São Paulo, domingo, 12 de abril de 1998

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ELIO GASPARI

Um sucesso fácil, barato e eficaz

Quando o ministro Luiz Carlos Bresser Pereira assumiu o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, descobriu que os dados estatísticos relacionados ao funcionalismo estavam espalhados pelas redes de computadores do governo como agulhas em palheiros.
Pois agora ele produz regularmente um dos melhores exemplos de competência, sinceridade e frugalismo da administração federal. É o Boletim Estatístico de Pessoal, publicado mensalmente pelo seu ministério. Impresso em papel de segunda, não tem capa dura nem gráficos coloridos. Custa uma miséria e vale uma fortuna.
O boletim de fevereiro informa que o governo da União tem 530 mil funcionários, contra 712 mil em 1989. Há quatro vezes menos analfabetos no serviço público (1,1%) do que na iniciativa privada (4,6%) e quatro vezes mais servidores com nível superior completo (44%) do que nas atividades particulares (11,7%). O serviço público só paga melhor que o privado nas atividades mais baratas, com salários médios de R$ 637, contra R$ 437. No topo, onde estão os cargos executivos, o governo paga em média R$ 6.069, e o mercado, R$ 7.080.
A Presidência da República (noves fora o gabinete do vice e o Estado-Maior das Forças Armadas) continua expandindo suas despesas com pessoal. Gastou 14% a mais nos últimos 12 meses, enquanto o Ministério da Cultura gastou 0,3% a menos.
O ministério do professor Weffort gastou 5,1% a mais com o pessoal da administração direta e 1,4% a menos com a Casa de Rui Barbosa.
Incêndio em Roraima? O ministro Gustavo Krause gastou 52,2% a mais com o pessoal da administração direta e menos 0,7% com o do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Alguns números confirmam distorções conhecidas, mas nunca é demais relembrá-las. A remuneração média dos servidores ativos do Poder Judiciário é de R$ 2.679. Quando eles param de trabalhar, faturam R$ 3.947. Os funcionários públicos se aposentam com salários integrais, em média, aos 56 anos. Por causa disso o governo quer tungar a aposentadoria por tempo de serviço dos trabalhadores do INSS que, na média, aposentam-se com menos de R$ 200,00.
Há mais mulheres do que homens em 12 das 43 carreiras da burocracia. Para felicidade geral, depois de ser extinta a censura, agora está extinta também a carreira de censor. Dos 87 funcionários da tesoura, 57 eram mulheres. O bloco feminino mais significativo é o das técnicas de orçamento, finanças e controle, no qual são 51% num universo de 1.617. Falta pouco para que elas façam maioria na carreira de advogado.

Portanova, de novo
Dias antes de deixar o Ministério da Previdência, o deputado Reinhold Stephanes contestou, por carta, as críticas que lhe fez aqui o advogado gaúcho Raul Portanova.
Portanova sustenta que o governo está iludindo a população quando associa a expectativa de vida do brasileiro (68 anos) ao tempo médio de vida dos segurados do INSS. Ele diz que uma pesquisa feita em 1962, pelo falecido Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, verificou que seus segurados morriam, em média, aos 52 anos. O advogado procurou refazer as contas no microuniverso de Porto Alegre e disso resultou que, em agosto de 1990, os segurados morriam, em média, aos 56 anos. Em janeiro de 1991, aos 57. Pediu ao ministro que, com os números dos computadores do Dataprev, informasse qual a idade média com que os segurados morrem hoje.
Stephanes considerou "absurda", "distorcida" e "sem fundamento técnico" a informação segundo a qual em 1990 a "expectativa de vida" era de 56 anos. Listou quatro fontes e uma delas, o IBGE, informa que o brasileiro nasce com 64,5 anos de vida esperada. Se chega aos 55, tende a viver até os 74.
Portanova responde: "Quem está falando em expectativa de vida é o ministro".
O advogado fala de vida média dos segurados e seu argumento é que os segurados do INSS morrem, em média, antes dos 60 anos. Como se baseia numa pesquisa velha e numa amostra recente, porém pequena, propõe que se faça, com os computadores da Dataprev, a mesma pesquisa que o Iapi fez em 1960.
Pode parecer estranho que a idade média dos segurados fique tão abaixo da expectativa de vida dos brasileiros em geral, mas, enquanto não aparecerem os números da Dataprev, a bola fica no campo do Ministério da Previdência, agora com novo gerente.

