|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª
SUELY VILELA
A primeira mulher a dirigir a principal universidade do país estabelece os 50% como meta para dez anos
Metade dos alunos da USP deve ser de escola pública, diz reitora
Flávio Florido/Folha Imagem
|
A reitora da USP, Suely Vilela, que defende que a USP trabalhe na melhoria do ensino médio e fundamental público |
FÁBIO TAKAHASHI
RICARDO MELO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando candidata à reitoria da
USP, Suely Vilela falava em aumentar o número de alunos de escolas públicas na universidade.
Ao ser escolhida para o cargo, ressaltou que essa inclusão era sua
prioridade. Agora, a primeira
mulher a dirigir a principal universidade do país estabelece uma
meta: fazer com que os estudantes
da rede pública ocupem metade
das vagas da USP em dez anos.
Atualmente esse percentual mal
chega a 20% dos aprovados no
vestibular, apesar de eles representarem 85% dos alunos do ensino médio paulista. Para mudar isso, estuda, por exemplo, implantar um sistema de pontuação para
ajudar o aluno da rede pública.
Vilela, 51, promete outra medida de impacto: intensificar as avaliações na universidade, de tal
modo que os professores da graduação sejam avaliados pelos seus
pares. É polêmica na certa, mas o
desafio parece não assustar quem,
na vida acadêmica, publicou inúmeros trabalhos sobre a ação do
veneno de serpentes -a reitora é
formada em farmácia.
Corintiana assumida, a reitora
recebeu a reportagem em seu gabinete na última quarta-feira, três
dias após o seu time ter vencido o
Campeonato Brasileiro. Vestia
calça preta e um blazer branco. "O
pessoal aqui brincou que eu vim
assim para comemorar, mas foi
só coincidência."
Nascida no interior de Minas
Gerais, Vilela manteve o bom humor até quando abordou as críticas com relação ao seu gosto por
filmes românticos e livros de auto-ajuda. Só mostrou desconforto
ao ser questionada sobre o governo Lula. Preferiu não responder.
Ela diz que nunca sofreu discriminação numa universidade em
que 65% dos docentes são homens. Mas afirma que mulher
"sempre tem de provar um pouco
mais". Arranjos de flores decoram o gabinete dela. A sala é ampla, possui até um pequeno jardim protegido por janelas. O tormento vem dos pernilongos.
"Acho que vou fazer uma reforma aqui, colocar uma tela, para
poder abrir a janela e não precisar
usar tanto o ar-condicionado",
disse. "Isso se der tempo, porque
estou vendo que o ritmo aqui..."
Nos próximos quatro anos, Vilela irá administrar uma instituição que possui 76 mil alunos,
5.000 docentes, 15 mil técnicos-administrativos e um orçamento
na casa de R$ 2,2
bilhões, além de
ter sido a única
universidade sul-americana a figurar no ranking das
200 melhores instituições de ensino
superior do mundo, feito neste ano
pela publicação
britânica "The Times Higher".
A seguir, os
principais trechos
da entrevista exclusiva concedida
à Folha.
Folha - A senhora
quer que a sua gestão seja lembrada
pelo quê?
Suely Vilela -
Vou investir muito na inclusão social. Mas também quero deixar
um modelo de gestão, não algo
que dure só o meu mandato. O
desafio é você trabalhar para o
longo prazo. Precisamos de um
planejamento estratégico.
Folha - Como será esse modelo de
gestão? O que deve ser mudado?
Vilela - Como somos uma autarquia pública, por si só já temos
uma administração que não flui
na velocidade que demandam a
pesquisa, o ensino e a extensão.
Isso é da própria legislação. Mas
precisamos buscar maneiras de
romper esses entraves. Precisamos olhar a universidade de forma integrada. Há diferentes grupos administrativos trabalhando
na mesma questão. Por exemplo,
na internacionalização [convênios com instituições do exterior].
Buscamos isso na graduação, na
pesquisa e na pós-graduação, mas
de uma forma que não é integrada. Cada um olha apenas a sua
área. O correto é, quando for fazer
uma minuta de convênio, trabalhar para que esse acordo seja para as três atividades.
Folha - E sobre a inclusão social.
Como fazer isso?
Vilela - Quero que a USP trabalhe na melhoria do ensino médio
e fundamental público. Vamos
incluir melhorando a formação
do aluno e do professor. Isso vai
refletir no ingresso na universidade. Podemos criar cursos para estudantes, professores e um pré-universitário, para o aluno do terceiro colegial. Nossos docentes e
pós-graduandos darão as aulas.
