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ELIO GASPARI
Cezar Schirmer, matador de mensaleiro
Cezar Schirmer e João
Paulo Cunha são da mesma
geração. Um tem 54 anos. O outro, 48. Chegaram à idade adulta
batalhando contra a ditadura.
Cezar, formado em direito, militava no MDB gaúcho. João Paulo, operário da Braseixos, formou-se no PT de Osasco. Em 20
anos, a confiança do povo lhes
deu 13 mandatos. Um ocupou
três secretarias no governo gaúcho, inclusive a da Fazenda. O
outro chegou à presidência da
Câmara. A moralidade pública
fez com que suas biografias se
cruzassem. Para infortúnio de
João Paulo Cunha, coube a
Schirmer relatar o seu processo
na Conselho de Ética da Câmara
dos Deputados. Muita gente
nunca tinha ouvido falar em
Schirmer. Ainda bem que esse
parlamentar aplicado, discreto e
devastador saiu da sombra.
Numa época em que roubalheiras, propinas e acordões detonaram o prestígio dos políticos
e da Câmara, as 168 páginas do
relatório de Schirmer pedindo a
cassação de João Paulo Cunha
mostram que o Parlamento brasileiro pode viver sem os 300
picaretas de Lula. O deputado
gaúcho confirmou que, seja qual
for a crise, sua solução está no
Congresso.
Faz tempo que não se via uma
peça tão bem fundamentada.
(Salvo pelas agressões ao idioma,
ao usar o verbo "protocolizar".)
Schirmer desmonta as patranhas
contadas por João Paulo Cunha,
indicando o propósito de cada
falsidade. Vai à história das vi-
sitas de sua mulher ao Banco
Rural, às notas fiscais de forne-
cedores da Câmara com datas
diferentes e numeração sucessiva. Sustenta que, de todos os processos analisados pelo Conselho
de Ética, o de João Paulo Cunha
é aquele onde a materialidade
das malfeitorias "é a mais indiscutível, incontroversa, incontestável e indubitavelmente comprovada".
João Paulo Cunha tomou café
com Marcos Valério em um dia.
No outro, sua mulher sacou
R$ 50 mil no Banco Rural. (Chez
Cunha a Viúva pagava os salários de uma nutricionista e duas
cozinheiras.) Schirmer mostra
como a história do saque foi embaralhada com pelo menos dez
mentiras.
Demonstra que João Paulo recebeu o dinheiro sabendo que ele
vinha de Marcos Valério. Jamais
houve acerto de contas entre o
deputado e as arcas Delúbias. Os
R$ 50 mil "foram recebidos e utilizados na mais absoluta clandestinidade".
João Paulo viciou licitações e
usou a cadeira de presidente da
Câmara para alavancar um projeto pessoal mordomesco e megalomaníaco. Tentou emendar a
Constituição para reeleger-se.
A danação da base parlamentar da trindade Lula-Dirceu-
Delúbio agravou-se quando o
presidente da Câmara tornou-
se o queridinho dos colegas que
viriam a se tornar famosos pelas
suas conexões com o Banco
Rural.
O deputado tornou-se o re-
presentante de um modo petista
de governar e de formar maiorias parlamentares. Basta lembrar que, diante das primeiras
referências ao "mensalão", foi
mais eficaz na tentativa de processar quem falava no assunto
do que em contar o que significava a palavra.
Dentro de algumas semanas, o
plenário da Câmara deverá decidir o futuro político de João Paulo Cunha. Felizmente, os deputados poderão deliberar com base
num relatório que merece respeito e leitura. É devastador, mas
quem saiu por aí devastando
não foi Schirmer, foi João Paulo
Cunha.
José Alencar, talento de ficcionista
Quando o general Francisco
Albuquerque subiu a escada do
vôo da TAM que manobrou pelo
pátio de Viracopos para recolhê-lo, sabia o que estava fazendo.