Foi o mordomo
Por mais que o professor Edward Amadeo tenha saído da PUC do Rio e mesmo levando-se em conta que ele foi colega do economista Gustavo Franco na banda de rock Circo dos Horrores, não se deve atribuir sua ida para o Ministério do Trabalho à ekipekônomica. Ela faz parte da biografia de seu antecessor, Paulo Paiva, atual ministro do Planejamento.
Paiva trabalhou bem e rápido. Isso não impede que a ekipe venha a melhorar as condições de empregabilidade de Amadeo, como fez o PFL quando adotou o professor Pedro Malan.
Tantan Caiapó
Mensagem do cacique Megaron, que levou o pajé Kucrit a Roraima para chamar chuva, ao Grande chefe Branco:
Faltam medicamentos na aldeia caiapó de Colíder, em Mato Grosso. Para que a enfermaria fique tinindo, seriam necessários uns cem remédios e instrumentos, como um estetoscópio e 7.000 seringas. Coisa por volta de uns R$ 10 mil.
Não é sangria desatada. Não morreu ninguém por falta de remédio, mas que faltam, faltam.

A trajetória do professor Drawde Oedama

São raros os casos de metamorfose política semelhantes ao do novo ministro do Trabalho, professor Edward Amadeo. Em julho de 1994, ele informou que participava da equipe de planejadores do plano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva porque "uma hora tem que se vestir a camisa". Na semana passada, de terno, assinou o termo de posse, no Palácio da Alvorada. Em 1994, durante a campanha eleitoral, ele dizia o seguinte:
- Estamos dispostos a entrar no vermelho e tornar a economia brasileira viciada na entrada de capitais como Argentina e México? A que taxa de juros? E se mudam os ventos no mercado internacional?
Na posse, disse assim:
- Visto com os olhos de quatro anos atrás, o futuro de mais prosperidade e equidade já se concretizou. Como tive oportunidade de dizer em outras ocasiões, associado ao processo de estabilização, houve crescimento do emprego e da renda.
Em 1994, Amadeo via as coisas de maneira diversa:
- Terá havido ganho salarial para os pobres com a adoção do plano? (...) Há perdas e não ganhos para os pobres.
A crítica do professor ao Real tinha duas molas. Numa, não acreditava que aquilo fosse dar certo. Noutra, não via virtude na política de senta-levanta, calibrando-se o desempenho da economia por meio da taxa de juros. São coisas diversas. Numa estava errado (e com ele muita gente, inclusive o signatário). Na outra, a questão persiste, mas ele já a abandonou. O processo intelectual que orientou esse percurso deve ter sido criativo, mas por enquanto está inédito.
Como Amadeo foi nomeado ministro do Trabalho, importam mais suas opiniões sobre os assuntos de que vai tratar. Elas também soam mutantes.
Em setembro de 1994, quando FFHH já tinha o dobro das preferências de Lula, sugeria:
- Face à deterioração do quadro distributivo, recomendaria que o próximo presidente lançasse um programa social de emergência, a fim de resgatar a dignidade vital dos brasileiros pobres.
No seu discurso de posse informou:
- Não há crise do emprego. Há tendências preocupantes com as quais temos que lidar rapidamente. Este diagnóstico não reduz em nada a minha compaixão e solidariedade com o chefe de família desempregado ou o jovem sem esperanças. Estou seguro, pelo que conheço das preocupações e o sentimento de nosso presidente e dona Ruth, que este é também o seu sentimento.
O que era uma questão de dignidade vital se transformou num sentimento de compaixão e solidariedade de três almas bondosas.
O ministro tomou posse prometendo lutar "para aumentar a empregabilidade do trabalhador brasileiro". É um neologismo a serviço de um truque. O conceito de "empregabilidade" repassa o desemprego para quem o sofre. O sujeito não está na rua porque a sua empresa perdeu negócios, mas porque lhe faltaram as condições de "empregabilidade" em outra.
Acaba dando no seguinte: um jovem que se formou em engenharia e toma conta de uma pastelaria preencheu os requisitos de empregabilidade no comércio, assim como Amadeo preencheu os requisitos de empregabilidade no ministério.