Folha - Qual será o tamanho desse projeto?
Vilela - Isso depende da disponibilidade de recursos. Obviamente
queremos que ele
cause impacto.
Não adianta fazer
para uma população pequena. Mas
precisamos de recursos extra-orçamentários, do governo ou de empresas. Provavelmente haverá
bancos que financiarão esse projeto, porque eles poderão ter alguma
isenção fiscal.
Folha - Esse projeto não pode tirar
o foco da produção
acadêmica da universidade?
Vilela - Não. A
USP vai continuar
na vanguarda do desenvolvimento da pesquisa e do conhecimento. Isso já está consolidado, há
convênios com agências de fomento. Esse processo caminha
naturalmente, independentemente do reitor. Mas, quando
olho a universidade, busco onde
não estamos colaborando efetivamente com a sociedade. A inclusão social e a qualidade da graduação precisam de uma ênfase
maior, porque é a própria universidade que mantém isso, não há
ajuda de fora, não há organismos
externos que financiam a graduação, por exemplo.
Folha - Qual seria o nível ideal
dessa inclusão social?
Vilela - É preciso traçar uma meta, que seja atingida de forma gradual. Temos de chegar aos 50%
[de alunos da escola pública na
universidade] dentro dos próximos dez anos, até para valorizar o
ensino público.
Folha - Para chegar a isso, pode
haver mudança no vestibular?
Vilela - Qual o desafio do vestibular? É não premiar apenas a informação, porque assim você não
privilegia uma determinada classe econômica [a mais alta]. É preciso também ver as habilidades
dos candidatos. Agora, como fazer isso? Estamos procurando.
Sou contra as cotas, a simples reserva de vagas. A entrada na universidade precisa privilegiar o
mérito acadêmico, o aluno precisa ter condição de acompanhar o
curso. Mas podemos até criar um
sistema de pontuação. Vamos supor que é preciso nota 7 para entrar na universidade. Aí,
você tem uma
faixa de alunos [da escola
pública] que
fica entre 6,5 e
6,9. Você poderia trabalhar essa diferença dando
uma pontuação [sistema
parecido com
o da Unicamp]. Mas
isso precisa
passar por
discussões.
Folha - A senhora fala em
seu plano de
gestão em
"prioridade
máxima" à graduação. Como
será isso na
prática?
Vilela - É investir numa formação que seja permanente. Não é
possível dar conteúdos programáticos para os próximos dez
anos, a sociedade de hoje se transforma constantemente. Que tipo
de profissional sobrevive nesse tipo de sociedade? É aquele que
possui uma formação científica
muito forte. Por isso, queremos
valorizar a iniciação científica,
porque vai dar uma formação crítica, abrangente, reflexiva. Não é
preciso dar inúmeros conteúdos,
porque isso vai se modificar rapidamente. Quando você tem um
aluno que formula hipóteses, que
busca respostas, ele se diferencia.
Não se pode especializar um aluno muito cedo. A minha opinião é
que quanto mais você especializa
o indivíduo, menor será a chance
de ele sobreviver no mercado. Ele
não saberá se moldar à realidade.
Folha - A USP acabou de criar a
USP Leste. Outros campi serão
construídos?
Vilela - Não estou pensando em
uma nova USP ainda. Bom, até já
pensei, mas, hoje, iniciando na
reitoria, temos de consolidar a
USP Leste, o que é um grande desafio. São 1.020 novas vagas a cada
ano, isso exige muitos recursos.
Expandimos de 6.800 vagas [no
vestibular] para quase 10 mil, agora precisamos consolidar esse
processo. Temos inúmeros compromissos [financeiros], inclusive
no campus 2 de São Carlos.
Folha - Haverá mudança no financiamento da universidade? Há a
possibilidade, por exemplo, de
criar uma taxa para o aluno?
Vilela - Defendo o modelo atual, em
que os alunos
não pagam
mensalidade.
Mas é importante que a
universidade
busque recursos extra-orçamentários.
Quero avançar
na relação da
USP com as
empresas, na
transferência
de tecnologia.
Isso pode gerar
recursos adicionais.
Folha - Nos
próximos quatro anos, certamente haverá
greves na universidade. O
que a senhora
pensa sobre esse mecanismo?
Vilela - Em situações delicadas
como a de uma greve, você precisa manter o diálogo com os diferentes segmentos. E mostrar qual
a realidade financeira. A minha
idéia é criar um grupo permanente que vai pensar esse relacionamento, e não deixar apenas para o
período próximo à época em que
devemos tratar a questão salarial.
