São Paulo, domingo, 12 de março de 2000


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CELSO PINTO
O trunfo do caixa da Petrobras

O governo tem uma boa razão para não aumentar a gasolina até julho, a despeito do salto nos preços internacionais do petróleo. O aumento já concedido pode engordar o caixa da Petrobras em R$ 2 bilhões, e o governo espera que a empresa não gaste a maior parte deste extra.
Existiria, portanto, alguma margem de manobra para esperar. O caixa maior da Petrobras compensaria parte da frustração fiscal com a conta-petróleo menor.
Com o preço do barril de petróleo a US$ 19,95, a média do ano passado, o governo estimava que a Petrobras geraria R$ 2 bilhões em caixa este ano. Com o preço externo bem mais alto, mas o interno também, estima-se que o caixa da Petrobras pode engordar para R$ 4 bilhões.
A Petrobras gostaria, é claro, de gastar o extra. Deverá ser autorizada a investir R$ 700 milhões a mais neste ano. Mesmo assim, a sobra poderia cobrir boa parte do buraco na conta-petróleo.
A estimativa do governo é que, com o reajuste dos derivados já autorizado, a conta-petróleo poderia gerar um saldo positivo de R$ 1,7 bilhão este ano. Isso, se o preço médio do barril do petróleo importado ficar em US$ 24,442, a um câmbio médio de R$ 1,85. O preço do barril tem oscilado acima de US$ 30. Em compensação, o dólar está cotado a R$ 1,74.
O fato é que o R$ 1,7 bilhão seria pouco menos da metade do que o Orçamento da União prevê como receita da conta-petróleo neste ano, R$ 3,5 bilhões. O caixa extra da Petrobras ajudaria a cobrir "de 60% a 70%" dessa diferença, segundo uma fonte do governo.
A Petrobras produz, internamente, dois terços do que vende. O preço mais alto externo, portanto, afeta apenas um terço do seu petróleo. Em compensação, reajustes dos derivados acabam engordando o caixa pela receita gerada pelos dois terços produzidos internamente, a um custo muito menor do que o externo.
A conta-petróleo é um acerto contábil entre o Tesouro e a Petrobras, que usa alguns parâmetros para fixar um preço de referência para o petróleo. Se o preço interno é maior, existe um saldo na conta petróleo, como deverá ser o caso este ano. Se a situação for oposta, o Tesouro cobre a diferença em favor da Petrobras.
O caixa extra da Petrobras só poderá ajudar as contas públicas graças ao maior controle sobre a empresa, via Conselho de Administração. E a um esforço de contenção da própria Petrobras. Por exemplo: os gastos nominais com pessoal da Petrobras, neste ano, serão menores do que os de 98, apesar da inflação acumulada.
Se a Petrobras gera mais caixa e não gasta, melhora o resultado primário (receitas menos despesas, exceto juros) das estatais, que é parte do resultado do setor público. Portanto, o que se perde na conta-petróleo, no Tesouro, acaba compensado na conta primária das estatais. "É uma maneira legítima de o governo redirecionar o resultado primário", comenta o ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente.
O governo aposta que as pressões americanas poderão reverter a alta do petróleo. A reunião da Opep, dia 27, será decisiva.
Parente, de todo modo, argumenta que a questão do petróleo para o Brasil, hoje, "é fiscal e inflacionária, não de balanço de pagamentos, como foi na crise do petróleo dos anos 70". De fato, em 80, o petróleo representava 40% das importações. Hoje, mesmo dobrando o preço em 99, representa menos de 10% das importações.
Se, pelo lado fiscal, a alta do petróleo exigir aumento nos preços, isso poderá ter um impacto inflacionário. O governo está decidido, contudo, a impedir aumentos seguidos dos derivados, diz Parente, para não comprometer a melhora na expectativa inflacionária. Acha que, por enquanto, pode fazer isso sem comprometer a conta fiscal.
Mais: Parente acha que, neste quadro, a perspectiva continua sendo de juros descendentes neste ano. O petróleo e as incertezas americanas são dois motivos alegados pelo Banco Central para manter os juros em 19%, nível vigente desde setembro.
Há quem argumente no mercado, contudo, que a melhora nas condições gerais, desde setembro, justificaria uma nova rodada de baixa. Em 22 de setembro, quando os juros caíram para 19%, os juros futuros para um ano estavam em 25%. Hoje estão em 19,6% (considerados os dias úteis), ou seja, são praticamente idênticos aos juros overnight e estão nos níveis mais baixos do Plano Real. Como a maior parte da dívida federal é indexada ao juro diário, o governo pouco se beneficiou dessa baixa expressiva nos juros anuais.
Em setembro, o prêmio de risco do título da dívida brasileira (C-Bond) era de 9,64 pontos percentuais; hoje caiu para 6,18. O dólar estava a R$ 1,88; hoje está em R$ 1,74. A Bolsa estava em 11 mil pontos; hoje supera 18 mil. A expectativa era inflação em alta e havia incerteza fiscal; hoje a inflação está em baixa e os resultados fiscais superaram as metas do FMI. Esperar melhores notícias para baixar os juros é excesso de ortodoxia, argumenta Rubens Sardenberg, economista-chefe do banco ABN-Amro.


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