São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

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ENTREVISTA DA 2ª

SUELY VILELA


A primeira mulher a dirigir a principal universidade do país estabelece os 50% como meta para dez anos

Metade dos alunos da USP deve ser de escola pública, diz reitora

Flávio Florido/Folha Imagem
A reitora da USP, Suely Vilela, que defende que a USP trabalhe na melhoria do ensino médio e fundamental público


FÁBIO TAKAHASHI
RICARDO MELO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando candidata à reitoria da USP, Suely Vilela falava em aumentar o número de alunos de escolas públicas na universidade. Ao ser escolhida para o cargo, ressaltou que essa inclusão era sua prioridade. Agora, a primeira mulher a dirigir a principal universidade do país estabelece uma meta: fazer com que os estudantes da rede pública ocupem metade das vagas da USP em dez anos.
Atualmente esse percentual mal chega a 20% dos aprovados no vestibular, apesar de eles representarem 85% dos alunos do ensino médio paulista. Para mudar isso, estuda, por exemplo, implantar um sistema de pontuação para ajudar o aluno da rede pública.
Vilela, 51, promete outra medida de impacto: intensificar as avaliações na universidade, de tal modo que os professores da graduação sejam avaliados pelos seus pares. É polêmica na certa, mas o desafio parece não assustar quem, na vida acadêmica, publicou inúmeros trabalhos sobre a ação do veneno de serpentes -a reitora é formada em farmácia.
Corintiana assumida, a reitora recebeu a reportagem em seu gabinete na última quarta-feira, três dias após o seu time ter vencido o Campeonato Brasileiro. Vestia calça preta e um blazer branco. "O pessoal aqui brincou que eu vim assim para comemorar, mas foi só coincidência."
Nascida no interior de Minas Gerais, Vilela manteve o bom humor até quando abordou as críticas com relação ao seu gosto por filmes românticos e livros de auto-ajuda. Só mostrou desconforto ao ser questionada sobre o governo Lula. Preferiu não responder.
Ela diz que nunca sofreu discriminação numa universidade em que 65% dos docentes são homens. Mas afirma que mulher "sempre tem de provar um pouco mais". Arranjos de flores decoram o gabinete dela. A sala é ampla, possui até um pequeno jardim protegido por janelas. O tormento vem dos pernilongos.
"Acho que vou fazer uma reforma aqui, colocar uma tela, para poder abrir a janela e não precisar usar tanto o ar-condicionado", disse. "Isso se der tempo, porque estou vendo que o ritmo aqui..."
Nos próximos quatro anos, Vilela irá administrar uma instituição que possui 76 mil alunos, 5.000 docentes, 15 mil técnicos-administrativos e um orçamento na casa de R$ 2,2 bilhões, além de ter sido a única universidade sul-americana a figurar no ranking das 200 melhores instituições de ensino superior do mundo, feito neste ano pela publicação britânica "The Times Higher".
A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva concedida à Folha.

 

Folha - A senhora quer que a sua gestão seja lembrada pelo quê?
Suely Vilela -
Vou investir muito na inclusão social. Mas também quero deixar um modelo de gestão, não algo que dure só o meu mandato. O desafio é você trabalhar para o longo prazo. Precisamos de um planejamento estratégico.

Folha - Como será esse modelo de gestão? O que deve ser mudado?
Vilela -
Como somos uma autarquia pública, por si só já temos uma administração que não flui na velocidade que demandam a pesquisa, o ensino e a extensão. Isso é da própria legislação. Mas precisamos buscar maneiras de romper esses entraves. Precisamos olhar a universidade de forma integrada. Há diferentes grupos administrativos trabalhando na mesma questão. Por exemplo, na internacionalização [convênios com instituições do exterior]. Buscamos isso na graduação, na pesquisa e na pós-graduação, mas de uma forma que não é integrada. Cada um olha apenas a sua área. O correto é, quando for fazer uma minuta de convênio, trabalhar para que esse acordo seja para as três atividades.

Folha - E sobre a inclusão social. Como fazer isso?
Vilela -
Quero que a USP trabalhe na melhoria do ensino médio e fundamental público. Vamos incluir melhorando a formação do aluno e do professor. Isso vai refletir no ingresso na universidade. Podemos criar cursos para estudantes, professores e um pré-universitário, para o aluno do terceiro colegial. Nossos docentes e pós-graduandos darão as aulas.

