São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2002

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SUCESSÃO PAULISTA

Petista diz que pobreza não é causa da violência, pede autocrítica da esquerda e se coloca contra fim da PM

Candidato, Genoino defende Rota na rua

FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Candidato pelo PT ao governo de São Paulo, o deputado federal José Genoino, 55, quer uma repressão mais dura à criminalidade, com a Rota (esquadrão de elite da Polícia Militar) nas ruas de forma atuante.
"Uma política de direitos humanos não deve impedir a Rota de agir com energia e força", diz Genoino, para quem a pobreza não pode ser apontada como causa única da violência.
Expoente da ala mais moderada do PT, o deputado busca colocar sua candidatura no centro do debate sobre a segurança pública, bandeira normalmente associada à direita e com a qual seu partido não tem grande intimidade.
Ao fazê-lo, Genoino destoa do figurino tradicional da esquerda e de posições do próprio PT. Coloca-se contra a extinção da Polícia Militar, diz que lugar de policial é na rua e não para fazer assistencialismo social.
O deputado promete ainda, se eleito governador, colocar na Secretaria de Segurança Pública alguém que fale a "linguagem da corporação". Mostra predileção por um policial para a pasta e praticamente descarta nomear um jurista ou um promotor, como costuma acontecer em governos de esquerda. "E certamente não será [alguém" do PT", afirma.
Ex-guerrilheiro pelo PC do B na região do Araguaia, nos anos 70, Genoino diz não temer que tal fato venha à tona durante a campanha. "Vou para a campanha com o corpo aberto", diz. Com 5% das intenções de voto, bem atrás de Geraldo Alckmin (PSDB) e Paulo Maluf (PPB), que lideram, o petista admite discutir a prisão perpétua. A seguir, a entrevista:

 

Folha - Quem o PT vê como mais vulnerável na área de segurança pública, Alckmin ou Maluf?
Genoino -
Os dois são. O Alckmin porque está há sete anos no governo e o balanço é trágico para São Paulo. Há uma polícia desorientada, que perdeu a guerra para o crime. O Maluf, porque o discurso dele é o da violência impotente. Você faz barulho, mas o barulho não tem eficácia. Numa ponta, a segurança tem de ter a repressão. Na outra, a articulação com as secretarias sociais. Tem de haver uma polícia comunitária, entrosada com a população. Quando tem um incidente grave, ela própria chama a força, a repressão, a Rota, o Garra.

Folha - A Rota tem de existir?
Genoino -
Tem de existir, mas tem que ir para a rua a partir de informação dirigida, de alvo preciso. De comando competente.

Folha - Esse não é o discurso do Maluf?
Genoino -
O discurso dele é o barulho. Você não pode espalhar só a força. A força tem de ser usada com objetivo determinado. O Maluf faz barulho. É o discurso da ineficiência. Se você não tiver um bom sistema de telecomunicações, de perícia, de sistema eletrônico, a ação fica dispersa. E tem de ter autoridade, disciplina, mão dura para que a polícia estimule a defesa da sociedade dizendo: "Olha, bandido não manda".

Folha - E como conciliar autoridade com o respeito aos direitos humanos, uma bandeira cara ao PT?
Genoino -
Os direitos humanos devem presidir o governo. São uma conquista da civilização. Presidir não significa inibir a polícia, favorecer o bandido, o tráfico. É possível ter uma política de direitos humanos e uma polícia eficiente. Uma boa polícia não é a que sai batendo indiscriminadamente, mas a que age no momento certo, no lugar certo. Tem de separar o uso da força, que é legítimo, do uso da violência, que é sair fazendo guerra. Quero fazer essa discussão no PT. Uma política de direitos humanos não deve impedir a Rota de agir com energia e com força. Não pode impedir a polícia de investigar. Tudo tem de ser feito com critério.

Folha - O governo estadual criou o Proar [plano que tira da rua policial envolvido em morte". Caso eleito, o sr. o manteria?
Genoino -
Eu me disponho a rever esse programa. Tem coisas positivas, mas tem negativas. Você não pode generalizar. Tem determinadas ações em que a polícia é obrigada à autodefesa. Não é por toda morte que o policial precisaria passar pelo programa. Você tem de separar o que é erro, perversidade, do que é circunstância de uma ação delicada da polícia.

Folha - Qual seria o perfil do seu secretário de Segurança Pública?
Genoino -
Tem de ter autoridade e entender de polícia. Entender do assunto, das regras, da formação, da convivência com a polícia.

Folha - Tem de ser um policial?
Genoino -
O importante é conhecer o assunto. Tem de entender de armas, de tropa, de investigação. Você não pode tratar Segurança como outro cargo. O secretário tem de ser do ramo. Não podemos criar a idéia de que tem de ser sempre promotor ou jurista.

Folha - Que é uma característica de governos de esquerda, não?
Genoino -
Nós temos de reavaliar essa questão. Você não pode ter preconceito com quem é militar, policial. Assim como a direita tem preconceito em botar promotor ou jurista, a esquerda não pode ter preconceito em colocar um militar ou policial de carreira.

