São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

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NO PLANALTO

Aos 25, ex-PT redescobre a alegria de viver

JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

A idade mexeu com os hormônios do ex-PT. Ele vive, aos 25, a crise etária dos 40. Traz na cara aquele jeitão ávido de quem perdeu muito tempo na vida. Daí ter aceito sem hesitações o convite do poder para viver novas aventuras.
Já vão longe os dias em que a esquerda comia criancinhas. O ex-PT prefere agora ser consumido por velhacos. Reage com naturalidade singular às relações plurais. Os contatos grupais parecem proporcionar-lhe enorme prazer. Mesmo quando praticado com parceiros detestáveis.
Menos enrustido, mais assumido, o ex-PT faz questão de experimentar novas posições. Sobretudo as posições ideológicas mais exóticas. Entrega-se a elas sem medo do ridículo. E sem limites à perversão.
Entre estupefacto e extasiado, o eleitorado de Lula faz fila para espiar através das seteiras. Mas é do telhado de vidro que se tem o melhor ângulo. Dali, a visão do strip-tease é irrestrita. A parte da anatomia do ex-PT que se revela mais sedutora é o calcanhar-de-aquiles, assediado por múltiplos e contraditórios interesses.
A atmosfera de volúpia assanhou a indústria da maledicência, único empreendimento a progredir em Brasília. O ex-PT teve problemas em casa. Superou-os a muque. Hoje, as discussões entre petistas diminuíram muito. Na verdade, mal se falam.
Para preservar a harmonia partidária, evitando novos problemas de relacionamento, o ex-PT aproveita o jubileu de prata para organizar uma enquete interna. Algo que permita ajustar a maleabilidade dos quadris do partido à vontade coletiva de seus filiados.
O questionário está praticamente pronto. O penúltimo esboço, que ainda precisa ser aprovado por Duda Mendonça, está assim:

1) O PT fez bem em livrar-se da esquerda porque:
a) ela não saberia manejar os talheres em jantares de cerimônia;
b) ela não distingue um bom borgonha de uma pinga ordinária;
c) na primeira reunião com os partidos aliados, ela chamaria a polícia.
2) Do ponto de vista ideológico, o governo Lula é:
a) não me venha com patrulha ideológica;
b) não me aborreça com detalhes;
c) melhor submeter a questão a um grupo de trabalho.
3) A expulsão de petistas rebeldes é auto-explicável porque:
a) caçadores de bruxas não dão explicações, só apontam o dedo;
b) qualquer um pode virar bruxa, desde que o caçador aponte;
c) todos -das crianças aos idiotas- entendem de bruxas e caçadores.
4) Os insurretos podem ser reintegrados ao partido desde que:
a) provem que são capazes de engolir sapos sem sofrer indigestão;
b) prometam não fazer mais manifestações públicas, a não ser de apoio;
c) jurem que irão do Congresso direto para a cama, depois de rezar um Pai Nosso.
5) As barganhas com o PMDB são necessárias porque:
a) alguém precisa fazer o trabalho sujo;
b) nenhuma outra legenda faz o mal tão bem;
c) uma mão suja a outra.
6) Os juros não podem cair porque:
a) os banqueiros pegariam em armas;
b) os bancos não saberiam como lidar com lucros apenas fabulosos;
c) na era da espoliação sem remorso, usura não é mais pecado.
7) Para mostrar que não é Pedro Malan, Antonio Palocci deve:
a) entregar tudo ao FMI antes que ele se atreva a exigir qualquer coisa;
b) impor aos inspetores do Fundo luz vermelha na alfândega;
c) trocar as fechaduras do Ministério da Fazenda.
8) Lula é claramente melhor do que o FHC porque:
a) come buchada de bode sem fazer cara de nojo;
b) cumpriu só dois anos de mandato;
c) lê "Reinações de Narizinho" no original.
9) O desempenho do governo Lula é:
a) excelente;
b) excelente;
c) todas as anteriores.
10) Parte da imprensa teima em criticar o governo porque:
a) é cega;
b) está insatisfeita com o toma-lá-dá-cá, embora o fisiologismo não tenha aumentado. Continua nos mesmos 100%;
c) o mau humor do Clóvis Rossi é incurável.
11) Quando for -obviamente, sem nenhuma dúvida- reeleito, Lula deve:
a) comprar um AeroLula reserva;
b) nomear uma equipe de resgate para tentar localizar o PT, desaparecido desde janeiro de 2003;
c) aproveitar o tempo extra de ócio para assistir aos discursos de um velho sindicalista chamado Luiz Inácio Lula da Silva.


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