São Paulo, terça-feira, 12 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Os modificados

A soja transgênica que na semana passada teve o seu plantio proibido em toda a Bretanha, França, nas últimas semanas foi plantada (e continua sendo) em larga escala contra a proibição legal brasileira, no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul.
O plantio aqui é feito com base em duas leis, tipicamente brasileiras e opostas à da proibição: a lei da impunidade e a lei do fato consumado.
Assim como os donos do chamado agronegócio mandam a lei às favas (de soja e outras favas) e nisso retratam o valor da legislação, duas frases oficiais retratam o valor moral dos governantes.
Do presidente da Brasoja, maior negociadora sulina do grão, sobre a decisão dos grandes cultivadores de plantar a soja transgênica com ou sem aprovação da Lei de Biossegurança ou medida provisória de Lula: "O produtor não está preocupado com o que acontece em Brasília. O problema é do governo".
A transgressão da lei não é problema do transgressor, que nem reconhece a autoridade, ou simplesmente a existência, do governo.
Do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, sobre a transgressão de ocupar milhões de hectares com um produto proibido: "O governo sabe disso. E não vai permitir que a ilegalidade persista".
Governante ciente de uma transgressão está obrigado a reprimi-la e aos autores, ou se torna ele próprio transgressor das leis que jurou defender. Será por isso que o governo, diz o ministro, "não vai permitir que a ilegalidade persista"? Não. Sua frase seguinte esclareceu que a ilegalidade seria "legalizada" por Lula "em uma questão de horas", por medida provisória. Tal como fez pouco depois de assumir.
Está certo, se entendermos que Lula e o PT atuais são também transgenicamente modificados.

A obra
Alguns comentários já observaram a semelhança entre as tendências manifestadas pelos paulistanos, antes do primeiro turno, e os índices de José Serra e Marta Suplicy no Datafolha de anteontem. A pesquisa traz, porém, negação expressiva a uma das pretensas verdades consagradas sobre a disputa paulistana.
As intenções de voto em Marta estão tecnicamente divididas em iguais proporções entre homens e mulheres. A tão falada dificuldade de Marta com o eleitorado feminino, por força dos seus passos argentinos, não se mantém. O que, é a dedução imediata, decorre das gentis exibições do senador Eduardo Suplicy ao lado da ex-mulher.
Marta continua sendo obra de Suplicy.

Adeus
Fernando Sabino casou muito moço, creio que aos 21 anos, com Helena Valadares, filha do histórico e folclórico prócer do mineirismo político Benedito Valadares. Foi surpreendido, a dada altura, com um presente do sogro: um cartório no Rio, então capital da República, pedido por Benedito ao governo federal, na quota das atenções que lhe eram devidas como governador mineiro.
Ao desquitar, Fernando já era cronista conhecido, com uma página deliciosa em Manchete. Mas vivia do cartório, sua consagração como escritor só viria mais tarde, com "Encontro Marcado", a partir daí podendo viver do que escrevia. Consumada porém a separação, Fernando foi a Benedito Valadares e entregou-lhe o cartório: considerava que a nomeação não fora para ele, mas para assegurar à mulher o bem-estar que, no início da vida literária, não teria como proporcionar à família. Um gesto inesquecível.
Fernando Sabino foi mais do que uma pessoa de atitudes. Sou testemunha de que foi uma pessoa generosa e um homem de caráter.


Texto Anterior: PDT contraria Paulinho e fica neutro em SP
Próximo Texto: São Paulo: Marta anuncia o fim de taxas para motoboys
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.