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Stedile chama Lula de "mal informado"
Líder sem-terra discorda de presidente, que considerou "vandalismo" a ação do movimento que destruiu laranjal em Iaras (SP)
Economista e líder sem-terra afirma que pedido de abertura de CPI por parte de congressistas da oposição tem motivação eleitoral
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
João Pedro Stedile, 55, da direção nacional do MST, afirma
que o movimento não perdeu o
foco, que condena todo o tipo
de "vandalismo" e que o presidente Lula está "mal informado", numa referência à declaração do petista na qual chamou
exatamente de "vandalismo" a
ação do movimento numa área
de plantação de laranja no interior de São Paulo. Em entrevista à Folha Stedile minimiza a
derrubada dos pés de laranja
na área da Cutrale, pois, segundo ele, a produção seria destinada à exportação, e não para a
mesa dos brasileiros.
FOLHA - Independentemente da situação da propriedade [o Incra diz
que está ocupada de forma irregular, o que é negado pela empresa], a
ação chama a atenção pela destruição deliberada de alimentos. Foi um
erro destruir aqueles pés de laranja?
JOÃO PEDRO STEDILE - O fato de a
área ser grilada, confirmado
pelo Incra, não é algo secundário. Esse é o fato. Um dos princípios que o MST respeita é a
autonomia das famílias de nossa base. A distância, a população pode achar que derrubar
pés de laranja foi uma atitude
desnecessária. A direita, por
meio do serviço de inteligência
da PM, soube utilizar [as imagens] contra a reforma agrária,
se articulando com emissoras
de TV para usá-las insistentemente. Nunca essas emissoras
denunciaram a grilagem nem a
superexploração que a Cutrale
impõe aos agricultores.
FOLHA - Ao destruir alimentos, o
MST não teme perder o apoio das
camadas mais pobres da população,
como das 12 milhões de famílias
que dependem do Bolsa Família para comprar sua própria comida?
STEDILE - Cerca de 98% da produção de suco no pais é exportada. Esse suco não vai para a
mesa dos pobres, com ou sem
Bolsa Família. Já o nosso modelo para a agricultura brasileira quer assegurar produção de
alimentos, a geração de emprego e renda no meio rural. Queremos produzir comida e, inclusive, suco de laranja para
chegar à mesa de todo o povo
brasileiro. Não para o mercado
externo. Mesmo assim, a área
de exploração da laranja [no
país] diminuiu em 400 mil hectares nesses dez anos, pela exploração que a Cutrale impõe
aos agricultores.
FOLHA - O presidente Lula chamou
a ação de "vandalismo". O MST ainda o enxerga como aliado?
STEDILE - Nós também condenamos o vandalismo. Usar 713
milhões de litros de venenos
agrícolas por ano, que degradam o meio ambiente, também
é vandalismo. Nesse caso, o
presidente está mal informado,
pois as famílias acampadas nos
disseram que não roubaram,
não depredaram nada. Depois
da saída deles e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi
preparado para produzir imagens de impacto. Propomos
que uma comissão independente investigue a verdade.
FOLHA - É correto hoje dizer que a
conjuntura nacional, principalmente de estabilidade econômica e de
assistência oficial aos pobres do
país, é desfavorável ao MST?
STEDILE - Os dados do censo
[agropecuário] revelam que
menos de 15 mil latifundiários
são donos de mais de 98 milhões de hectares. A renda média dos assalariados do campo é
menor que um salário mínimo.
Diante disso, reafirmamos que
é fundamental democratizar a
propriedade da terra, como
manda a Constituição, e mudar
o modelo agrícola, para priorizar a produção de alimentos sadios para o mercado interno.
Quem acha que a reforma agrária não é necessária está completamente alheio aos problemas e aos interesses do povo.
FOLHA - Essa conjuntura deixa o
MST sem foco?
STEDILE - Ao contrário. Nunca
foram tão necessárias essas
mudanças. Bancos e empresas
transnacionais controlam a
agricultura. E, quando ocupamos uma terra para pressionar
a aplicação da reforma agrária,
enfrentamos todo esses interesses. O Brasil precisa de um
projeto que combata as causas
da desigualdade social e garanta o acesso a terra, educação,
moradia e saúde a todos, e não
apenas a uma minoria.
FOLHA - Algum nome para as eleições de 2010 anima o movimento?
STEDILE - O MST preserva sua
autonomia. Nossos militantes
participam das eleições como
qualquer cidadão. Infelizmente, cada vez que chega o período
eleitoral, a direita se assanha
para enquadrar as candidaturas contra o MST e a reforma
agrária. Esse pedido de CPI
tem apenas motivação eleitoral. O [deputado Ronaldo]
Caiado [líder do DEM na Câmara] confessou que o objetivo
da CPI é provar que o governo
repassa dinheiro para o MST
fazer campanha para a Dilma
[Rousseff], o que é ridículo.
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