Folha - O mecanismo de greve é
correto na sua opinião?
Vilela - Obviamente que para o
reitor esse não é o mecanismo
mais adequado, mas é legítimo, e
você tem de conviver com ele. O
importante é respeitar os limites.
Folha - A senhora já participou de
greves?
Vilela - Sim, de uma. Foi em
1981, quando estava iniciando a
carreira. Fora isso, sempre procurei estar nas minhas atividades.
Nunca fui envolvida em nenhum
movimento, nem no centro acadêmico. Não fui atuante politicamente nessa questão.
Folha - Haverá modificação na
avaliação dentro da universidade?
Vilela - Seria muito importante a
universidade trabalhar a avaliação interna, principalmente na
graduação. Hoje, temos apenas
alguns indicadores. Os estudantes
respondem a um pequeno questionário, com dez perguntas sobre
docentes, alunos e infra-estrutura. Acho que precisamos ampliar
isso. Podemos buscar a avaliação
por pares, os professores avaliando os professores.
Folha - A avaliação por pares irá
gerar briga entre os professores...
Vilela - Sim. Mas
melhorar a qualidade de ensino
passa necessariamente por um
bom sistema de
avaliação. E todas
as avaliações são
polêmicas.
Folha - Essa avaliação traria quais
resultados? Pode
influenciar na remuneração dos
professores?
Vilela - Entendemos que a avaliação é um instrumento de aperfeiçoamento e de definição de políticas, não de punição. Isso precisa
ficar muito claro.
A avaliação faz
parte de um projeto de planejamento. E a idéia não é
avaliar o indivíduo, mas o conjunto, o departamento. Isso permite que cada docente siga a sua
vocação. Há docente que é excelente pesquisador, outro é excelente professor.
Folha - O que a senhora acha do
Enade [exame do governo federal,
que substituiu o provão]?
Vilela - Ele é apenas um indicador, avalia somente o desempenho do aluno. Avaliação precisa
ter um conjunto de indicadores,
senão pode haver equívocos. A
USP não participou dos dois anos
do Enade porque ainda não conseguiu fazer a sua própria avaliação desse processo.
Folha - Pode vir a participar?
Vilela - Estamos fazendo reuniões para tomar uma decisão.
Folha - Como a senhora avalia as
políticas educacionais da gestão do
presidente Lula?
Vilela - Olha, prefiro não responder sobre isso.
Folha - O que a senhora acha da
crise no governo federal?
Vilela - É lamentável o que o país
está passando, com todo esse
constrangimento, essa suspeita de
corrupção. Suspeita porque ainda
precisa ser provada.
Folha - A senhora é filiada a algum partido?
Vilela - Não e nunca fui.
Folha - No ano que vem, há eleição para governador, ao qual a USP
está subordinada. Qual partido a senhora acha que seria o melhor para
a universidade?
Vilela - Precisamos ter bons governantes, éticos. É disso que o
país precisa, independentemente
de qual partido sejam.
Folha - Sobre a
questão de a senhora ser a primeira reitora da USP, a
senhora já sentiu
discriminação na
universidade?
Vilela - Não sinto
isso. Mas vejo que
a mulher tem
sempre de provar
um pouco mais
que ela tem valor.
É uma dificuldade
não na universidade, mas na sociedade.
Folha - A senhora
é vaidosa?
Vilela - [Rindo]
Mulher é vaidosa.
Os homens também são, mas escondem. Mas,
sim, sou vaidosa.
Mesmo porque os
cargos que ocupei e ocupo exigem
que eu tenha uma presença pessoal, exigem que eu seja vaidosa.
Não posso vir aqui despenteada.
Ser mulher é duro, viu? Se está
mal-arrumada, todos comentam.
Se é vaidosa, dizem que é fútil.
Folha - A senhora já falou em entrevista que gosta de filmes como
"Uma Linda Mulher", "Titanic", livros de auto-ajuda...
Vilela - [Rindo]É, recebi muitas
críticas aqui por isso.
Folha - Como a senhora reagiu?
Vilela - Tenho meu lado pessoal.
E cada um tem as suas preferências, respeito aqueles que não têm
as mesmas que as minhas.
Folha - A senhora é divorciada?
Vilela - Sou.
Folha - Tem namorado?
Vilela - Isso não vou responder.
É muito pessoal.
Texto Anterior: Para ONG, ação se resume a caso Dorothy Próximo Texto: Frase Índice
|