campanha do PSDB, no Orçamento do ano que vem tem cinco novos CEUs para serem construídos. O Bilhete Único foi uma integração importante e infelizmente estamos tendo uma redução de 10% da frota de ônibus na cidade. E o Bolsa-Família [federal] aprimorou o Renda Mínima [municipal]. Podemos aprender com cada governo.

Folha - Acha que haverá prévia?
Mercadante -
O encontro estadual marcou uma prévia para 7 de maio. É mais provável que tenhamos prévia. Continuo aberto a construir um pacto de unidade. Se a prévia acontecer, tem de ser uma festa democrática. Vou sempre fazer um discurso positivo, construtivo, reconhecendo a liderança da Marta, a contribuição dela para a cidade.

Folha - O senhor perdeu espaço no PT. Alguns petistas que apoiavam sua candidatura, como José Dirceu, já não apóiam mais.
Mercadante -
Não vi manifestação pública dele [Dirceu] nesse sentido. Mas ele de fato estava apoiando minha candidatura e, ao longo do processo da crise ele se sentiu magoado, especialmente quando eu defendi que achava que as pessoas que estavam sendo investigadas pela CPI não deveriam estar na direção do partido.
Fiz aquilo defendendo o PT. Naquele momento de dificuldade em que nos encontrávamos, achava que tinha de aguardar a investigação, a apuração desse episódio para que os companheiros que estavam na chapa pudessem voltar a exercer suas funções partidárias.
Acho que fiz o que deveria ter feito como dirigente do partido. Da mesma forma que tenho afirmado com muita ênfase que o Estado democrático de direito exige direito de defesa. Não pode seqüestrar direito das pessoas para apurar o que quer que seja, ainda que tudo tenha de ser apurado. Todas as vezes que senti que procedimentos foram violados, me levantei com firmeza na defesa desses companheiros.

Folha - Foi certa a cassação de Dirceu?
Mercadante -
O direito de defesa dele foi muito prejudicado. O Supremo Tribunal Federal reconheceu que a defesa falou antes da acusação, o que viola um princípio elementar do processo legal.

Folha - O presidente Lula tem de se manifestar na escolha do candidato ao governo de São Paulo?
Mercadante -
O presidente Lula é uma liderança muito importante em toda história do PT e como liderança ele sempre soube respeitar as escolhas.
Mas ele sabe o papel que São Paulo tem, é o Estado mais importante do ponto de vista político-eleitoral. Portanto, acho que ele não só deve opinar como sua opinião deve ser considerada pelo partido.
A opinião dele pesará muito se ele a expressar. Na minha avaliação, ele deverá fazer isso. Mas só ele fala por ele.

Folha - Como encarar uma campanha em que o PT será alvo de acusações de corrupção?
Mercadante -
O PT cometeu graves erros. Errou onde as pessoas não esperavam. Eu mesmo não esperava que pudéssemos errar na questão da ética. O PT deve desculpas à sociedade. Tudo está sendo apurado como jamais foi na história da República.
Isso é o aprendizado para o partido e para a democracia. A raiz dessa crise é financiamento de campanha. Se não fizermos uma reforma política corajosa, crises como essa vão se repetir na República. Por isso eu espero que nessa próxima campanha algumas mudanças sejam feitas.
O PT deve dar o exemplo de austeridade e transparência. Isso dará segurança de que estamos mudando e mudando para melhor as campanhas.

Folha - Nesta crise, o senhor chegou a dizer que não se identificava com o PT que estava sendo acusado. Já está à vontade no partido?
Mercadante -
Sempre fui petista. Tenho 25 anos de militância. Ajudei a construir o partido. De fato, nunca imaginei que coisas como essa pudessem acontecer, que essa terceirização das finanças do partido pudesse ter ocorrido. O PT reagiu, mais de 300 mil filiados votaram para eleger a nova direção, que está tomando providências para que episódios como esse não voltem a acontecer.

Folha - O senhor fez críticas a dirigentes petistas que "envenenavam a vida nos diretórios". Se referia ao grupo da Marta?
Mercadante -
Não. Disse que a prévia tem de ser uma festa democrática. Disse àqueles que me apóiam: defendam os argumentos favoráveis à minha candidatura, mas por favor não gastem sua energia tentando atacar a Marta.
Vamos estar juntos no final desse processo. Assim como me empenhei na campanha dela, me expus, eu espero a mesma reciprocidade na minha campanha para o governo se eu vencer essa disputa.
Tem um tipo de militante cupim, que fica nos bastidores do diretório envenenando o ambiente. Esse tipo de militante não ajuda o PT. Precisamos de militante jardineiro, que gosta de plantar, de criar e dar alegria e energia positiva para o partido.

Folha - O senhor pretende aparar as arestas a partir de agora?
Mercadante -
Vou respeitar os companheiros que querem apoiar a Marta. É democrático. Num partido como o PT, em que todos os filiados conhecem Marta e Mercadante, cada militante está analisando qual é a melhor candidatura. É esse sentimento que vai prevalecer. Acho que o militante vai escolher o candidato ou a candidata que tiver mais chance de tirar o inquilino do Palácio dos Bandeirantes.
Não acredito que as lideranças transfiram votos internamente, como às vezes dá a impressão. Elas ajudam, mas acho que não há transferência simultânea.

Folha - Delúbio Soares fez insinuações sobre a origem do dinheiro de sua campanha ao Senado e a oposição sempre mantém uma espécie de ameaça no ar de investigar sua campanha. Acha que isso virá à tona com a campanha?
Mercadante -
Minha campanha, aquilo que foi gasto, está declarado no TSE. São cerca de R$ 760 mil. O PT do Estado declarou R$ 3,4 milhões, dos quais R$ 2,1 milhões de agências de publicidade. Nenhum senador declarou isso. As fontes de financiamento estão identificadas. Eu não tinha problema de financiamento.
Não tive dificuldade de apoio. Sempre fiz campanha dessa forma. Em 1989, não tínhamos nada e mudamos a história do Brasil. Confio na militância, em fazer campanhas sem recursos. É nesse PT que acredito. Não concordo e nem aceito o que foi feito, por isso votei pela expulsão do Delúbio. Nunca soube que Marcos Valério existia, muito menos que tinha essa relação com o PT.

Folha - Ajuda sua pré-candidatura o fato de seu nome ter passado ao largo da crise e o fato de Marta ser alvo de ações no Ministério Público Estadual por conta de atos de sua administração na cidade?
Mercadante -
A Marta tem grandes virtudes, tem experiência na cidade de São Paulo. Ela vai saber responder às acusações que são feitas contra ela. Em relação à minha vida pública, nunca tive nenhum processo. Não há uma denúncia em nenhuma instância.
E durante essa investigação não tem uma testemunha em nenhuma CPI que tenha feito qualquer tipo de menção em relação à minha vida pública. Aprendi um valor na vida que eu preservo, que é um valor do Kant [Emmanuel Kant, 1724-1804]: só tem moral na vida pública aquilo que pode ser defendido publicamente. E é assim que eu me pauto. Com total transparência. Esse patrimônio que é minha história de vida eu tenho e acho que ajuda o partido.
E além da minha vivência política e experiência. Espero que eu possa ajudar o PT num momento difícil que a gente atravessa.


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