São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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ELIO GASPARI

Cezar Schirmer, matador de mensaleiro

Cezar Schirmer e João Paulo Cunha são da mesma geração. Um tem 54 anos. O outro, 48. Chegaram à idade adulta batalhando contra a ditadura. Cezar, formado em direito, militava no MDB gaúcho. João Paulo, operário da Braseixos, formou-se no PT de Osasco. Em 20 anos, a confiança do povo lhes deu 13 mandatos. Um ocupou três secretarias no governo gaúcho, inclusive a da Fazenda. O outro chegou à presidência da Câmara. A moralidade pública fez com que suas biografias se cruzassem. Para infortúnio de João Paulo Cunha, coube a Schirmer relatar o seu processo na Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Muita gente nunca tinha ouvido falar em Schirmer. Ainda bem que esse parlamentar aplicado, discreto e devastador saiu da sombra.
Numa época em que roubalheiras, propinas e acordões detonaram o prestígio dos políticos e da Câmara, as 168 páginas do relatório de Schirmer pedindo a cassação de João Paulo Cunha mostram que o Parlamento brasileiro pode viver sem os 300 picaretas de Lula. O deputado gaúcho confirmou que, seja qual for a crise, sua solução está no Congresso.
Faz tempo que não se via uma peça tão bem fundamentada. (Salvo pelas agressões ao idioma, ao usar o verbo "protocolizar".) Schirmer desmonta as patranhas contadas por João Paulo Cunha, indicando o propósito de cada falsidade. Vai à história das vi- sitas de sua mulher ao Banco Rural, às notas fiscais de forne- cedores da Câmara com datas diferentes e numeração sucessiva. Sustenta que, de todos os processos analisados pelo Conselho de Ética, o de João Paulo Cunha é aquele onde a materialidade das malfeitorias "é a mais indiscutível, incontroversa, incontestável e indubitavelmente comprovada".
João Paulo Cunha tomou café com Marcos Valério em um dia. No outro, sua mulher sacou R$ 50 mil no Banco Rural. (Chez Cunha a Viúva pagava os salários de uma nutricionista e duas cozinheiras.) Schirmer mostra como a história do saque foi embaralhada com pelo menos dez mentiras.
Demonstra que João Paulo recebeu o dinheiro sabendo que ele vinha de Marcos Valério. Jamais houve acerto de contas entre o deputado e as arcas Delúbias. Os R$ 50 mil "foram recebidos e utilizados na mais absoluta clandestinidade".
João Paulo viciou licitações e usou a cadeira de presidente da Câmara para alavancar um projeto pessoal mordomesco e megalomaníaco. Tentou emendar a Constituição para reeleger-se.
A danação da base parlamentar da trindade Lula-Dirceu- Delúbio agravou-se quando o presidente da Câmara tornou- se o queridinho dos colegas que viriam a se tornar famosos pelas suas conexões com o Banco Rural.
O deputado tornou-se o re- presentante de um modo petista de governar e de formar maiorias parlamentares. Basta lembrar que, diante das primeiras referências ao "mensalão", foi mais eficaz na tentativa de processar quem falava no assunto do que em contar o que significava a palavra.
Dentro de algumas semanas, o plenário da Câmara deverá decidir o futuro político de João Paulo Cunha. Felizmente, os deputados poderão deliberar com base num relatório que merece respeito e leitura. É devastador, mas quem saiu por aí devastando não foi Schirmer, foi João Paulo Cunha.

José Alencar, talento de ficcionista

Quando o general Francisco Albuquerque subiu a escada do vôo da TAM que manobrou pelo pátio de Viracopos para recolhê-lo, sabia o que estava fazendo. Quando foi vaiado pelos passageiros, viu que as conseqüências vêm depois das causas.
São coisas da vida.
Mais perigoso para a segurança de um país e para a moralidade de um governo é saber-se que o ministro da Defesa, José Alencar, informou o seguinte ao presidente da República, na segunda-feira:
- Albuquerque chegou ao aeroporto 51 minutos antes da hora do embarque.
Erro. O general, acompanhado pelo sargento que foi despachar sua bagagem, chegou ao aeroporto às 17h10, 20 minutos antes da hora prevista para a decolagem.
- Alencar disse que a bagagem do general foi etiquetada, e ele recebeu um cartão de embarque.
Falso. O general só recebeu cartão de embarque depois que um casal se autodefenestrou.
Um ministro da Defesa que dá informações dessa qualidade ao presidente é uma ameaça à segurança pública.
Recordar é viver, doutor Alencar deveria passear pela história. Cairia numa cena dos anos 60, quando Allen Dulles, monumento da elite americana e fundador da CIA, participava da investigação do assassinato do presidente John Kennedy. Um colega perguntou-lhe o que faria se comprovasse o envolvimento dos russos no atentado. Dulles teria respondido: "Eu seria capaz de mentir até para o Congresso. Só diria a verdade ao presidente dos Estados Unidos".
Em outra ponta de Washington, um curioso estava numa fila de estacionamento do aeroporto. Prestou atenção num idoso, logo atrás.
Calvo, tinha óculos redondos e queixo grande. Parecia familiar. Quando caiu a ficha, o sujeito teve um surto de constrangimento. Estava na frente do general Omar Bradley, comandante das tropas americanas que desembarcaram na Normandia e libertaram Paris. Ao fim da guerra, Bradley tinha 1,3 milhão de homens sob suas ordens. O peso de suas vitórias alterou a rotina de um avião. No dia 14 de abril de 1981, o Air Force One, que serve ao presidente dos Estados Unidos, foi a Nova York buscar seu esquife, para sepultá-lo em Washington.

Museus demais

Depois do roubo dos mapas do Itamaraty, das fotografias da Biblioteca Nacional, dos quadros da Fundação Castro Maya e das peças do museu da Cidade, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, poderia chamar as companhias de seguro para conversar.
Ter Cezanne na parede, Marc Ferrez na prateleira e mapas de João Teixeira Albernaz nos gavetões não é para quem quer é para quem pode.
No Itamaraty, algumas raridades, depois de restauradas, não voltaram ao cofre porque nele havia bichos. A chave da mapoteca já sumira três vezes.
Se as seguradoras entrarem na discussão do patrimônio histórico nacional, os responsáveis pelos acervos assumirão publicamente os riscos a que estão submetidas as peças que lhes são confiadas. Só a crueza das seguradoras poderá informar quanto custa (em dinheiro e em equipamento) a proteção de um acervo cultural. Desde os anos 90 sabe-se que obras de arte roubadas são aceitas como colateral em grandes tratos do tráfico de drogas. (No caixa dois da arte mundial há uns 300 Picassos e 200 Chagalls.)
A burocracia faz milagres. No eixo Rio-Niterói-Petrópolis, há mais museus que em Roma (108 x 104). Falta segurança, mas abundam diretores que cuidam de acervos cada vez menores, sempre atribuindo as desgraças presentes às administrações passadas.
Se um museu não consegue receber 5.000 pessoas por mês (250 por dia) e não faz esforços para atrair visitantes, ele serve somente à burocracia que o habita. Se uma cidade não tem dinheiro para sustentar e proteger 108 museus, só há um jeito: fechar instituições redundantes e fundir acervos. No eixo Nova York-Washington, os museus são menos de cem.


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