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São Paulo, quarta-feira, 12 de fevereiro de 2003

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AJUSTE PETISTA

Setor supostamente poupado respondeu por 36% do aperto total

Lula impõe corte de R$ 5 bi a ministérios da área social

GUSTAVO PATÚ
SÍLVIA MUGNATTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os ministérios mais ligados às políticas sociais não escaparam do bloqueio de gastos promovido pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para elevar o pagamento de juros e deter a escalada da dívida pública.
Segundo o detalhamento finalmente divulgado pela equipe econômica, a área social -Segurança Alimentar, Educação, Previdência, Saúde, Trabalho, Desenvolvimento Agrário, Cidades e Assistência e Promoção Social- perderá exatos R$ 5,038 bilhões em relação ao Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional.
O valor equivale a 36% do corte total de R$ 14,1 bilhões aplicado sobre a parcela das despesas públicas sobre a qual os ministros têm poder de decisão, que, após a tesourada, caiu de R$ 62 bilhões para R$ 47,9 bilhões.
Mesmo após a divulgação dos números, o governo Lula ainda sustenta a afirmação dos últimos dias, segundo a qual a área social foi preservada, tarefa reforçada ontem pelos ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Guido Mantega. Aos argumentos:
1) os gastos sociais "prioritários", caso do projeto Fome Zero e do programa Bolsa-Escola, não sofreram perdas. "A maioria esmagadora dos programas foi mantida", disse Mantega, ao tentar justificar os cortes.
2) boa parte do bloqueio nos ministérios sociais atingirá despesas da máquina administrativa, e não projetos que beneficiam diretamente a população.
É preciso aguardar um detalhamento dos orçamentos de cada pasta para avaliar essa tese. No entanto, é improvável que cortes como o de R$ 1,6 bilhão imposto à Saúde atinjam apenas atividades burocráticas;
3) não se deve falar em cortes, e sim em contingenciamento, uma vez que os programas afetados podem ser retomados se houver receitas imprevistas ou ganhos de eficiência na gestão dos recursos.

Piora
Há ainda uma discussão algo bizantina, para a qual o governo acabou contribuindo, em torno do que sejam ou não os gastos sociais. Guido Mantega, por exemplo, citou entre eles os da Ciência e Tecnologia. "Todas as ações do governo podem ser consideradas sociais", acabou emendando o ministro.
O fato é que, diante da necessidade de separar cada vez mais dinheiro para o pagamento de juros da dívida, o governo não tem tido alternativa além de piorar, segundo seus próprios parâmetros, a qualidade do Orçamento.
Compromissos que não figuram entre as prioridades, como pessoal e benefícios da Previdência, crescem independentemente da vontade dos ministros e consomem mais de 85% da receita federal de R$ 358 bilhões.
Resta achatar a parcela de despesas que compõe qualquer programa político: as obras, os investimentos e as ações sociais. Não por acaso, ministérios como Cidades, Integração Nacional e Transportes estão entre os mais atingidos.
Ao menos, Palocci disse que neste ano não será mais repetido o expediente de elevar ou criar novos impostos, no qual se basearam os ajustes feitos durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
No final do ano passado, porém, após o desfecho das eleições, o PT teve de impedir a queda da alíquota mais alta do Imposto de Renda da Pessoa Física, que passaria neste ano de 27,5% para 25%. O partido também apoiou a manutenção da alíquota da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) em 9% -estava prevista a redução para 8%.
A impossibilidade de abrir mão de receitas torna um quebra-cabeça a proposta de uma reforma tributária que beneficie o setor produtivo, uma das bandeiras do governo Lula cujo futuro permanece incerto.

Mais cortes?
Mantega lançou o que pretende ser um programa destinado a elevar a eficiência do que os técnicos chamam de gastos de custeio -aqueles que vão da conta de telefone até os serviços de informática contratados.
Acredita-se que, combatendo o desperdício, revisando contratos e criando indicadores para o desempenho dos gestores, seja possível atenuar os efeitos da penúria orçamentária.
Não há por que, porém, esperar resultados salvadores das medidas. Ações como essa, ainda que louváveis, produzem ganhos de médio ou longo prazo. E todo o custeio federal não chega a R$ 14 bilhões anuais.
No curto prazo, o que os dados divulgados indicam é um cenário econômico pessimista. A projeção oficial para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) caiu de 3% para 2,8% neste ano -e o mercado trabalha com uma taxa média de apenas 2%.
Menor crescimento significa arrecadação de impostos menor, o que ajuda a explicar a cautela das equipes da Fazenda e do Planejamento. Além do corte (ou contingenciamento) já anunciado, há mais R$ 700 milhões em despesas que dependem de autorização da área econômica.
Outro risco é a política do Banco Central, que ainda não conseguiu convencer os investidores da viabilidade da meta de 8,5% para a inflação de 2003. Segundo levantamento do próprio BC, na semana passada os bancos elevaram de 11,44% para 11,84% suas projeções para o IPCA.
Essa situação faz crescer a possibilidade de um novo aumento de juros neste mês, o que elevará a dívida pública. Enquanto os juros não iniciarem a queda mais uma vez mencionada ontem por Palocci e Mantega, há possibilidade de mais cortes de gastos.


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