São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

O segundo movimento

O primeiro movimento de resposta pública ao eleito Lula da Silva foi feito pelos eleitores de José Serra, com o aplauso de alívio, levado à euforia nos setores financeiros, pela escolha do então insinuado e hoje confirmado futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci. O segundo movimento tem sentido inverso ao anterior e, embora pouco visível por não ter canais de expressão, é crescente: são os eleitores de Lula invadidos pela perplexidade, no sentido mesmo de dúvida e espanto, incerteza e desconfiança. Entre os que acompanham as concessões no Congresso e as negociações partidárias, já mais do que perplexidade, desalento.
O sentimento que se difunde no eleitorado de Lula provém da radicalização de uma conveniência política. Se eleito, José Serra estaria empenhado, para ampliar bases de apoio, em convencer que viera para mudar.
Lula e seu círculo imediato parecem empenhados em convencer que vieram para não mudar. Passado o efêmero lançamento do slogan Fome Zero, todas as atenções e palavras do presidente eleito e dos seus representantes dirigem-se aos interesses e pessoas que se abrigam sob o nome de mercado. Os que não são o mercado, nem compõem outro gênero de empresariado, não têm merecido o favor de uma palavrinha, sequer uma, seja de quem for no círculo de Lula.
As dezenas de milhões que votaram em Lula porque eram contra a política econômica têm que ouvir agora, indefesos e estarrecidos, Antonio Palocci elogiá-la, sem ao menos alguma ressalva. As classes médias, os assalariados, os aposentados, os servidores públicos, enfim, a grande massa dos que fizeram a vitória da promessa de mudança só têm encontrado, nas entrelinhas das tantas falas da cúpula petista, insinuações de continuidade.
Quando não de piora, como ficou perceptível no exemplo mais recente, dado por José Genoino. De cada vez que se ouve José Genoino ele é outro, mas nem assim deixará de espantar o eleitorado lulista sua advertência de que o futuro governo praticará, contra o funcionalismo civil, a indigna e ilegal definição de "expectativa de direito" criada pelos neoliberais.
Que significado podem ter, para os que votaram nas mudanças personificadas em Lula e expressas pela PT, os entusiastas elogios de Pedro Malan à confirmação de Antonio Palocci? Continuará tudo do agrado de Malan e do FMI? Ou mudará alguma coisa e, nesse caso, o que será e como será? Os eleitores vitoriosos não sabem.
Quem acompanha o que se passa no Congresso só pode concluir que o PT adotou, na Câmara, a continuidade, agora por sua conta. O "foro privilegiado" para governantes e ex-governantes denunciados por crime de improbidade foi aprovado, ontem, em caráter terminativo, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Além de imoralidade explícita, cuja finalidade real é proteger os envolvidos em documentada improbidade na venda das telefônicas, a aprovação é inconstitucional, porque matéria da Constituição não pode ser modificada por lei. Mas a aprovação se deu com o assentimento do PT, como parte de barganha que começou pelo acerto de "transição democrática" com o maior interessado, Fernando Henrique Cardoso, e continuou nas negociações para a mal denominada minirreforma tributária. Não era essa a mudança esperada pelo eleitorado de Lula da Silva.


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