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ENTREVISTA DA 2ª
ADAM KAUFMANN
Crescimento do Brasil facilita crime financeiro
Promotor americano diz que o fato de
o país ser uma economia com grandes fluxos de capital pode facilitar a lavagem
Marcos Borges - 08.out.09/Folha Imagem
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Promotor americano Adam Kaufmann, que investiga crimes de colarinho branco
A ASCENSÃO do Brasil à categoria de economia classe A provocará um crescimento
nada glorioso. Vai aumentar o número de
criminosos brasileiros de colarinho branco
em processos internacionais. A avaliação é do promotor Adam Kaufmann, chefe das investigações na Promotoria de Nova York. A razão, segundo ele, é que "a
globalização da economia trouxe mais oportunidades
para os criminosos financeiros".
MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
Adam Kaufmann tem laços
com o Brasil -investigou doleiros e conseguiu a ordem de prisão contra o deputado federal
Paulo Maluf (PP-SP) na Justiça
de Nova York, onde ele é acusado de "ter roubado" recursos da
Prefeitura de São Paulo.
A ordem de prisão baseia-se
numa investigação segundo a
qual Maluf usou bancos de Nova York para esconder recursos
desviados -o que o ex-prefeito
sempre negou. Em Curitiba,
onde esteve para um encontro
de juízes federais, Kaufmann
criticou a lentidão e a impunidade na Justiça brasileira.
FOLHA - Paulo Maluf repete há
anos que não tem e nunca teve contas no exterior. É verdade?
ADAM KAUFMANN - Seria impróprio fazer comentários sobre
esse caso porque ele é um fugitivo da Justiça de Nova York.
Mas há dados públicos que nós
obtivemos com a Justiça da ilha
de Jersey, da Suíça e de inúmeras outras fontes. É muito claro
para nós que Paulo Maluf controla inúmeras contas fora do
Brasil. Em algumas dessas contas não há o nome de Maluf.
Mas é evidente que ele tem o
controle absoluto sobre elas.
FOLHA - Doleiros brasileiros mandaram perto de US$ 50 bilhões para
Nova York desde os anos 90 e a Promotoria de Nova York só conseguiu
congelar perto de US$ 30 milhões,
menos de 1% do valor total. Por que
o valor recuperado é tão baixo?
KAUFMANN - Nós trabalhamos
duro para recuperar os US$ 30
milhões para o Brasil, mas nesses casos é muito difícil encontrar provas que permitam trazer o dinheiro de volta. O valor
de US$ 50 bilhões é uma grande
especulação porque os doleiros
atuam no mercado negro.
O problema é que nesse tipo
de processo criminal você tem
de ter crimes provados para levar ao juiz e dizer a ele: "Esse
dinheiro tem origem em condutas criminosas".
Primeiro, você tem de provar
o crime, e sonegação de impostos e remessa ilícita de capitais
não são suficientes para provar
um crime. Eu acho que essa regra vai mudar, mas hoje isso
não é crime nos EUA. Outra dificuldade para obter provas é
que você tem de coordenar
uma investigação em diferentes países, com diferentes Justiças, para repatriar o dinheiro.
Os US$ 30 milhões são uma
quantia pequena, mas, por outro lado, o governo dos EUA
congelou US$ 1 bilhão de [Daniel] Dantas [banqueiro do Opportunity]. A crescente cooperação entre os países vai mudar
esse cenário nos próximos cinco anos. US$ 30 milhões é só o
começo de um processo.
FOLHA - Você sabe por que o Brasil
é o destino preferido de grandes traficantes como o colombiano Juan
Carlos Ramírez Abadía? A facilidade
para lavar dinheiro pode explicar essa preferência?
KAUFMANN - Uma das explicações pode ser que o Brasil é
uma grande economia, com
grandes fluxos de capital, com
diferentes tipos de negócios, e
tudo isso pode facilitar a lavagem. Há também o mercado
negro dos doleiros, grande fluxo de comércio internacional,
bancos internacionais.
