São Paulo, sábado, 12 de dezembro de 1998

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OPOSIÇÃO x GOVERNO
Presidente convidou petista para conversas até sobre a política econômica
Lula se encontra com FHC e admite discutir propostas

ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília

KENNEDY ALENCAR
Editor do Painel

DENISE MADUEÑO
da Sucursal de Brasília

Com dificuldades em sua base de apoio no Congresso, o presidente Fernando Henrique Cardoso convidou Luiz Inácio Lula da Silva para discutir a política econômica e tentar estabelecer uma nova convivência do PT com o governo no segundo mandato.
FHC e Lula conversaram e tomaram uísque por mais de duas horas, anteontem à noite, na parte íntima do Palácio da Alvorada. Foi o primeiro encontro dos dois desde a posse do presidente em janeiro de 1995. O governador Cristovam Buarque (DF) participou.
Ficou acertado um debate formal entre o governo e o PT, possivelmente na segunda quinzena de janeiro. As assessorias econômicas dos dois lados tentarão estabelecer uma pauta comum.
Conforme a Folha apurou, Lula criticou o acordo do Brasil com o FMI (Fundo Monetário Internacional), condenou a falta de investimentos na indústria e previu uma séria crise social em 99. A política econômica, disse, está levando o país a um "beco sem saída".
O presidente respondeu que não tinha alternativa, que acreditava "piamente" que fora correta a ida ao Fundo e que a comunidade internacional entendeu que a crise era mundial e o Brasil não poderia quebrar.
O presidente reclamou da irreverência de sua base aliada, das cobranças dos partidos que a compõem e defendeu enfaticamente a necessidade de uma reforma político-partidária.
Citou a votação da medida provisória das entidades filantrópicas, nesta semana, como exemplo de entendimentos pontuais possíveis entre governo e oposição.
Os dois elogiaram o governador reeleito Mário Covas (SP), que fará uma cirurgia na segunda-feira para retirada da bexiga e foi visitado ontem por FHC. Covas tem sido o principal defensor da aproximação do governo com as esquerdas.
Nessa fase da conversa, FHC agradeceu a Lula por não ter divulgado o "dossiê Caribe", sobre suposta conta que teria como beneficiários o presidente e líderes tucanos no exterior. E ambos condenaram Paulo Maluf, que tentou utilizar a papelada durante a campanha eleitoral.
Ao abrir um canal com o PT, o presidente mostra que pode trilhar um caminho mais independente no segundo mandato, aceitando inclusive discutir a até agora intocável política econômica.
Para Lula, é importante tentar acabar com a imagem de que lidera uma sigla que aposta no "quanto pior melhor" e que faz oposição intransigente, sem propostas.
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FHC pediu
A iniciativa do encontro partiu de FHC. Ele já havia telefonado para Lula no dia 10 de novembro, para agradecer sua posição no caso do dossiê, e vinha insistindo com Cristovam Buarque para intermediar o encontro.
O telefonema decisivo foi na noite de quinta-feira, para o celular de Lula, que estava num seminário do PT na Câmara. FHC disse que poderia ser um café-da-manhã ou um encontro em São Paulo.
Lula ficou em dúvida. Consultou ali mesmo o presidente do PT, José Dirceu, o deputado José Genoino (SP) e o deputado eleito Aloizio Mercadante (SP). Os três foram reticentes. Mesmo assim, Lula marcou o encontro -que foi até a 1h30 de ontem- para o mesmo dia.
Ontem, ele comunicou sua ida ao Alvorada para a bancada petista, no final do seminário. Disse que havia sido "uma conversa informal, sem agenda", que caberia ao presidente da República divulgar seu teor e que encontros posteriores passariam pelo partido.
A reação do Palácio do Planalto veio do porta-voz Sérgio Amaral: "Quem ganha é o país", disse, no "briefing" diário.
"Se houver entendimentos entre as diferentes correntes, nós poderemos avançar mais rápido. Sobretudo quando se trata de superar uma crise", disse Amaral, acrescentando que o presidente "por sua própria natureza e por convicção política sempre buscou diálogo nas mais diferentes forças políticas do país".
Lula também falou rapidamente sobre o encontro: "Conversamos amenidades. Àquela hora da noite, não dava para chegar a um acordo. Achei melhor falar sobre o Corinthians, porque a gente ganharia mais", declarou.
Ele tentou justificar o apoio de FHC ao manifesto dos presidentes de países do Mercosul contra a extradição do ex-ditador chileno Augusto Pinochet. "Como chefe de Estado, (FHC) tem muito menos liberdade do que eu, que sou da oposição, para se manifestar", afirmou o petista.
Para José Dirceu, "a bola agora está com o presidente, que decidirá se vai ficar conversando apenas com sua base aliada fisiológica ou se quer conversar com o PT, com os partidos de oposição e com a sociedade".
Genoino disse que "a crise é tão grave que é até uma responsabilidade abrir o diálogo". Mercadante considerou o encontro "positivo".
O intermediador Cristovam Buarque comemorou: "Estamos abrindo uma nova etapa no país. Dialogar não é aderir".
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Colaborou
Renata Giraldi, da Sucursal de Brasília





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