|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CELSO PINTO
O risco de um impasse na Alca
A decepção brasileira
com as propostas básicas
dos Estados Unidos para a Alca,
anunciadas anteontem, reforça
o pessimismo de alguns círculos
com o futuro das negociações.
Uma fonte muito próxima ao
núcleo de decisão do governo
sobre essa questão está convencida de que as negociações estão
se encaminhando para um impasse. Não serão rompidas, mas
não avançarão.
Não é uma questão ideológica, de aversão ao livre comércio.
Bennett Harman, assessor de
Robert Zoellick para a América
Latina, participou, na sexta-feira, de um seminário internacional sobre a região em Atlanta,
organizado pelo World Paper.
Não poupou elogios à disposição do governo Lula de negociar. "As indicações são positivas", disse. "Lula deixou bastante claro que quer um bom
acordo para o Brasil. Nós recebemos bem o desejo brasileiro
de defender fortemente seus interesses: nós faremos o mesmo."
Harman afirma que não restou
nenhum ressentimento da troca
de farpas, no passado, entre Lula e o representante (ministro)
comercial americano, Robert
Zoellick.
A questão é pragmática, como
colocou, com impressionante
franqueza, o embaixador do
Brasil nos Estados Unidos, Rubens Barbosa, no mesmo seminário. "Nós queremos um acordo real de livre comércio, não
um acordo de semilivre comércio", disse.
Um acordo real exige algumas condições mínimas mencionadas por ele e que não foram atendidas na proposta
americana, terça-feira. Das exportações brasileiras aos Estados Unidos, 63% entram com
tarifa zero e 27% são "duramente protegidas" com sobretarifas, cotas etc. Os Estados Unidos aceitam zerar de imediato
tarifas de 58% dos produtos industriais e 50% dos agrícolas do
Mercosul. O que pode excluir
exatamente os produtos mais
"sensíveis", para os quais a tarifa pode ser zerada em mais de
dez anos.
Os Estados Unidos dizem que
"está tudo na mesa" e tudo pode ser negociado. "É verdade,
mas não na mesa das Américas:
todas as restrições e os produtos
agrícolas os americanos só aceitam negociar no âmbito da Organização Mundial de Comércio, em Genebra." Uma das regras da negociação da Alca é a
do "single undertaking": nada
estará acertado se tudo não for
acertado. Com sua posição, disse o embaixador, os Estados
Unidos criaram um super "single undertaking": "se nada for
acertado em Genebra, nada será acertado na Alca".
As negociações na OMC vão
muito mal. Não houve progressos expressivos nas discussões
na área agrícola e de regras restritivas. Sem isso, "não haverá
acordo equilibrado em Genebra" e, sem acordo na OMC,
não haverá Alca.
Barbosa criticou, também, o
governo americano "por introduzir um novo elemento não
previsto" ao negociar, em paralelo, acordos bilaterais com o
Chile, os países andinos e a
América Central, o que isolou o
Mercosul. Primeiro, porque as
concessões dadas a estes países
não serão aplicadas aos outros
parceiros. Depois, porque os
americanos estão conseguindo
acertar condições em alguns
destes acordos que são precedentes inaceitáveis para o Brasil na Alca. Por exemplo, vincular, como no acordo com o Chile, o não-cumprimento de condições ambientais e de mão-de-obra a sanções comerciais. O
Brasil, segundo o embaixador,
pode até aceitar cláusulas ligadas a meio ambiente e mão-de-obra, mas não sanções, porque
acabam sendo formas veladas
de protecionismo.
Harman defendeu esses acordos bilaterais como uma forma
de "liberalização competitiva",
que pode "criar uma dinâmica
saudável". "Significa que não se
põem todos os ovos na mesma
cesta", comparou, lembrando
que, quando os americanos negociaram o Nafta, com o México e o Canadá, estavam negociando a Rodada Uruguai no
Gatt.
Na prática, os interesses regionais são muito diferentes e
acordos com países ou blocos da
região podem ser muito bem recebidos por eles, mas não interessarem ao Brasil. Barbosa, no
ano passado, levantou a hipótese de o Mercosul negociar um
acordo bilateral com os Estados
Unidos, idéia endossada pelo
senador Aloizio Mercadante.
Ele explica, contudo, que essa
foi uma sugestão pessoal e não
reflete a posição oficial do governo Lula.
Com todos esses problemas, o
fato é que 51% das exportações
brasileiras vão para as Américas. Se os Estados Unidos fecharem acordos com todos, exceto o
Mercosul, o Brasil perderá a
preferência de acesso que hoje
tem em países da região. Razão
pela qual deseja um acordo de
livre comércio, mas equilibrado.
"Nós não somos contra os Estados Unidos", disse o embaixador. "Eles estão defendendo
seus interesses, o que é normal,
não estou reclamando." Harman reconhece que, para ter
um acordo, é preciso a percepção de que é "uma situação em
que todos ganham". No momento, essa percepção é escassa
no Brasil.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
Texto Anterior: No Ar - Nelson de Sá: A guerra e o "boom" Próximo Texto: Ajuste petista: Cortes deixam gastos da saúde abaixo do fixado por emenda Índice
|