Maconha, psicanálise e surf

Depois de 23 anos de prateleira, está nas livrarias "Nobres & Anjos - Um Estudo de Tóxico e Hierarquia", do professor Gilberto Velho. É um magnífico estudo de antropologia, história de personagens com alma e sem nome. Ficou tanto tempo na prateleira porque o autor assim decidiu. Tratando-se do estudo de dois grupos de consumidores de tóxicos (muita maconha, algum LSD e, mais tarde, cocaína), Velho relutou em publicar sua tese de doutorado de 1975, para não molestar a vida ou as lembranças das pessoas cuja conduta pesquisou.
O primeiro grupo tem 25 pessoas. Estavam a caminho dos 30 anos, eram amigos e, em certos casos, parentes. Viviam no andar de cima da zona sul do Rio. O segundo, sem número fixo, é uma garotada que tinha alguma relação com a turma anterior e gravitava em torno de uma lanchonete.
Velho conta a vida dos dois grupos. Sobretudo quando trata da primeira turma, lida com as emoções dos entrevistados e associa de tal forma o rigor do cientista social a uma elegância de estilo que o leitor poderá até duvidar de que esteja lendo uma tese de doutorado.
Como a pesquisa foi feita nos anos 70, quando o consumo de maconha fazia parte dos hábitos alimentares da classe média alta do Rio, "Nobres & Anjos" acaba sendo o retrato de uma cultura que foi da maconha com psicanálise para maconha com surf. A ficção ainda não produziu retrato igual. Ainda bem, porque, mesmo com personagens tão interessantes, seria muito difícil que chegasse a um final feliz.

Entrevista

Walter Salles


(41 anos, diretor do filme "Central do Brasil", Urso de Ouro em Berlim, já visto por 150 mil pessoas)
Como é que o senhor e Fernanda Montenegro conseguiram construir a personagem de Dora, uma vigarista fenomenal, capaz de provocar, ao longo de todo o filme, uma sensação de afeto associada à desconfiança?
Dora optou pela malandragem como forma de sobrevivência. Num primeiro momento ela não se sente culpada pelo que faz, até porque já atravessou a linha da ética há muito tempo. A determinação do menino Josué (Vinicius de Oliveira) de reencontrar o pai é que muda isso. Sua obstinação leva Dora a reconsiderar sua própria capacidade de agir. Essa personagem é obra da sensibilidade da Fernanda. Ela a construiu. No início do filme, Dora é dura, hierática. A partir de um certo momento, começa a tocar as pessoas. Toca o menino. Toca o caminhoneiro. Ela se humaniza com toques e gestos, antes mesmo de se humanizar com as palavras.
O senhor não acha que, se a Dora existisse, ela hoje estaria de novo enganando analfabetos na Central?
De maneira alguma. Ninguém da equipe acha isso. Pensar que ela voltaria ao ponto de partida equivale a dizer que nada muda nem pode mudar. O filme mostra que a mudança é possível e necessária. "Central do Brasil" é uma obra que busca um país com solidariedade e afeto, como Josué busca o pai. Dora pede à amiga que venda tudo o que tem, avisa que não vai voltar para o Rio e diz: "Já errei muito". Quando a sessão acaba, Dora acredita em coisas nas quais tinha deixado de acreditar. Essa mudança é o próprio filme.
Quando o senhor percebeu que tinha feito um excelente filme?
Enquanto estávamos filmando, tínhamos apenas a percepção de que estávamos fazendo aquilo que queríamos. Era um filme contra a corrente, mas era aquilo mesmo. Quando a equipe viu o filme pronto, essa sensação se confirmou. O verdadeiro Urso de Ouro veio no contato com a platéia brasileira. Fernanda, Vinicius e eu já vimos o filme umas 50 vezes. Em muitos casos, sem sermos notados. Quando o filme é aplaudido no final, dá um certo arrepio.


