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JANIO DE FREITAS
Pinochet imortal
Pinochet é prova aberrante
de que o ciclo militarista na região perdeu suas ditaduras, mas seu espírito sobrevive
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AUGUSTO PINOCHET morre,
mas não se vai. E não só pelo
que suas escassas idéias e seus
tantos feitos signifiquem, em passado e em presente, para a metade do
Chile que o idolatra e para a metade
do Chile que o abomina.
Augusto Pinochet foi até ontem,
em vida, e será ainda por tempos incalculáveis, como memória, a prova
mais aberrante de que o ciclo militarista na América do Sul perdeu suas
ditaduras, mas o espírito que o constituiu sobrevive e se impõe incontestado em quase todas as ex-ditaduras. Exceto só, em grande parte, a
Argentina de Néstor Kirchner.
Augusto Pinochet assassino em
massa, corrupto, ladrão, traidor da
soberania do seu país desmentiu, até
a última respiração, a tão propalada
democracia chilena, encanto dos devotos do mercado -esse eufemismo
que tanto exprime negócios como
negociatas. O Judiciário do Chile
não pôde fazer mais do que uns poucos arremedos de iniciativa processual, para logo voltar atrás apesar, ou
por isso mesmo, de todas as razões e
fundamentos para ir adiante. Arremedos que o restante de brio nacional praticou em nome de alguma
aparência humilhada, desde que um
juiz espanhol tomou a si a tarefa de
mostrar o que o direito e a dignidade
humana tinham a dizer sobre o velho criminoso. A exceção no Chile,
personificada no condenado general
Contreras, decorreu de exigência
dos Estados Unidos, até onde a ditadura chilena estendeu sua mão assassina.
Augusto Pinochet mostrou que o
Congresso do Chile não pôde contrariar a recusa militar a toda inovação legal que expressasse o predomínio real do poder civil e da Constituição de intenções democráticas.
Portador de uma honrosa história
pessoal e política, o socialista Ricardo Lagos presidiu o Chile sem poder
ir além de cautelosas evidenciações
de que não enfraqueceria o poder civil. A presidente Bachelet, também
socialista e, também, portadora de
história pessoal tão bela quanto triste, está imobilizada pelo justificado
risco de que a agitação popular, decorrente de insatisfações econômicas e estudantis, leve militares a
mostrar o que continuam pensando
e sendo, à imagem do seu grande líder.
Augusto Pinochet viu seus similares uruguaios sobreporem-se à chamada democratização do país tal como Chile e no Brasil. A recente prisão de Juan Maria Bordaberry, títere civil da ditadura militar uruguaia,
está recebida como passo inicial do
presidente Tabaré Vasquez para dar
sentido ao poder civil e à Constituição do Uruguai. A cautela, a demora
e a incidência sobre um civil mostram o que é o poder subjacente na
vida uruguaia.
Augusto Pinochet é a expressão de
um estado que engloba o Brasil. Em
22 anos de regime civil os brasileiros
ainda não puderam conhecer os arquivos militares da ditadura. Fernando Henrique Cardoso tratou de
aumentar o tempo de proibição ao
acesso de grande parte dos documentos históricos nacionais. Uma
das promessas solenes de Lula,
quando candidato e como presidente, foi o esclarecimento do episódio
do Araguaia, mas nunca se passou de
pequenas farsas para aplacar a persistência de cobranças. As famílias
de desaparecidos nas mãos de militares continuam sem o direito de recolher os despojos de seus filhos e
pais assassinados. Uma obviedade
destes dias: há outra explicação para
o comandante da Aeronáutica não
estar exonerado, com toda a vexatória crise do tráfego aéreo e dos aeroportos, senão o fato de ser militar?
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