São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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ELIO GASPARI

Novidade: retomada estagnada

Um pequeno trabalho do professor Samuel Pessôa, da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV do Rio, indica que os números da retomada do crescimento devem ser analisados com cuidado. Algumas estatísticas divulgadas pelo IBGE são inquietantes. A saber:
No segundo trimestre deste ano a economia cresceu 5,75% em relação ao mesmo período de 2003. De onde veio o crescimento?
Acreditando-se no discurso oficial, veio dos prosseguimentos da retomada da produção industrial e do êxito no agronegócio. Errado.
Os números divulgados pelo IBGE mostram que, comparando-se o desempenho da indústria no segundo trimestre com os indicadores dos três primeiros meses deste ano, o crescimento da indústria foi de 0,24%. No setor agropecuário houve uma contração de 0,3%. Entre abril e junho a indústria ficou onde estava, e a lavoura andou para trás. Mesmo assim, a economia cresceu 1,49% (número que, anualizado, resulta numa expansão de 6,1%, resultado para ninguém botar defeito).
Na comparação dos dois trimestres o progresso aconteceu no setor de serviços. Ele cresceu 2,5%. Dois terços desse avanço vieram do aumento da atividade do comércio e de serviços como saúde, educação, hotéis, bares e restaurantes. Coisa semelhante só se viu em 1991, na retomada que se seguiu à ruína do Plano Collor.
O que isso significa? Samuel Pessôa é daqueles professores que levam seus ouvintes a invejar os alunos que assistem as suas aulas. Ele simplesmente não sabe o que isso significa.
Pode significar que o crescimento da produção industrial calculado pelo IBGE para o primeiro trimestre tenha sido superestimado. Para simples efeito de demonstração, admitindo-se que a indústria tenha crescido 0,75% entre janeiro e março (em vez do 1,55% anunciado), o período de abril a junho, em vez de mostrar a estagnação de 0,24%, mostrará um crescimento de 1%. Essas revisões são corriqueiras no mundo das estatísticas e na rotina do IBGE. Em agosto de 2001 ele anunciou um crescimento de 0,79% para o PIB do segundo semestre. Em setembro reviu o número para 1,82%.
Também pode significar que os brasileiros cansaram-se do baixo astral da recessão e foram às compras. Pessôa adverte que a comparação de dois trimestres não permite maiores projeções, promessas, pragas ou prognósticos.

PPP como a de Lula, nem com d. Pedro

Credito:Anônimo, Col. Museu Histórico Nacional + Carlos Hoenen, Col. Pedro Corrêa do lago
legenda:Acima, a São Paulo Railway. Ao lado, d. Pedro 2º em 1855
São muitas as bobagens que têm sido ditas a respeito da semelhança entre o sistema de remuneração do investimento feito nas ferrovias brasileiras do século 19 e o projeto de Participação da Patuléia nos Prejuízos, anunciado pelo governo com o nome de Parcerias Público-Privadas, ou PPP. O signatário, por exemplo, escreveu que o Império pagava aos investidores um rendimento de cerca de 5% ao ano. Errado. O Império garantia uma taxa de retorno, mas só pagava a diferença entre o lucro realizado e o prometido.
Graças ao professor americano William Summerhill, pode-se entender o que foi a PPP de Pedro 2º. Em 1998 ele publicou na "Economic History Review" um artigo intitulado "Intervenção no mercado de uma economia atrasada: os subsídios às ferrovias brasileiras, 1854-1913".
São grandes as diferenças entre as vantagens que Lula pretende oferecer ao bendito patronato neopetista e as concessões que d. Pedro 2º fazia à maldita oligarquia escravista.
Nas PPPs do PT, o financiamento poderá vir de fundos de pensão paraestatais e bancos oficiais, como o velho e bom BNDES. No Império, as ferrovias eram financiadas por acionistas privados, nacionais ou estrangeiros. Ao contrário do que sempre supuseram a nação petista e o signatário, o negócio foi bom, as ferrovias tiveram um impacto econômico superior ao obtido nos Estados Unidos e os investidores brasileiros lucraram mais que os ingleses.
Nas PPPs, como no Império, o governo garante ao parceiro um lucro mínimo. Num exemplo ferroviário: se o investidor espera lucrar R$ 100 milhões a cada ano, e o negócio rende R$ 80 milhões, a patuléia comparece com R$ 20 milhões. E se o negócio render mais? Na proposta de Lula, o empreiteiro/concessionário/amigo ficará com tudo. Com d. Pedro 2º não havia essa moleza. Acima de um nível (10% em certos casos), o excedente era dividido com a Viúva. A Companhia Paulista, financiada por capitalistas brasileiros, tinha garantia de 7%. Começou a operar em 1872. O negócio foi tão bom que a ferrovia veio a dispensar os subsídios, reembolsando a senhora.
Algumas ferrovias quebraram, e o governo resgatou os acionistas do andar de cima com o dinheiro do andar de baixo. Essa é outra história. Trata-se da semelhança entre a reestruturação petista da privataria tucana e aquilo que se convencionou chamar de patrimonialismo do Império escravagista.
Em matéria de financiamento da infra-estrutura nacional, tinha razão o príncipe de Salinas no romance "Leopardo": "Tudo isso não deveria poder durar; mas vai durar, sempre; o sempre humano, é claro, um século, dois séculos...; e depois será diferente, porém pior".

