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ENTREVISTAS DA 2ª - LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
Pinochet dividiu as esquerdas na Europa
Para historiador, "capítulo negro" representado pelo golpe de 1973 no Chile teve reflexos políticos mundiais
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Encerrou-se um capítulo
negro da história da América
Latina", diz o professor de história do Brasil na Universidade
de Paris-Sorbonne, Luiz Felipe
de Alencastro, sobre a morte do
general Augusto Pinochet. Para
ele, o golpe de 1973 no Chile foi
"algo sombrio" não só para os
países da região mas para as esquerdas do mundo todo, particularmente na Europa.
Partidos progressistas tiveram que reavaliar, diz ele, a viabilidade de reformas profundas como as propostas por Salvador Allende, destituído por Pinochet, a partir de uma maioria
frágil. Terminaram se dividindo entre os que pregavam amplas alianças, como o Partido Comunista Italiano, e os que
partiram para a radicalização e
a luta armada, como as Brigadas Vermelhas.
FOLHA - O que o general Pinochet
representou para a história da América Latina?
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO - Para a
história do Chile, em primeiro
lugar, e aí para a América Latina, foi um fato muito surpreendente. Porque se tratava do país
da região que tinha a vida política mais bem estruturada.
Tanto o Brasil quanto a Argentina já tinham tido golpes e tumultos antes, mas o Chile, não.
A eleição de Salvador Allende
[1908-1973] aparecia como a
chegada ao poder, pela via democrática, de um presidente
assumidamente marxista, com
uma aliança de união de esquerda e que prefigurava um
pouco o debate que ocorria na
Europa, na França e na Itália, a
respeito de candidaturas similares de esquerda.
No caso da França, a identificação com o [François] Mitterrand [1916-1996] era grande.
Allende tinha um perfil bastante próximo daquele do político
francês de esquerda: era laico,
era maçom, o que criava outra
rede de simpatias e de alianças,
era um homem muito aberto.
Na América Latina foi um
choque, o sinal de que nada escapava a essa vaga de golpes e
de ditaduras -que na realidade
tinha começado com o Brasil.
Na França e na Itália, principalmente, foi um alerta muito
grande, na medida em que se
percebia que não se podia avançar em transformações sociais
muito radicais, mesmo sendo
eleito, com maioria simples de
votos. Que era preciso uma
aliança mais ampla. Foi isso
que levou o Partido Comunista
Italiano a propor o compromisso histórico, uma aliança com a
Democracia Cristã. Aí suscitou
também uma radicalização da
extrema esquerda contra isso, o
que acabou no assassinato de
Aldo Moro [primeiro-ministro
italiano, seqüestrado e morto
pelas Brigadas Vermelhas em
1978].
O golpe do Chile foi, portanto, exemplar a duplo título. Para nós, foi essa coisa sombria, essa escuridão que se abatia sobre a América Latina inteira.
Tanto mais que nesse caso a
implicação da CIA e do governo
americano foi uma coisa muito
mais explícita. Na Europa, na
esquerda, foi um alerta pesado
-e daí a comoção muito grande
que houve aqui e o acolhimento
que se fez aos exilados chilenos,
com os quais vieram muitos argentinos e brasileiros.
FOLHA - A morte de Pinochet pode
trazer alguma conseqüência política
atual para o Chile, para o modo como a sociedade chilena se relaciona
com seu passado de ditadura?
ALENCASTRO - O caso do Chile é
exemplar, do ponto de vista das
ditaduras, porque o país foi um
dos articuladores da Operação
Condor -que era a operação de
cooperação internacional das
ditaduras, da qual o governo
brasileiro também participou.
Foi uma coisa extremamente
audaciosa de terrorismo internacional. Isso criou uma série
de problemas jurídicos depois
-o fato de terem torturado,
matado e desaparecido com vários estrangeiros. O mesmo no
caso da Argentina. Foi isso que
levou a ações como a do juiz
Baltasar Garzón e outras. Porque tinha havido assassinato de
espanhóis e de pessoas de outras nacionalidades.
Isso criou um problema jurídico mais duro de roer para o
governo chileno. Tornou-o
mais vulnerável. Os chilenos
sempre insistiram em que eles
é que deveriam julgar o Pinochet. O fato é que as ações judiciais começaram fora do Chile.
Mas já houve, por lá, prisão de
gente implicada em assassinatos, por exemplo, há interrogatórios e várias pessoas que não
podem sair do Chile.
FOLHA - A morte de Pinochet muda
alguma coisa?
ALENCASTRO - Encerrou-se um
capítulo negro da história da
América Latina e do Chile.
FOLHA - Por que Argentina e Chile
lidaram de modo diferente com o
passado de ditadura do que o Brasil?
ALENCASTRO - Porque a desproporção da repressão é muito
grande. No Brasil deve haver
uns 300 desaparecidos. Na Argentina fala-se de pelo menos
15 mil, e tem gente que fala em
20 mil, 30 mil. No Chile se fala
em 5.000. Houve muito mais
exilados, proporcionalmente,
na Argentina e no Chile.
FOLHA - Qual a ligação entre essas
várias experiências ditatoriais? Elas
estão definitivamente afastadas?
ALENCASTRO - Esse ciclo mais
recente tem a ver com a Revolução Cubana e a entrada da
Guerra Fria na região. Com seu
final, não há mais esse dínamo
por trás dessas crises todas que
possa haver aqui e ali.
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