São Paulo, sábado, 12 de julho de 2008

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Negociador cita "aval de Dantas" a suborno

Relatórios da PF sobre operação mostram 16 dias de tratativa de valores entre delegados e Hugo Chicaroni e Humberto Braz

O delegado Vitor Ferreira diz, em texto a juiz federal, que Braz estaria autorizado por Daniel Dantas a pagar "propina de US$ 500 mil"


RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Os cinco relatórios da tentativa de suborno, por US$ 1 milhão, dos delegados federais da Operação Satiagraha mostram que um dos supostos emissários do banqueiro, Hugo Chicaroni, disse que a iniciativa tinha "o aval" de Daniel Dantas. A tentativa de corrupção foi um dos principais indícios que levaram o banqueiro à prisão por duas vezes nesta semana.
Os documentos, aos quais a Folha teve acesso, integram o inquérito da operação da Polícia Federal. Narram 16 dias de uma tensa negociação, entrega de pacotes de dinheiro em espécie e desconfiança mútua.
A mais bem-sucedida prova do poder corruptor dos investigados da Satiagraha só ocorreu após a Folha ter divulgado, em abril, uma reportagem que informava a existência de uma investigação em andamento contra Dantas. Segundo a sentença do juiz federal Fausto De Sanctis, o vazamento da operação levou os investigados a planejaram uma operação de compra dos policiais federais.
Às 20h26 de 11 de junho, um dos dois delegados que encabeçavam as investigações, Victor Hugo Rodrigues Alves Ferreira, recebeu ligação do ex-diretor da Brasil Telecom Participações, Humberto Braz, um dos principais assessores de Dantas. Braz dizia querer marcar "reunião" com Ferreira.
O delegado no mesmo dia informou o contato, por escrito, à delegada Karina Murakami Souza, para relatar o telefonema e pedir "ação controlada". O delegado, com autorização judicial, passaria a encenar o suborno, discutindo valores com emissários de Dantas.
Ferreira, no ofício, também requisitou a quebra do sigilo do seu próprio telefone e do aparelho de Braz, um número do Rio de Janeiro. O pedido foi deferido pelo juiz federal.
Sete dias após o primeiro contato, Ferreira e outro delegado protagonista da operação, Protógenes Pinheiro de Queiroz, foram almoçar no restaurante El Tranvía, uma churrascaria uruguaia, em São Paulo.

"Primeiro contato"
Os delegados esperaram por 50 minutos. Braz não apareceu, mas sim Hugo Chicaroni, que se identificou como "professor universitário". Ele falou da investigação que tramitava na 6ª Vara Federal Criminal. Queria confirmar a existência do inquérito e saber se Queiroz havia deixado o caso.
Chicaroni disse que já tinha "à disposição" R$ 50 mil "em troca desse primeiro contato". No outro dia, o delegado descreveu ao juiz: "[Chicaroni] acrescentou ainda que Humberto Braz já estaria autorizado por Daniel Valente Dantas a uma alçada de pagamento de propina no valor de 500 mil dólares americanos para resolver o caso, valor este que poderia ser elevado, porém com o consentimento prévio de Daniel Valente Dantas, a quem caberia decidir sobre a elevação".
O delegado Ferreira quis saber "quem deveria ser beneficiado na investigação".
Num trecho da conversa, Chicaroni insinuou que poderia dar aos policiais os R$ 50 mil naquela noite. Os delegados acharam que seria uma boa prova. Do restaurante seguiram para a casa de Chicaroni, em Moema. Ele entrou e saiu com uma bolsa preta com dez pacotes com R$ 5.000 cada um.
Os delegados foram à Polícia Federal. Lá as notas foram contadas e apreendidas. Os delegados tiveram o cuidado de se posicionar na frente das câmeras do circuito interno do prédio de Chicaroni, para que a entrega da bolsa fosse registrada.
No relato enviado ao juiz federal no dia seguinte, Ferreira contou ter tido problemas na hora de gravar a reunião no restaurante. Os federais optaram por usar um celular que também funciona como gravador. Contudo, a gravação foi interrompida por telefonemas. No final, outra interrupção, quando a memória do telefone acabou. Isso não se repetiria no encontro seguinte, pois o delegado usaria gravador digital.
No encontro seguinte, em 22 de junho, no mesmo restaurante, Braz apareceu. O delegado passou então a encenar que precisava mais do que US$ 500 mil. Braz indicou que o valor seria de US$ 1 milhão, a ser pago em duas parcelas. O delegado, preocupado com a possibilidade de vazamento dos encontros, insistiu que ao menos uma parcela deveria ser entregue naquela mesma semana. Em 25 de junho, Chicaroni entregou R$ 79.050. Policiais e emissários só se encontrariam de novo na deflagração da operação, quando a PF apreendeu R$ 1,28 milhão na casa de Chicaroni.


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