Um doce livro sobre o andar de cima

Está nas livrarias a quinta edição de "Salões e Damas do Segundo Império", de Wanderley Pinho. Fazia falta desde que se esgotou no início dos anos 70. É uma fina e erudita descrição da corte do Rio de Janeiro. Ela era bem menos caipira do que se acredita. Tem futuro visconde metendo a mão na cara do embaixador francês conde Gobineau (porque se engraçou com a senhora errada), escravo-porteiro falando francês (José, do Barão de Bela Vista ). No meio de uma festa passa uma mulher bonita com pulseira no tornozelo. Noutra, um gaiato fura o bumbum pneumático da baronesa.
Wanderley Pinho foi prefeito de Salvador de 1947 a 1951 e morreu em 1967, aos 77 anos. Seu retrato da corte é um pouco áulico e um pouco saudosista. Mesmo assim, é só nele que se vai achar a filarmônica de meninos escravos do visconde de Araruama. Grandes figuras da política que hoje são nomes de rua viram gente. Joaquim Nabuco quer uma missão no exterior para perseguir um rabo-de-saia. Entre todos os salões e todas as damas, a grande mulher é a condessa de Barral, aristocrata baiana que namorou d. Pedro 2º e viveu décadas em Paris. Na revolução de 1848, foi às Tulherias buscar pertences de um príncipe amigo e, na Comuna de 1870, entrou na cidade num vagão de gado para pegar de volta suas jóias. A classe em pessoa. É dela a visão que a turma dos salões tinha da terra onde vivia:
São desgraças do Brasil
Um patriotismo fofo,
Leis em parola, preguiça.
Ferrugem, formiga e mofo.

Novos tempos

O comissário José Dirceu será obrigado a mediar a briga da bancada das universidades pilantrópicas (repetindo, pilantrópicas) com o projeto de reforma do ministro Tarso Genro.
O ministro quer racionalizar e moralizar o sistema de concessão de bolsas de estudo no supermercado do ensino superior.
O chefe do gabinete civil precisa dos votos da bancada pilantrópica. É o preço que os anos cobram à biografia de um ex-líder estudantil.

Conta argentina

No ano passado, quando o presidente argentino Néstor Kirchner peitou o FMI, a ekipekonômica prevaleceu sobre os diplomatas experimentados na administração das relações dos dois países. Fez-se tudo para mostrar ao mercado que o Brasil não se solidarizava com Kirchner. Os diplomatas preferiam um meio termo.
Havia um antecedente. Em 1982, na Guerra das Malvinas, o Brasil manteve-se prudentemente solidário à Argentina numa guerra perdida por generais covardes e um ditador bêbado.
O silêncio brasileiro durante a última crise, somado ao temperamento irascível de Kirchner, alimentam uma saia justa que deve durar anos.