Folha - Qual será o tamanho desse projeto?
Vilela -
Isso depende da disponibilidade de recursos. Obviamente queremos que ele cause impacto. Não adianta fazer para uma população pequena. Mas precisamos de recursos extra-orçamentários, do governo ou de empresas. Provavelmente haverá bancos que financiarão esse projeto, porque eles poderão ter alguma isenção fiscal.

Folha - Esse projeto não pode tirar o foco da produção acadêmica da universidade?
Vilela -
Não. A USP vai continuar na vanguarda do desenvolvimento da pesquisa e do conhecimento. Isso já está consolidado, há convênios com agências de fomento. Esse processo caminha naturalmente, independentemente do reitor. Mas, quando olho a universidade, busco onde não estamos colaborando efetivamente com a sociedade. A inclusão social e a qualidade da graduação precisam de uma ênfase maior, porque é a própria universidade que mantém isso, não há ajuda de fora, não há organismos externos que financiam a graduação, por exemplo.

Folha - Qual seria o nível ideal dessa inclusão social?
Vilela -
É preciso traçar uma meta, que seja atingida de forma gradual. Temos de chegar aos 50% [de alunos da escola pública na universidade] dentro dos próximos dez anos, até para valorizar o ensino público.

Folha - Para chegar a isso, pode haver mudança no vestibular?
Vilela -
Qual o desafio do vestibular? É não premiar apenas a informação, porque assim você não privilegia uma determinada classe econômica [a mais alta]. É preciso também ver as habilidades dos candidatos. Agora, como fazer isso? Estamos procurando. Sou contra as cotas, a simples reserva de vagas. A entrada na universidade precisa privilegiar o mérito acadêmico, o aluno precisa ter condição de acompanhar o curso. Mas podemos até criar um sistema de pontuação. Vamos supor que é preciso nota 7 para entrar na universidade. Aí, você tem uma faixa de alunos [da escola pública] que fica entre 6,5 e 6,9. Você poderia trabalhar essa diferença dando uma pontuação [sistema parecido com o da Unicamp]. Mas isso precisa passar por discussões.

Folha - A senhora fala em seu plano de gestão em "prioridade máxima" à graduação. Como será isso na prática?
Vilela -
É investir numa formação que seja permanente. Não é possível dar conteúdos programáticos para os próximos dez anos, a sociedade de hoje se transforma constantemente. Que tipo de profissional sobrevive nesse tipo de sociedade? É aquele que possui uma formação científica muito forte. Por isso, queremos valorizar a iniciação científica, porque vai dar uma formação crítica, abrangente, reflexiva. Não é preciso dar inúmeros conteúdos, porque isso vai se modificar rapidamente. Quando você tem um aluno que formula hipóteses, que busca respostas, ele se diferencia. Não se pode especializar um aluno muito cedo. A minha opinião é que quanto mais você especializa o indivíduo, menor será a chance de ele sobreviver no mercado. Ele não saberá se moldar à realidade.

Folha - A USP acabou de criar a USP Leste. Outros campi serão construídos?
Vilela -
Não estou pensando em uma nova USP ainda. Bom, até já pensei, mas, hoje, iniciando na reitoria, temos de consolidar a USP Leste, o que é um grande desafio. São 1.020 novas vagas a cada ano, isso exige muitos recursos. Expandimos de 6.800 vagas [no vestibular] para quase 10 mil, agora precisamos consolidar esse processo. Temos inúmeros compromissos [financeiros], inclusive no campus 2 de São Carlos.

Folha - Haverá mudança no financiamento da universidade? Há a possibilidade, por exemplo, de criar uma taxa para o aluno?
Vilela -
Defendo o modelo atual, em que os alunos não pagam mensalidade. Mas é importante que a universidade busque recursos extra-orçamentários. Quero avançar na relação da USP com as empresas, na transferência de tecnologia. Isso pode gerar recursos adicionais.

Folha - Nos próximos quatro anos, certamente haverá greves na universidade. O que a senhora pensa sobre esse mecanismo?
Vilela -
Em situações delicadas como a de uma greve, você precisa manter o diálogo com os diferentes segmentos. E mostrar qual a realidade financeira. A minha idéia é criar um grupo permanente que vai pensar esse relacionamento, e não deixar apenas para o período próximo à época em que devemos tratar a questão salarial.