O que há de interessante sobre o Brasil nesse estágio em
que está virando uma grande
força econômica é que há oportunidades para criminosos trazerem dinheiro ganho ilegalmente com a aparência de uma
remessa comercial normal. Você pode criar uma construtora,
usar notas fiscais falsas e mover
seu dinheiro aqui.
FOLHA - O que você acha dos mecanismos antilavagem brasileiros?
KAUFMANN - São eficientes. Há
bastante jurisprudência, cortes
especializadas em lavagem de
dinheiro. Há uma Polícia Federal bastante forte. Trabalhei
com eles na força tarefa criada
em Curitiba [para investigar
doleiros]. O trabalho com a polícia, com procuradores e a Justiça foi uma parceria de muitos
resultados. O Brasil fez grandes
avanços na investigação de crimes de colarinho branco.
O
único detalhe é que o país parece não ter percebido que crimes
de colarinho branco têm de ser
punidos rápido e efetivamente
para deixar claro a mensagem
de que o país mudou.
FOLHA - No Brasil, um caso como o
de Bernard Madoff, condenado a
150 anos de prisão em um processo
que durou menos de um ano, se arrastaria por 10, 15 anos e dificilmente acabaria em prisão. Você sabe a
razão desse tipo de impunidade?
KAUFMANN - A condenação de
Madoff foi um exemplo extremo -150 anos de prisão é uma
exceção porque ele cometeu o
maior crime de colarinho branco que já vimos, com repercussões globais. Mas nos EUA há o
consenso de que crimes como
esse têm de ser punidos com
substanciais anos de prisão.
O meu departamento conseguiu a condenação de Dennis
Kozlowski e Mark Swartz, presidente e diretor financeiro da
Tyco, a 25 anos de prisão por
eles terem roubado milhões de
dólares da companhia. É o reconhecimento de que um homem de negócios corrupto pode prejudicar a vida das pessoas
mais do que um simples ladrão.
As pessoas que cometem esses
crimes têm de ser punidas duramente porque eles têm escolhas, são bem educadas e traíram a confiança que a sociedade depositou nelas.
O tempo de duração de um
processo é um grande problema que o Brasil precisa resolver. Meus colegas brasileiros
reclamam muito disso. Os criminosos de colarinho branco
não vão para a prisão aqui. Com
isso, as pessoas não vão acreditar mais na lei e na igualdade da
Justiça. Vão perder as suas ilusões sobre o sistema judiciário.
FOLHA - Cada vez mais brasileiros
são acusados em crimes financeiros
internacionais. Você mesmo mencionou o caso de Dantas nos EUA.
Qual seria a razão da crescente participação de brasileiros nesses crimes?
KAUFMANN - Esses crimes aparecem mais porque há mais investigação e mais cooperação
internacional. Mas aumentaram os crimes também. Com o
crescimento da economia brasileira, vai aumentar o número
de criminosos brasileiros de colarinho branco em processos
internacionais. A globalização
da economia trouxe mais oportunidades para os criminosos
financeiros. É muito mais fácil
hoje movimentar dinheiro pelo
mundo do que há 40, 50 anos.
FOLHA - Na investigação sobre as
causas da crise financeira de 2008,
os americanos encontraram uma série de indícios de crime. Por que os
promotores, a polícia e os órgãos reguladores não perceberam isso?
KAUFMANN - Não estou certo se
concordo contigo sobre a hipótese de que a crise tem alguma
ligação com condutas criminais. Recomendo a todos que
querem olhar retrospectivamente para a crise que leiam as
220 páginas dos analistas da
SEC [Securities and Exchange
Commission, órgão regulador
do mercado financeiro] sobre o
esquema de pirâmide de Madoff. Eles fizeram exatamente o
que não se deve fazer na investigação de crimes de colarinho
branco. É incrível como eles tiveram oportunidades para detectar os problemas e falharam.
FOLHA - Regulamentação poderia
inibir, em parte pelo menos, os crimes que acompanharam a crise?