Folha - Mas o PT tem quadros com esse perfil para ser secretário?
Genoino -
Nem tem, nem precisa ter. O que precisa é tirar alguém dos quadros da polícia, com competência. Não precisa ser do PT. Aliás, certamente não será do PT. A condição de filiado não é exigência para ser secretário.

Folha - O sr. não vai colocar um petista num cargo dessa importância? O partido vai aceitar?
Genoino -
Temos de mudar esse conceito. O PT hoje é um partido cada vez mais amadurecido. Em se tratando de segurança, não pode ter critério político para nomear. Porque, na tropa, complica.

Folha - O governo gaúcho, do PT, passa justamente por um processo de crise de autoridade na área de segurança. Que avaliação o sr. faz?
Genoino -
Nós tivemos experiências positivas no governo petista de Brasília e temos no Acre e em Mato Grosso do Sul. E estamos construindo uma experiência no Rio Grande do Sul com alguns pontos positivos, como a integração das polícias, de regimento. E temos tido falhas, de inexperiência. Tivemos falha no episódio [em gravação, o militante petista Diógenes de Oliveira pede ao então chefe da polícia que tenha menos rigor contra o jogo do bicho". Aquilo não pode ocorrer, foi nitidamente questionamento da autoridade. Quem é eleito não pode ter a autoridade questionada.

Folha - Quem garante que isso não vai se repetir em São Paulo?
Genoino -
Não vai. Tivemos uma experiência negativa no episódio gaúcho, e o PT tem de aprender profundamente com ela. Aquilo não aconteceria no meu governo. De maneira nenhuma. Quem se relaciona com a polícia é o governador ou o secretário. Qualquer ação por fora está proibida e, se acontecer, tem de cortar na carne. Se você não comandar com cabresto curto, perde a autoridade com a polícia. Nós temos de mudar a nossa cultura. A esquerda tem o grande desafio de entender de segurança. Tem de buscar a renovação.

Folha - Que renovação?
Genoino -
Por exemplo, você não pode trabalhar com a idéia que tivemos no passado de unificar as polícias Civil e Militar. Temos de ter uma visão de integração, mas montada no tripé Polícia Civil, Técnico-Científica e Militar. Integrada no comando central, no banco de dados, mas com características diferenciadas.

Folha - Mas o PT não defende desmilitarizar a polícia?
Genoino -
Polícia Militar tem de ser desmilitarizada em termos de não deixar ela ter a concepção de guerra. Agora, ter uma estrutura militar com hierarquia, capacidade de mobilização, de emprego, tudo bem. O aparato militar na segurança pública é uma exigência no enfrentamento da criminalidade moderna. Tem momentos em que um batalhão, uma companhia são necessários.

Folha - O sr. foi guerrilheiro. Levantou-se contra o Exército e a polícia. Esse fato não poderia minar sua autoridade sobre a polícia?
Genoino -
Pelo contrário. O fato de eu ter participado de uma fase da resistência a um regime ditatorial e repressivo, ter mudado sem mudar de lado e ter aprendido a me relacionar com os militares sem ódio e rancor mostra um amadurecimento. Mostra também capacidade de entender de um assunto que exige dedicação, esforço e moderação. Exatamente por eu ter tido essa experiência, quando falo do assunto, a fala tem credibilidade. Não tenho telhado de vidro. Vamos fazer uma campanha franca, sem omitir nada.

Folha - É preciso também haver penas mais severas, com uma reforma do Código Penal?
Genoino -
Sim, para crimes hediondos. Sou favorável a aumentar o limite de cumprimento de pena que hoje é de 30 anos.

Folha - E prisão perpétua?
Genoino -
Depende do tipo de crime, do tipo de reincidência. Estou aberto a discutir essa questão. É preciso endurecimento do Código em alguns pontos. Na outra ponta, você tem a prevenção. Atenua, cria um amortecedor.

Folha - O PT coloca pouca ênfase na repressão?
Genoino -
Eu quero alterar esse discurso. Para dizer o seguinte: criminalidade você resolve com prevenção, investigação e repressão. Nós não podemos culpar a pobreza pela violência. Esse é um erro. O abandono, a falta da presença do Estado estimulam, criam o caldo de cultura. Mas a pobreza não é responsável. A esquerda tem de dizer o seguinte: não abrimos mão dos direitos humanos, mas o Estado tem de ser forte na repressão.

Folha - Com este tipo de posicionamento, o sr. não teme se igualar a Alckmin ou a Maluf?
Genoino -
Eu estou fazendo crítica radical ao tucanato e ao malufismo. Entre a falência do tucanato e o barulho do malufismo, temos de ter uma outra alternativa. E quero ser protagonista dessa alternativa, que combina repressão e direitos humanos, eficiência e respeito às regras, autoridade com visão humanista. Segurança pública não pode ser um tema que coloque a esquerda na defensiva. Quem tem de ir para a defensiva são Maluf e Alckmin.


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