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São Paulo, quinta-feira, 13 de fevereiro de 2003

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CELSO PINTO

O risco de um impasse na Alca

A decepção brasileira com as propostas básicas dos Estados Unidos para a Alca, anunciadas anteontem, reforça o pessimismo de alguns círculos com o futuro das negociações. Uma fonte muito próxima ao núcleo de decisão do governo sobre essa questão está convencida de que as negociações estão se encaminhando para um impasse. Não serão rompidas, mas não avançarão.
Não é uma questão ideológica, de aversão ao livre comércio. Bennett Harman, assessor de Robert Zoellick para a América Latina, participou, na sexta-feira, de um seminário internacional sobre a região em Atlanta, organizado pelo World Paper. Não poupou elogios à disposição do governo Lula de negociar. "As indicações são positivas", disse. "Lula deixou bastante claro que quer um bom acordo para o Brasil. Nós recebemos bem o desejo brasileiro de defender fortemente seus interesses: nós faremos o mesmo." Harman afirma que não restou nenhum ressentimento da troca de farpas, no passado, entre Lula e o representante (ministro) comercial americano, Robert Zoellick.
A questão é pragmática, como colocou, com impressionante franqueza, o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Barbosa, no mesmo seminário. "Nós queremos um acordo real de livre comércio, não um acordo de semilivre comércio", disse.
Um acordo real exige algumas condições mínimas mencionadas por ele e que não foram atendidas na proposta americana, terça-feira. Das exportações brasileiras aos Estados Unidos, 63% entram com tarifa zero e 27% são "duramente protegidas" com sobretarifas, cotas etc. Os Estados Unidos aceitam zerar de imediato tarifas de 58% dos produtos industriais e 50% dos agrícolas do Mercosul. O que pode excluir exatamente os produtos mais "sensíveis", para os quais a tarifa pode ser zerada em mais de dez anos.
Os Estados Unidos dizem que "está tudo na mesa" e tudo pode ser negociado. "É verdade, mas não na mesa das Américas: todas as restrições e os produtos agrícolas os americanos só aceitam negociar no âmbito da Organização Mundial de Comércio, em Genebra." Uma das regras da negociação da Alca é a do "single undertaking": nada estará acertado se tudo não for acertado. Com sua posição, disse o embaixador, os Estados Unidos criaram um super "single undertaking": "se nada for acertado em Genebra, nada será acertado na Alca".
As negociações na OMC vão muito mal. Não houve progressos expressivos nas discussões na área agrícola e de regras restritivas. Sem isso, "não haverá acordo equilibrado em Genebra" e, sem acordo na OMC, não haverá Alca.
Barbosa criticou, também, o governo americano "por introduzir um novo elemento não previsto" ao negociar, em paralelo, acordos bilaterais com o Chile, os países andinos e a América Central, o que isolou o Mercosul. Primeiro, porque as concessões dadas a estes países não serão aplicadas aos outros parceiros. Depois, porque os americanos estão conseguindo acertar condições em alguns destes acordos que são precedentes inaceitáveis para o Brasil na Alca. Por exemplo, vincular, como no acordo com o Chile, o não-cumprimento de condições ambientais e de mão-de-obra a sanções comerciais. O Brasil, segundo o embaixador, pode até aceitar cláusulas ligadas a meio ambiente e mão-de-obra, mas não sanções, porque acabam sendo formas veladas de protecionismo.
Harman defendeu esses acordos bilaterais como uma forma de "liberalização competitiva", que pode "criar uma dinâmica saudável". "Significa que não se põem todos os ovos na mesma cesta", comparou, lembrando que, quando os americanos negociaram o Nafta, com o México e o Canadá, estavam negociando a Rodada Uruguai no Gatt.
Na prática, os interesses regionais são muito diferentes e acordos com países ou blocos da região podem ser muito bem recebidos por eles, mas não interessarem ao Brasil. Barbosa, no ano passado, levantou a hipótese de o Mercosul negociar um acordo bilateral com os Estados Unidos, idéia endossada pelo senador Aloizio Mercadante. Ele explica, contudo, que essa foi uma sugestão pessoal e não reflete a posição oficial do governo Lula.
Com todos esses problemas, o fato é que 51% das exportações brasileiras vão para as Américas. Se os Estados Unidos fecharem acordos com todos, exceto o Mercosul, o Brasil perderá a preferência de acesso que hoje tem em países da região. Razão pela qual deseja um acordo de livre comércio, mas equilibrado.
"Nós não somos contra os Estados Unidos", disse o embaixador. "Eles estão defendendo seus interesses, o que é normal, não estou reclamando." Harman reconhece que, para ter um acordo, é preciso a percepção de que é "uma situação em que todos ganham". No momento, essa percepção é escassa no Brasil.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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