KAUFMANN - Pode ajudar. Mas o
problema é mais político. Republicanos e democratas
apoiavam a ideia de que os bancos devem emprestar mais e
mais dinheiro. Ambos têm responsabilidade sobre a crise. Em
2004, os EUA autorizaram os
bancos de investimentos a trabalhar com mais alavancagem.
Bear Sterns trabalhava com
uma alavancagem de 30 vezes o
capital que tinha. É uma loucura! A autorização para essa alavancagem foi feita por órgãos
reguladores. Não houve um
comportamento criminoso.
FOLHA - Paraísos fiscais são fontes
de crimes ou essa ideia é um preconceito contra pequenos países?
KAUFMANN - Paraísos fiscais
são fontes de crimes porque
eles, antes de qualquer coisa,
encorajam a sonegação de impostos. Na investigação sobre o
UBS, o banco intencionalmente recrutava clientes e os encorajava a abrir contas no UBS
para sonegar impostos.
Eu pago impostos, você paga
impostos, por que um milionário da Park Avenue não paga todos os seus impostos? Quando
um banco diz ""é só dinheiro de
sonegação", ele abre suas portas para todo tipo de dinheiro.
Quando você aprofunda a investigação, acha dinheiro de
traficante de drogas, de corrupção política, de subfaturamento, de importação ilegal.
FOLHA - É virtualmente impossível
saber quando é sonegação pura?
KAUFMANN - É muito difícil.
Não podemos ser hipócritas e
falar só dos paraísos fiscais. Há
Estados nos EUA em que é possível abrir uma empresa sem
que se saiba quem é o dono de
verdade. Um projeto de lei enviado ao Congresso obriga todos os Estados a manterem registros sobre o dono de fato da
corporação. Não podemos cobrar transparência dos paraísos fiscais se dentro dos EUA
não temos um padrão de transparência. Meu chefe, Robert
Morgenthau, é um defensor
dessa lei. Para cobrar transparência dos outros, precisamos
ter transparência em casa.
FOLHA - Quase todas corporações
dos EUA têm sede em Delaware.
KAUFMANN - Delaware não é
um paraíso fiscal. É um Estado
que tem um ambiente amigável
para as corporações. Elas ficam
lá não para pagar menos impostos, mas porque o Judiciário
entende das questões das grandes corporações e bancos. Isso
é muito diferente da situação
que ocorre quando a máfia russa abre 90 companhias de fachada em Delaware. Isso precisa acabar. Os EUA precisam ter
um padrão mais elevado de
transparência do que o Panamá
ou Lichtenstein, que são paraísos para a lavagem de dinheiro.
FOLHA - O banco suíço UBS pagou
US$ 780 milhões aos EUA para evitar
um processo em que era acusado de
ajudar americanos a sonegar. A Suíça entregou o nome de americanos
que usaram aquele país para sonegar. Você acha que a Suíça mudou
seu conceito de sigilo bancário?
KAUFMANN - Isso foi um progresso bastante importante
porque a Suíça é a capital do sigilo bancário. Meu chefe conta
que tentou investigar bancos
suíços na administração Kennedy, nos anos 60, quando era
procurador federal e não conseguiu. Quarenta e cinco anos
depois houve um acordo entre
o governo suíço, o UBS e o governo americano para revelar
os nomes dos americanos. É
uma grande mudança e um recado duro para as pessoas que
mandam dinheiro para outros
países para não pagar impostos.
FOLHA - Por que cresce o número
de bancos suíços envolvidos em crimes nos EUA e no Brasil? É por causa
do aumento da concorrência com
grandes bancos americanos?
KAUFMANN - Certamente tem
algo de concorrência. Mas acho
que isso é resultado do aumento nas investigações. Não tenho
muitas dúvidas de que os bancos fazem isso há muito tempo.
Mas não havia pessoas mudando as prioridades. O pessoal dos
bancos é muito esperto, sabe
como usar as brechas legais,
mas a investigação está cada
vez mais sofisticada. Hoje, se
um banco fizer coisas erradas, é
muito provável que um juiz como o Sérgio Moro vá mandar
alguém para a prisão.
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