Petismo caeté

Acreditava-se que a autofagia era uma doença tucana. A fome com que um bom pedaço do PT Federal avança em cima dos despojos da eventual autocombustão de Marta Suplicy mostra que essa forma de canibalismo é coisa de Brasília, herança dos caetés que comeram o bispo Sardinha.

Medicina séria

Uma aula de conduta médica. O cirurgião Wayne Isom estava de férias quando tocou o seu telefone, às sete da manhã. Um colega pedia que aceitasse um paciente para uma operação de emergência. A taxa de mortalidade do bisturi de Isom é uma das menores do mundo: 1,14%.
-Estou de férias.
-É uma pessoa importante.
-Todos os pacientes são importantes e eu vou jogar golfe às nove.
-O problema é que eles querem você.
-Eles quem?
-Não posso dizer. É uma pessoa importante.
-Se você não pode dizer quem é, vou jogar golfe.
Bill Clinton foi operado por outro cirurgião, sugerido por Isom.

PFL do TO

PT e PFL estão entendidos na eleição do Rio de Janeiro. O PFL cedeu seu tempo de televisão para dois candidatos governistas: Godofredo Pinto (Niterói) e Lindberg Farias (Nova Iguaçu).
É difícil que Lula faça visitas ao Rio no calor da campanha.

Jóia carioca

A jóia da coroa do governo Lula no Rio de Janeiro poderá ser a construção de um pólo petroquímico com a Petrobrás associada a capitais privados.
Nada a ver com PPP.

Contas abertas

Jandira Feghali, candidata do PC do B carioca, colocou suas contas de campanha na internet. Até o dia 30 de julho, recebeu nove doações, somando pouco menos de R$ 200 mil. Ela identifica nominalmente os doadores.
Assim, com características diferentes, são dois os candidatos que abriram as contas de suas campanhas. No Recife, Raul Jungmann lista as doações e as despesas, mas não fulaniza a contabilidade. Em São Paulo, Luiza Erundina prometeu revelar seus números, mas seu partido diz que ainda não recebeu doações. Poderia listar as dívidas.
São divertidos os candidatos: querem que os eleitores lhes confiem a gestão dos impostos que pagam, mas não confiam nos cidadãos para mostrar quanto gastam nas campanhas.

Skaf sem teto

Antes de fazer pactos com o governo, o doutor Paulo Skaf, presidente eleito da Federação das Indústrias de São Paulo, precisa se acertar com Claudio Vaz, seu adversário na disputa pela "Poderosa". Corre o risco de ficar na rua.
Com o apoio do Palácio do Planalto e com a pertinácia de seu amigo Benjamin (CSN) Steinbruch, Skaf derrotou Vaz na Fiesp, mas perdeu a eleição simultânea para a presidência do Centro das Indústrias de São Paulo, o Ciesp, fundado por Francisco Matarazzo em 1928. Geralmente, a facção que levava a Fiesp vencia também no Ciesp. Vaz e Skaf co-habitarão a pirâmide negra da avenida Paulista, mas o presidente do Ciesp ficou na condição de senhorio, e Skaf, na de inquilino. O 14º andar do prédio onde o presidente da Fiesp tem seu gabinete pertence ao Ciesp.
Se uma situação dessas acontecesse com algum empregado de Skaf ou de Vaz, provavelmente seria despejado, mas, no 14º andar, o Brasil é outro.
Registro necessário: Horácio Lafer Piva passa a Fiesp a Skaf com R$ 35 milhões em caixa.

Jogo bruto

Em matéria de confusão, os Estados Unidos e a Inglaterra temem que extremistas ligados à Al Qaeda derrubem a monarquia saudita. Durante a crise do petróleo dos anos 70, os ingleses estavam prontos para capturar os poços de petróleo.
Desta vez, o reino de Saud será ocupado por ingleses e americanos.


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