São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"

Jefferson nega ter gravações e diz que negociava cargos no Planalto, numa sala reservada a Silvio Pereira, na presença de Delúbio e Dirceu

"Não tenho fitas, vou relatar fatos que vivi"

DA EDITORA DO PAINEL

Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do "mensalão" para mostrar à CPI. "Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT."
O presidente do PTB também descreve as negociações de seu partido com o PT para a ocupação de cargos no governo. "Noventa por cento das conversas eram no palácio, numa salinha reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava. O Genoino também. (RLP)
 

Folha - A semana foi marcada por rumores de que o sr. teria fitas comprometedoras. Isso é verdade?
Roberto Jefferson -
A única fita que tenho é a da entrevista que a Folha gravou e que a Comissão de Ética da Câmara está pedindo. Não tenho nenhuma fita. Não faço isso. Eu vou [no depoimento desta terça] relatar fatos que vivi neste ano e meses em que presido o PTB. Das reuniões que tive com Genoino, Delúbio, Silvio Pereira [secretário-geral do PT], com o Zé Dirceu. Das conversas que tivemos tanto para construir a aliança do PTB com o governo quanto a aliança eleitoral do PT com o PTB.

Folha - No depoimento desta terça, e depois na CPI, o sr. tem a apresentar unicamente o seu relato?
Jefferson -
Vou colocar claramente ao Brasil tudo o que vivenciei, tudo o que conversei, tudo de que tratei. Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.

Folha - Que avaliação o sr. faz das reações dos membros do governo citados em sua entrevista anterior?
Jefferson -
Os ministros foram covardes com o presidente. O ministro Palocci [Fazenda] sabia do "mensalão" porque eu falei para ele. O ministro Walfrido [Turismo] errou por não ter dito ao presidente sobre o "mensalão", porque eu falei com ele. O ministro Ciro [Integração] sabia. O Zé Dirceu, conversei com ele várias vezes sobre o "mensalão". Deixaram o presidente completamente desinformado de algo que viciou a relação do governo, e do comando do PT em especial, com a base aliada no Congresso.
Quando de minha conversa com o presidente este ano, lá no gabinete dele no Palácio do Planalto, estávamos eu e o ministro Walfrido, quando eu disse a ele do "mensalão". Ele tomou um susto. Expliquei a ele no que consistia: um reparte de recursos do Delúbio para líderes e presidentes de partido da base aliada dividirem um dinheiro por mês com representantes de suas bancadas, em especial o PP e o PL. O PTB fora convidado a participar e repelira.
Acho que os ministros traíram a confiança do presidente. Como pode ministros minimizarem, dizendo que não havia importância em minhas palavras, e ter essa explosão no Brasil quando a Folha as coloca para a opinião pública? Só eles não tinham dimensão da explosão que isso iria provocar?
O presidente [quando ouviu o relato], foi como se alguém dissesse "olha ali a tua mulher com outro homem". Aquela reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas brotaram. Ele me pediu que explicasse como funcionava o "mensalão". Eu disse. Depois ele se levantou, me deu um abraço e eu saí. E o que eu sei, até pela vivência da Casa -essas coisas não se escondem- é que houve uma atitude forte, porque o "mensalão" secou.
E nós estamos assistindo a uma crise de abstinência. O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da base: o dinheiro para pagar o exército mercenário, as bancadas de aluguel.

Folha - Que avaliação o sr. faz da entrevista do tesoureiro do PT?
Jefferson -
Achei que ele foi fraco. Não teve como enfrentar a imprensa. O Genoino parecia um cão de guarda. Se alguém tentava uma segunda pergunta, o Genoino cortava. A meu ver, Delúbio não convenceu. Não esclareceu sua relação com os partidos que compõem a base do governo.