Quando foi vaiado pelos passageiros, viu que as conseqüências
vêm depois das causas.
São coisas da vida.
Mais perigoso para a segurança de um país e para a moralidade de um governo é saber-se
que o ministro da Defesa, José
Alencar, informou o seguinte ao
presidente da República, na segunda-feira:
- Albuquerque chegou ao aeroporto 51 minutos antes da hora
do embarque.
Erro. O general, acompanhado
pelo sargento que foi despachar
sua bagagem, chegou ao aeroporto às 17h10, 20 minutos antes
da hora prevista para a decolagem.
- Alencar disse que a bagagem
do general foi etiquetada, e ele
recebeu um cartão de embarque.
Falso. O general só recebeu cartão de embarque depois que um
casal se autodefenestrou.
Um ministro da Defesa que dá
informações dessa qualidade ao
presidente é uma ameaça à segurança pública.
Recordar é viver, doutor Alencar deveria passear pela história.
Cairia numa cena dos anos 60,
quando Allen Dulles, monumento da elite americana e fundador
da CIA, participava da investigação do assassinato do presidente John Kennedy. Um colega
perguntou-lhe o que faria se
comprovasse o envolvimento dos
russos no atentado. Dulles teria
respondido: "Eu seria capaz de
mentir até para o Congresso. Só
diria a verdade ao presidente dos
Estados Unidos".
Em outra ponta de Washington, um curioso estava numa fila
de estacionamento do aeroporto.
Prestou atenção num idoso, logo
atrás.
Calvo, tinha óculos redondos e
queixo grande. Parecia familiar.
Quando caiu a ficha, o sujeito teve um surto de constrangimento.
Estava na frente do general
Omar Bradley, comandante das
tropas americanas que desembarcaram na Normandia e libertaram Paris. Ao fim da guerra,
Bradley tinha 1,3 milhão de homens sob suas ordens. O peso de
suas vitórias alterou a rotina de
um avião. No dia 14 de abril de
1981, o Air Force One, que serve
ao presidente dos Estados Unidos, foi a Nova York buscar seu
esquife, para sepultá-lo em Washington.
Museus demais
Depois do roubo dos mapas
do Itamaraty, das fotografias
da Biblioteca Nacional, dos
quadros da Fundação Castro
Maya e das peças do museu da
Cidade, o ministro da Cultura,
Gilberto Gil, poderia chamar
as companhias de seguro para
conversar.
Ter Cezanne na parede,
Marc Ferrez na prateleira e
mapas de João Teixeira Albernaz nos gavetões não é para
quem quer é para quem pode.
No Itamaraty, algumas raridades, depois de restauradas,
não voltaram ao cofre porque
nele havia bichos. A chave da
mapoteca já sumira três vezes.
Se as seguradoras entrarem
na discussão do patrimônio
histórico nacional, os responsáveis pelos acervos assumirão
publicamente os riscos a que
estão submetidas as peças que
lhes são confiadas. Só a crueza
das seguradoras poderá informar quanto custa (em dinheiro e em equipamento) a proteção de um acervo cultural. Desde os anos 90 sabe-se que obras
de arte roubadas são aceitas
como colateral em grandes tratos do tráfico de drogas. (No
caixa dois da arte mundial há
uns 300 Picassos e 200 Chagalls.)
A burocracia faz milagres.
No eixo Rio-Niterói-Petrópolis,
há mais museus que em Roma
(108 x 104). Falta segurança,
mas abundam diretores que
cuidam de acervos cada vez
menores, sempre atribuindo as
desgraças presentes às administrações passadas.
Se um museu não consegue
receber 5.000 pessoas por mês
(250 por dia) e não faz esforços
para atrair visitantes, ele serve
somente à burocracia que o habita. Se uma cidade não tem
dinheiro para sustentar e proteger 108 museus, só há um jeito: fechar instituições redundantes e fundir acervos. No eixo Nova York-Washington, os
museus são menos de cem.
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