Do que se trata
Sem maiores explicações, inúmeros órgãos de governos estaduais e pelo menos um ministério estão distribuindo belíssimos relatórios nos quais glorificam a gestão dos maganos que os encomendaram. São impressos em papel caro, cheios de fotografias tão bonitas quanto inúteis, e não há quem os folheie, muito menos quem os leia. Não servem nem para mesinha de dentista.
O deputado Delfim Netto já se mostrou intrigado com tamanho desperdício e disseram-lhe que isso também acontecia nos governos em que foi ministro.
Para tornar as coisas mais claras, aqui vai uma explicação do que está por cima de boa parte desses relatórios.
Em ano eleitoral, o magano resolve aceitar a proposta de edição de uma relatório luxuoso porque a empresa encarregada de fazê-lo ou agenciá-lo ganha uma comissão sobre o volume da despesa. Mesmo que cada grampo tenha sido escrupulosamente faturado, do negócio resulta um bom lucro. Tão bom que nada custa à empresa trabalhar de graça em algumas tarefas essenciais à campanha eleitoral de um candidato amigo. Tudo dentro da lei.

Abre e fecha
Rota de colisão entre Fazenda e Planejamento: grande parte da sobra de caixa de 1997 é na área de habitação e saneamento. Para conter o déficit, a Fazenda quer segurar os recursos, enquanto o Planejamento quer gastá-los.

Torniquete
Os principais motivos que impedem o uso dos recursos de habitação e saneamento são da competência da Fazenda: Estados e municípios estão com sua capacidade de endividamento limitada, e os juros altos contêm a demanda por crédito pessoal.

Enxurrada de pedidos
A Fazenda dispõe de outra rolha para tampar o fluxo de recursos para habitação: agente financeiro das operações, a CEF é subordinada a Malan. Resta saber se, em ano eleitoral, resistirá à pressão para abrir a torneira.

Atraso
Por causa da diferença de duas horas no fuso horário do Acre, os primeiros resultados da eleição presidencial só serão divulgados pelo TSE após as 19h. Para que a tendência da apuração não influencie o eleitor acreano.

Atraso do atraso
Simulações feitas pelo TSE indicam que se o Congresso incluir o plebiscito sobre reforma constitucional, a votação de outubro pode atrasar horas. Sem isso, o procedimento já demora um minuto e meio por eleitor.

Esquentando os motores
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ilmar Galvão faz amanhã, em São Paulo, o primeiro teste da nova urna eletrônica que será usada nas eleições deste ano. A primeira eleição simulada deve ser em Brasília.


Caixa alto

A opulência da campanha à Câmara do pefelista Gilberto Kassab, um dos caixas da campanha dos vereadores em 96, está provocando inveja entre os demais candidatos do próprio PFL e do coligado PPB.

TIROTEIO
De Ciro Gomes (PPS-CE), sobre a distinção feita por FHC da ética do político da ética do cientista, durante aula inaugural na Universidade Sarah, de Brasília:
- O presidente é o ombudsman de si mesmo. Faz um governo medíocre, cheio de contradições, complacente com a corrupção, o fisiologismo e relativiza os valores para tentar parecer um intérprete da "realpolitik". Pelo intelectual que foi, deve passar o dia inteiro com vergonha.



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