Folha - O mecanismo de greve é correto na sua opinião?
Vilela -
Obviamente que para o reitor esse não é o mecanismo mais adequado, mas é legítimo, e você tem de conviver com ele. O importante é respeitar os limites.

Folha - A senhora já participou de greves?
Vilela -
Sim, de uma. Foi em 1981, quando estava iniciando a carreira. Fora isso, sempre procurei estar nas minhas atividades. Nunca fui envolvida em nenhum movimento, nem no centro acadêmico. Não fui atuante politicamente nessa questão.

Folha - Haverá modificação na avaliação dentro da universidade?
Vilela -
Seria muito importante a universidade trabalhar a avaliação interna, principalmente na graduação. Hoje, temos apenas alguns indicadores. Os estudantes respondem a um pequeno questionário, com dez perguntas sobre docentes, alunos e infra-estrutura. Acho que precisamos ampliar isso. Podemos buscar a avaliação por pares, os professores avaliando os professores.

Folha - A avaliação por pares irá gerar briga entre os professores...
Vilela -
Sim. Mas melhorar a qualidade de ensino passa necessariamente por um bom sistema de avaliação. E todas as avaliações são polêmicas.

Folha - Essa avaliação traria quais resultados? Pode influenciar na remuneração dos professores?
Vilela -
Entendemos que a avaliação é um instrumento de aperfeiçoamento e de definição de políticas, não de punição. Isso precisa ficar muito claro. A avaliação faz parte de um projeto de planejamento. E a idéia não é avaliar o indivíduo, mas o conjunto, o departamento. Isso permite que cada docente siga a sua vocação. Há docente que é excelente pesquisador, outro é excelente professor.

Folha - O que a senhora acha do Enade [exame do governo federal, que substituiu o provão]?
Vilela -
Ele é apenas um indicador, avalia somente o desempenho do aluno. Avaliação precisa ter um conjunto de indicadores, senão pode haver equívocos. A USP não participou dos dois anos do Enade porque ainda não conseguiu fazer a sua própria avaliação desse processo.

Folha - Pode vir a participar?
Vilela -
Estamos fazendo reuniões para tomar uma decisão.

Folha - Como a senhora avalia as políticas educacionais da gestão do presidente Lula?
Vilela -
Olha, prefiro não responder sobre isso.

Folha - O que a senhora acha da crise no governo federal?
Vilela -
É lamentável o que o país está passando, com todo esse constrangimento, essa suspeita de corrupção. Suspeita porque ainda precisa ser provada.

Folha - A senhora é filiada a algum partido?
Vilela -
Não e nunca fui.

Folha - No ano que vem, há eleição para governador, ao qual a USP está subordinada. Qual partido a senhora acha que seria o melhor para a universidade?
Vilela -
Precisamos ter bons governantes, éticos. É disso que o país precisa, independentemente de qual partido sejam.

Folha - Sobre a questão de a senhora ser a primeira reitora da USP, a senhora já sentiu discriminação na universidade?
Vilela -
Não sinto isso. Mas vejo que a mulher tem sempre de provar um pouco mais que ela tem valor. É uma dificuldade não na universidade, mas na sociedade.

Folha - A senhora é vaidosa?
Vilela -
[Rindo] Mulher é vaidosa. Os homens também são, mas escondem. Mas, sim, sou vaidosa. Mesmo porque os cargos que ocupei e ocupo exigem que eu tenha uma presença pessoal, exigem que eu seja vaidosa. Não posso vir aqui despenteada. Ser mulher é duro, viu? Se está mal-arrumada, todos comentam. Se é vaidosa, dizem que é fútil.

Folha - A senhora já falou em entrevista que gosta de filmes como "Uma Linda Mulher", "Titanic", livros de auto-ajuda...
Vilela -
[Rindo]É, recebi muitas críticas aqui por isso.

Folha - Como a senhora reagiu?
Vilela -
Tenho meu lado pessoal. E cada um tem as suas preferências, respeito aqueles que não têm as mesmas que as minhas.

Folha - A senhora é divorciada?
Vilela -
Sou.

Folha - Tem namorado?
Vilela -
Isso não vou responder. É muito pessoal.


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