São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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VOTAÇÃO

Listas de resultados das urnas mostram 49 nomes pelo país que receberam apoio de um único eleitor no domingo

A incrível história dos candidatos de...1 voto só

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

O dramaturgo Nelson Rodrigues certo dia proclamou: não há pior solidão que a companhia de um paulista. Se estivesse vivo, talvez reformulasse a frase: a solidão mais aguda, mais cruel, mais patética é a do sujeito que disputa uma eleição e arranca das urnas apenas um voto.
Tome-se a história do carioca Denis da Silva. Escrivão de polícia, 34 anos, decidiu lutar por uma cadeira na Assembléia Legislativa do Amapá, Estado em que mora desde 1992.
Nunca participara de uma campanha. Ainda assim, o neófito do PRP brigou como pôde -espalhou "santinhos" e promessas pelas ruas de Macapá. Dizia que, caso o elegessem, iria providenciar emprego e segurança para "as classes humildes".
Terça-feira, soube do resultado. Num colégio de 290 mil eleitores, ganhou um mísero voto, o dele próprio. Nem amigos, nem parentes, nem conhecidos de tapinha nas costas. Ninguém lhe deu crédito.
E os pais do escrivão? Certamente não vivem em Macapá. "Vivem, claro, e votaram aqui. Só que não em mim. Tentei convencê-los. Usei um punhado de argumentos verbais e nada. Acredita?"
Como Denis, mais 48 brasileiros amargaram a solidão eleitoral no último domingo. A maioria (43) candidatou-se a deputado estadual. Dos seis restantes, metade desejava chegar à Câmara, em Brasília, e outra metade pretendia virar deputado distrital.
Dezessete Estados abrigam os donos dos votos únicos. Roraima lidera a lista, com 11 solitários. O Amapá surge logo depois, com 6. Pernambuco e Rondônia dividem o terceiro lugar: cada um aninha 4.
O escrivão de polícia conta que a bancarrota nas eleições custou-lhe "uns R$ 1.000". Foi o que desembolsou para confeccionar o material de campanha. Já o alagoano Sebastião Malta, 54, jura que gastou, no máximo, R$ 0,20.
Ex-vereador em Maceió, o advogado saiu candidato à Assembléia pelo PT do B. E, jura de novo, não votou nele mesmo.
"Votei em meu filho, Daniel Malta, do PMN, que também concorria à Assembléia." O motivo: logo após se inscrever no TRE, Sebastião percebeu que não tinha chance de se eleger. Resolveu, então, apoiar o filho e abandonou a própria candidatura.
"Não subi em palanque, não preparei faixas nem cartazes. Pus a mão no bolso apenas para pagar o xérox dos documentos exigidos pelo TRE. Coisa de R$ 0,20." Imaginou que não receberia nenhum voto e surpreendeu-se quando a Folha o procurou.
- Jornalista de São Paulo me telefonando? É gozação. Trote.
- Não, aqui é realmente da Folha. O senhor conseguiu um voto.
- Consegui nada. Conheço meu povo, rapaz. Trote dos bons. Tem gente rindo aí do lado.
Só sossegou depois que anotou o telefone do jornal e ligou para o repórter: "Você me desculpe... Quer dizer que consegui um voto? Danou-se... É um mistério, viu?".
Daniel Malta tampouco se elegeu. Mas, ao menos, abocanhou 855 votos.

Zezé di Camargo
O pernambucano Marco Maciel -solitário que também largou a campanha no meio- atribui a desistência à "falta de grana". "Sou homônimo do vice-presidente, sim. Guardo parentesco longínquo com o homem. Ele é o Maciel rico. Eu..."
Bancário desempregado e compositor de músicas sertanejas ("220, todas inéditas"), Marco, 34, almejava se tornar deputado estadual pelo PPS da Paraíba. "Ocorre que, sem dinheiro, o negócio não anda. Notei que necessitaria de muita propaganda. Como não fiz, pulei do barco e acabei votando em outro candidato. Não tenho idéia de onde veio o meu voto."
Sobre o xará famoso, afirma: "Aquele ali não puxou a mim. Já nasci cabeludo, por exemplo. Uns cabelos longos, castanhos, brilhosos. Cabelos de artista. Pareço demais com o Zezé di Camargo. Os caracteres genéticos dos nossos rostos são quase os mesmos."
"Candidatura útil. Ouviu falar?" O engenheiro civil Valter Cunha, 38, lascou a pergunta assim que atendeu a ligação da reportagem. Ele buscava uma vaga na Assembléia da Bahia pelo PTC.
"Buscava, não. Só me candidatei porque o partido pediu. Para causar boa impressão, compreende? Pega mal um partido enfrentar as urnas com número pequeno de candidatos. Denuncia fraqueza." Valter, portanto, concorreu sem concorrer. "Levei um susto quando descobri que me deram um voto. Agradeço."
O pecuarista Francisco das Chagas Pereira, 73, ex-prefeito de Alto Alegre (RR), agradece igualmente. "Mando um muito obrigado para o João Silva."
Militante do PTC, Francisco abdicou de disputar um posto na Assembléia de Roraima há poucos dias das eleições. "Avisei os eleitores e recomendei que mudassem o voto." O lavrador João Silva, porém, retrucou. "É meu protegido de anos. Garantiu que votaria em mim ou em ninguém. Honrou a palavra, o caboclo."



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