São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 2006

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ENTREVISTA 2/ALLAN MELTZER

Para monetarista, Ben Bernanke deve olhar menos para o curto prazo

Presidente do Federal Reserve tem falado muito

Economista avalia que temor de pressão inflacionária pode ser exagerado, mas defende nova alta nos juros

DE NOVA YORK

Para o economista Allan Meltzer, 78, um dos mais importantes monetaristas dos Estados Unidos, pouco precisa ser feito para reverter a volatilidade que abalou as Bolsas ao redor do mundo. Bastaria que Ben Bernanke, presidente do Fed, seguisse três conselhos: falar menos, mudar menos de opinião e abandonar a fixação por dados de curto prazo. Uma das poucas vozes tranqüilas em momento de turbulência, Meltzer diz que pode ser exagerado o temor da pressão inflacionária -vilã que engatilhou expectativas de escaladas nos juros americanos após entendimento de que a taxa ficaria estacionada em 5% por causa da desaceleração econômica. Segundo ele, o Fed não deve se basear em dados de curto prazo, e Bernanke erra ao prestar atenção demais nesse aspecto -deveria focar o médio prazo. Os preços de petróleo e a alta energética, para Meltzer, devem ser vistos como choques, não componentes de inflação, ainda que por contaminação dos demais preços. No lugar do colega, Meltzer conduziria um nova alta nos juros e anunciaria uma meta explícita de contenção de inflação entre 1% e 2%. Leia a seguir trechos da entrevista à Folha.  

FOLHA - Como podemos explicar a atual ansiedade dos mercados sobre as taxas de juros americanas? Quanto disso é risco inflacionário real e quanto é sinal trocado do Fed?
ALLAN MELTZER
- Não há muita evidência de expectativa de aumento de inflação de longo prazo. O crescimento monetário permanece baixo, e o custo laboral declinou. Mas os mercados têm dois grandes problemas. Primeiro, precisam separar os efeitos temporários do choque de petróleo no nível de preços da taxa de inflação de longo prazo. Segundo, precisam estabelecer confiança no novo presidente do Fed.

FOLHA - Por que Bernanke está segurando uma batata quente? O problema é de comunicação?
MELTZER
- Bernanke tem falado demais e mudado com freqüência demais as implicações práticas de seus comentários. Ao indicar ao mercado que ele vai reagir ao receber dados, ele reforça o foco no curto prazo e contribui para a volatilidade.

FOLHA - O que ele deve fazer?
MELTZER
- Ele precisa explicar que não pode mudar os dados sobre os próximos meses e que esses dados têm um forte componente aleatório. Precisa enfatizar que a política monetária controla o nível da inflação a partir do médio prazo.

FOLHA - Ele endureceu a fala contra a inflação depois de afirmar que os mercados o entenderam mal no começo. Suas ações são pautadas por metas ou pelas reações do mercado?
MELTZER
- Ele reage demais às especulações do mercado que são baseadas no que ele disse anteriormente. Além da volatilidade que cria com o foco no curto prazo, suas reações ao mercado contribuem para a incerteza sobre seus passos.

FOLHA - E a inflação, qual é o risco de aumento de curto e longo prazo?
MELTZER
- É importante distinguir, entre os impactos isolados, o nível de preços e a taxa de inflação. O primeiro tem a ver com o aumento do preço do petróleo e é passageiro -aumenta os preços, mas depois desaparece. Eu gosto de pensar em inflação como efeito sustentado de aumento de preços. Eu acho que, nesse ponto de vista, a taxa de inflação em 3% já é muito alta. Defendo a estabilidade de preços, uma taxa sustentada de longo prazo de 0%.

FOLHA - Acha que o medo de inflação foi exagerado, gerou um viés anticrescimento?
MELTZER
- Não. Os mercados mostram pouco ou nenhum sinal de expectativa inflacionária. Juros de longo prazo, expectativa de inflação e o crescimento da renda não mostram que a inflação vai aumentar.

FOLHA - Há menções de estagflação. Essa possibilidade é real?
MELTZER
- Não vejo evidências disso neste momento.

FOLHA - A alta do petróleo não começa a contaminar outros preços fora do setor energético, pela cadeia produtiva?
MELTZER
- Não acho que tenha ocorrido, nos Estados Unidos, uma mudança de preços não-energéticos devido à alta da energia e dos bens primários. Mesmo assim, não acho que o efeito seja sustentado.

FOLHA - E a desaceleração da economia? Como será o pouso?
MELTZER
- A economia cresceu acima do nível por muitos trimestres e agora começa a desacelerar. O desemprego está baixo, então a produção vai ter de arrefecer. Fora do setor agrícola e financeiro, o crescimento recente da produtividade foi de 4% ao ano, o que também vai baixar. O Fed precisa conter o crescimento monetário.

FOLHA - Se fosse integrante do Fed hoje, o que faria?
MELTZER
- Votaria para aumentar a taxa de juros. Ao anunciar isso, enfatizaria a intenção de manter a inflação entre 1% e 2% no longo prazo. Avisaria ao mercado que não podemos fazer nada a respeito da inflação de curto prazo, mas que não iríamos permitir que a taxa ficasse fora dessa faixa.


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