Folha - Como se estabeleceu a relação do PTB com a cúpula petista?
Jefferson -
Quando, lá atrás, o José Carlos Martinez era presidente do PTB, e nós começamos a constituir a relação, depois de nomeado o Walfrido Mares Guia ministro do Turismo, o segundo cargo foi o do delegado regional do Trabalho no Rio, Henrique Pinho. Toda a estrutura abaixo dele foi nomeada pelo Silvio Pereira.
Outro cargo: Fernando Cunha, para a BR Distribuidora. Toda a estrutura abaixo do Fernando Cunha foi nomeada pelo Silvio Pereira. Na área de Petrobras, de petroquímica, quem manda é ele.
Um dia perguntei: "Mas como é isso? Vocês dão a cabeça e tomam o corpo?". E ele disse que esse era o jeito do PT de repartir poder.
Foi assim no Departamento Nacional de Infra Estrutura e Transportes. A primeira indicação para o Dnit, feita pela bancada de São Paulo, acho que é Pimentel o nome [Sérgio Pimentel], esse que hoje aparece nos jornais. Toda a estrutura abaixo foi montada pelo Silvio e pelo Delúbio. O gerente, um tal de Lauro [Lauro Corrêa], é homem do PT. Ele mandava mais que o diretor-geral do Dnit.
O PT nomeava as pessoas que controlavam a estrutura de poder por baixo dos nomeados do PTB.

Folha - A quem o sr. se refere quando fala na direção do PT?
Jefferson -
Genoino, Marcelo Sereno, Delúbio Soares, Zé Dirceu, que sempre soube de tudo. Várias vezes eu conversei com o Genoino e com o Delúbio no gabinete do ministro Zé Dirceu. Tudo era tratado com o conhecimento dessas pessoas e do Silvio Pereira. Isso no início do governo. Há uma sala contígua à do gabinete do ministro Zé Dirceu no Palácio do Planalto, e de vez em quando nós fazíamos essas conversas.
Noventa por cento das conversas eram feitas no palácio, numa salinha que era reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava da conversa, e o Genoino também.

Folha - Após a primeira reportagem da "Veja" sobre os Correios, duas nomeações iminentes de petebistas foram abortadas: uma na empresa e outra em Furnas, certo?
Jefferson -
O doutor Ezequiel Ferreira, indicado pelo senador do PTB Fernando Bezerra [líder do governo no Congresso], nunca chegou a ser diretor dos Correios. Iria para a Tecnologia, ocupada pelo doutor Eduardo Medeiros, indicado pelo Silvio Pereira. Era uma negociação que cortava um pedaço de poder do PT na carne.
Furnas foi o próprio presidente Lula que ofereceu ao PTB. Na diretoria de Engenharia, a mais poderosa do setor elétrico do país, está o doutor Dimas Toledo. Há 12 anos. É muito ligado ao governador Aécio Neves (PSDB-MG).
O presidente queria tirá-lo porque houve um programa em Minas, num repasse de recursos federais de mais de R$ 1 bilhão, o "Luz para Todos". E quando houve a exploração política desse programa, o Aécio só botou na placa "governo de Minas Gerais". E o presidente se sentiu traído.
Com a ajuda do então presidente da Eletronorte, meu companheiro Roberto Salmeron, eu cheguei ao nome de Francisco Pirandel, um técnico de altíssimo nível, que já trabalhou com o senador Delcídio [Amaral, líder do PT no Senado]. Levei o currículo ao presidente Lula, que mandou que eu despachasse de uma vez com o ministro José Dirceu e levasse uma cópia para a ministra Dilma Rousseff [Minas e Energia].
Ela disse: "É um dos melhores nomes". Aí começaram as pressões para que o Dimas não saísse. Do presidente Itamar Franco, lá em Roma, no enterro do papa. De grandes empreiteiras. Até o Zé Dirceu disse: "A pressão está muito forte para não trocar". Eu disse: "O PTB não é problema. Nós não queremos gerar uma crise".
Quando nós voltamos, Walfrido e eu, para conversar com o presidente, nós nos dispusemos a abrir mão. Ele falou: "Não. Eu faço questão". Ficou marcada a assembléia, se não me engano para 16 de maio. Dia 14 de maio saíram as primeiras denúncias da "Veja".
Na assembléia, a ministra mandou suspender a troca. Três dias depois, vem conversar comigo em casa o Arlindo Chinaglia [petista, líder do governo na Câmara]. Logo depois do meu discurso na Câmara, falando em nome pessoal, para pedir que eu matasse no peito, que o PTB puxasse a crise para si e esclarecesse rapidamente, e que depois as coisas caminhariam normalmente, que aconteceria a nomeação em Furnas. E eu disse: "Mas por que você fala isso?". Ele respondeu: "Porque foi o governo que sustou".
Quando saiu a matéria da "Veja", o Janene e o Severino Cavalcanti [presidente da Câmara, PP-PE] foram para cima do Zé Dirceu para impedir que houvesse essa troca. Eles adotaram o Dimas como indicação do PP. Pressão direta do Janene e do Severino para que eles não assinassem a CPI.

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