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Maioria do STF vota para tirar arrozeiros de reserva
Mas pedido de vista adia decisão do julgamento, que só deve ser sair em 2009
Ministros indicam condições
aos índios, que poderiam
fazer uso da terra, mas sem
poder de vetar a instalação
de bases militares na área
Alan Marques/Folha Imagem
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O presidente do STF, Gilmar Mendes, no julgamento de ontem
FELIPE SELIGMAN
HUDSON CORRÊA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A maioria dos ministros do
STF (Supremo Tribunal Federal) votou ontem pela manutenção da demarcação contínua da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, e
pela retirada dos produtores de
arroz que ocupam a área.
Mas em 7 dos 8 votos que seguiram essa linha foram incluídas 18 condições sobre as quais
a própria Funai (Fundação Nacional do Índio) afirmou ainda
não ter idéia do impacto que isso pode representar nas áreas
indígenas do país. O órgão disse
que buscará um entendimento
jurídico, pois as regras que foram sugeridas ontem deverão
servir como parâmetro para as
demarcações em curso no país.
A desocupação da reserva somente deverá ser oficializada
no início de 2009, por conta de
um pedido de vista do ministro
Marco Aurélio Mello. Ele disse
estar preocupado com a informação que leu em reportagem
da Folha de ontem de que o resultado do julgamento poderia
ameaçar 227 áreas indígenas
que ainda estão sob análise.
Oito dos 11 ministros votaram ontem, sendo que 6 deles o
fizeram mesmo após o pedido
de vista de Marco Aurélio. Todos os que votaram decidiram
seguir o relator, ministro Carlos Ayres Britto, mas indicaram algumas "condições", sugeridas por Carlos Alberto Direito. Ele foi o primeiro a pedir
vista, em agosto deste ano.
Entre as ressalvas está a limitação da entrada de índios em
reserva ambiental no interior
da terra indígena, que deverá se
adequar a regras estabelecidas
pelo Instituto Chico Mendes,
vinculado ao Ministério do
Meio Ambiente.
Os ministros também afirmaram que o usufruto da terra
pelos índios não abrange os seguintes pontos: a exploração de
recursos hídricos e potenciais
energéticos -"que dependerá
sempre da autorização do Congresso"- e a garimpagem.
Adversário da demarcação
contínua, o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior
(PSDB), disse que as condições
propostas pelos ministros são
um avanço, pois abrem a possibilidade de o Estado investir
em projetos na área com autorização do Congresso.
O uso da terra pelos índios
também fica condicionado ao
"interesse da Política de Defesa
Nacional". "A instalação de bases, unidades e postos militares
e demais intervenções militares, a expansão estratégica da
malha viária, a exploração de
alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo
das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa,
Conselho de Defesa Nacional)
serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai", afirmou Direito.
Ele também deixou claro que
a atuação das Forças Armadas
e da Polícia Federal na área fica
garantida independentemente
de consulta aos índios.
O voto de Direito foi acompanhado por Cármen Lúcia,
Ricardo Lewandowski, Eros
Grau, Cezar Peluso e Ellen
Gracie. O próprio Ayres Britto
mudou o seu voto e acompanhou as ressalvas explicitadas
por Direito. O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, seguiu o voto inicial do relator.
Durante o julgamento, quando grande parte dos ministros
já havia se manifestado a favor
da manutenção da área contínua, Ayres Britto propôs cassar
uma liminar concedida em
abril pelo próprio STF, que
suspendeu a operação da Polícia Federal de retirada dos arrozeiros da reserva indígena.
Seis ministros acataram a
idéia do relator, mas Marco Aurélio novamente pediu vista e
acabou se desentendendo com
Britto. O relator afirmou que já
havia maioria para cassar a decisão e que o pedido de vista do
colega não teria efeito.
Marco Aurélio rebateu: "Eu
pergunto se o plenário ainda é
um colegiado? Seria o caso de
cassar o pedido de vista? Vossa
excelência chega a esse ponto,
a essa teratologia [estudo de
monstruosidades]?".
Britto respondeu que não seria certo pedir vista em questão
liminar, ao afirmar que a antecipação já era "irreversível".
Ele recebeu o apoio do ministro Lewandowski. O presidente
Gilmar Mendes, porém, aceitou o pedido de vista de Marco
Aurélio Mello e afirmou que a
liminar só será derrubada com
o pronunciamento final do Supremo. Se a liminar fosse cassada ontem, os arrozeiros deveriam sair agora da região.
Os ministros também afirmaram que a expulsão de não-índios só vale para aqueles que
de alguma forma exploram a
região ou mantêm conflitos
com a população indígena. Ou
seja, somente os arrozeiros serão retirados da reserva.
Em tese, os ministros poderão voltar atrás, a depender dos
argumentos do voto-vista de
Marco Aurélio, que abertamente se opõe à forma contínua de demarcação e faz críticas ao "aculturamento" dos indígenas lá presentes.
Tal hipótese, no entanto, tem
pouca probabilidade de se concretizar, já que a maioria dos
ministros decidiu não esperar
pelo voto do colega e adiantou
sua posição. Os únicos que não
votaram, além de Marco Aurélio, foram Celso de Mello e Gilmar Mendes, os dois que votariam depois do colega.
Apesar de criar ressalvas, os
ministros afirmaram que não
existiram vícios legais no processo demarcatório da reserva
e defenderam o "usufruto exclusivo" das terras pelos índios.
Também rechaçaram os argumentos de que sua localização
-fronteira do Brasil com Venezuela e Guiana- colocaria
em risco a soberania nacional.
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