São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

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TODA MÍDIA

Da tragédia ao "drama"

NELSON DE SÁ

No correr do dia, o número de mortos em São Bernardo do Campo, com os deslizamentos, foi subindo de sete ao meio-dia, na Globo, para oito no fim da tarde, na Globo News, para nove no início da noite, no UOL e nos telejornais, e até para dez, sem confirmação, na CBN.
Era o mesmo número de mortos do deslizamento na Califórnia, mas a tragédia no ABC só foi noticiada por aqui, enquanto as imagens do ator-governador Arnold Schwarzenegger nos EUA, observando do alto, de seu helicóptero, rodavam mundo.

 

O SPTV, da Globo, ouviu as prefeituras de São Bernardo e São Paulo, especulou sobre o que poderia ter sido feito para evitar as mortes -e abordou aqui e ali, com testemunhos, a morte das crianças.
Já o popularesco Brasil Urgente, da Band, apontou o dedo para prefeitura de São Bernardo, governo estadual, governo federal e acrescentou:
- Ninguém tem culpa? Como é que pode?
Sem saber de quem cobrar, culpou a todos.
 

Pior fez o Cidade Alerta, da Record, com locução "em tempo real" e os corpos de uma menina e seus pais:
- Cadê os pais dela? Estão aqui, sendo retirados.
Não faltou suspense. Sobre a mãe que não sabia que os quatro filhos haviam morrido:
- A mãe espera. Quem dará a notícia a dona Maurícia?
O "drama de dona Maurícia" se prolongou:
- A mãe não sabia. Todos os filhos estavam mortos.
Até que mostraram a mãe chorando, ao descobrir. O Jornal Nacional, a bem da verdade, fez o mesmo.
Para encerrar, o Cidade Alerta se descontrola:
- Você vê este cãozinho? Está deitado exatamente onde morava. É o Beethoven. O que é a fidelidade do animal, a lealdade. O cachorrinho fica aí esperando, como se aquelas crianças fossem ressuscitar.

SAI O BISPO

amiciguatemala.it/Reprodução
Imagem que acompanha entrevista de Casaldáliga


O espanhol "El País" noticiou que "o Vaticano exige que d. Pedro Casaldáliga deixe a diocese antes de indicar substituto". E assim deve sair nos próximos dias ou semanas, às pressas, o mítico bispo de São Félix do Araguaia, poeta, parceiro de Milton Nascimento, nascido na Espanha, há três décadas no Brasil.
 

É mítico para as esquerdas latino-americanas. Corre por sites engajados de toda a região a entrevista que Casaldáliga deu dias atrás à mais recente edição do jornal e site "Brasil de Fato", ligado aos sem-terra. O bispo não poupa o governo Lula, com avaliações como:
- Desgraçadamente, a política indigenista, a política rural e a reforma agrária, neste governo, se empurram com a barriga... Tenho que reconhecer que o governo está sendo neoliberal... Hoje, falar mal do agronegócio se converteu em pecado mortal. Pode haver agronegócio, pode-se plantar soja, mas não como monocultura desenfreada... Todo o mundo teve paciência nos dois primeiros anos, agora muitos se cansaram.
E por aí foi, falando da "política entreguista".

Impasse
Em contraste com o "Wall Street Journal", o "Financial Times" e o site da Bloomberg deram reportagens bem menos otimistas quanto ao sucesso da reestruturação da dívida da Argentina, a partir de amanhã.
No título do "FT", "persiste o impasse entre argentinos e credores". No da Bloomberg, "credores da Argentina devem rejeitar reestruturação".

O exemplo
Por aqui, a moratória argentina já chega ao discurso político. Ontem, em comercial, o ex-governador paulista Orestes Quércia dizia que o Brasil está crescendo, mas o crescimento é menor que o da Argentina. E que seu partido, o PMDB, decidiu por isso, pelo desenvolvimento, na convenção que não foi.

"A coragem"
Por outro lado, como espalharam despachos das agências por diversos sites americanos e latino-americanos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra pediu ao presidente Lula que siga o exemplo, não da Argentina, mas da Venezuela.
E que tenha "a coragem de Hugo Chávez" para fazer valer, afinal, a reforma agrária.

Duopólio
Estados Unidos e União Européia concordaram em negociar para derrubar os subsídios estatais às indústrias aeronáuticas de ambos, vale dizer, à Boeing e à Airbus. Mas o "Wall Street Journal" disse que tem mais:
- Diminuir o apoio é uma tarefa delicada. Se Boeing e Airbus estão preocupadas com os subsídios uma da outra, elas também estão atentas a outros países com aspirações em aviação. Brasil, Canadá, China e Rússia subsidiam suas indústrias e poderiam abalar o duopólio.

Cachaça
Uma boa notícia, por assim dizer. Anunciava-se ontem, em sites de relações públicas, ou seja, informação não-jornalística, que os EUA "reconheceram e classificaram" uma cachaça brasileira como tal -e não como um tipo de rum. É uma velha e algo curiosa curiosa demanda dos produtores brasileiros.

Honestidade
E o "Los Angeles Times" deu longa reportagem sobre o esforço de feministas brasileiras, para tirar do Código Penal as referências a "mulheres honestas", que tanto vem "ajudando a libertar estupradores" por aqui.


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