São Paulo, domingo, 13 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Não rias do FMI, Argentina

Saiu um livraço nos Estados Unidos. Chama-se "E o Dinheiro Continuou Entrando (e Saindo) - Wall Street, o FMI, e a Bancarrota da Argentina". Seu autor é o jornalista Paul Blustein, do "Washington Post". Ele já escreveu "O Castigo" (editado no Brasil), onde contou como o FMI desgraçou a vida de centenas de milhões de pessoas durante a crise asiática de 1997.
O título do novo livro de Blustein saiu de duas falas do Che Guevara no musical "Evita". Baseia-se em mais de cem entrevistas com a cúpula do FMI, a ekipekonômica argentina e os sábios do mercado. Vai de 1991, quando o presidente Carlos Menem equiparou o peso ao dólar, até 2002, quando a paridade foi abandonada com o país na bancarrota e metade da população na miséria.
Blustein mostra que a turma do andar de cima da economia mundial se diverte à custa da patuléia cá de baixo. Dois exemplos:
Em 1992, quando Carlos Menem era rei, o economista-chefe do FMI, Michael Mussa, disse a um argentino de sua equipe que estava voltando para Buenos Aires para trabalhar com o presidente do Banco Central, Roque Fernandez: "Diga ao Roque para cair fora enquanto ele está numa boa".
Em agosto de 2001, o país ia para o ralo. Glenn Hubbard, presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, estava em casa falando ao telefone com George W. Bush. A conversa era atrapalhada pelo choro e pela voz de uma criança. Era Will, o filho de três anos de Hubbard. O economista explicou ao presidente: "Ele está chorando pela Argentina".
Apesar do róseo lero-lero da banca, a idéia da reestruturação da dívida argentina não saiu da cabeça dos opositores da paridade. Ela começou a ser discutida no FMI em novembro de 2000. Chamava-se "Plano Gamma". Em outubro de 2001, os banqueiros tentaram transformar parte da dívida em anéis de fumaça. Seu arquiteto era o doutor William Rhodes, do Citibank. Nesses dias, o FMI mandou secretamente para Buenos Aires o economista Mathew Fisher, vulgo "papa-defunto". Levava uma proposta pela qual os credores entregariam algo entre 30% e 40% do valor de seus papéis. Não deu certo.
Blustein é um grande jornalista e escritor elegante. Por mais duras que sejam suas conclusões, não há nelas viés satanizante. Com algum gosto, dá a palavra ao atual ministro da Economia argentino, Roberto Lavagna, para falar dos riscos do andar de baixo:
"O pior momento é aquele quando o mercado financeiro está com dinheiro sobrando. É nessa hora que os países cometem seus piores erros".

FFFHHH 2006
Um curioso que foi atrás da agenda e das recentes conversas de FFHH chegou a duas conclusões: °°°1) Ele é candidato a presidente da República. °°°2) Junto com sua candidatura vem a promessa de que, por sua vontade, ficará só quatro anos. Assumiria com 75 anos e terminaria o mandato com 79. °°°Nesse caso, depois de chegar ao poder em 1995 como FHC, transformando-se quatro anos depois em FFHH, ele poderá reencarnar como FFFHHH em 2006. A idéia de um retorno do príncipe para desmanchar o instituto da reeleição seria uma boa contribuição ao ordenamento político nacional. Pena que tanto ele quanto Lula tenham repetido que eram contra a reeleição. Quando chegaram aos roupões de algodão egípcio, esqueceram o que escreveram, o que leram, o que disseram e o que pensaram.

Recordar é viver
O comissário José Eduardo Dutra, da Petrobras, vai à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado para falar sobre o rombo de R$ 8,3 bilhões do fundo de pensão Petros. Será confrontado com diversas promissórias que deixou por lá. Elas remontam ao escândalo da violação do painel da votação que cassou o senador Luiz Estevão, em junho de 2000. Dutra era líder do PT e teria sido avisado de que sua colega Heloísa Helena votara em favor de Estevão. Ele negou que tivesse recebido a informação. Se a tivesse ouvido, teria sabido que o painel estava bichado, sem alertar a companheira senadora e os demais colegas.

Caso de som
Definição ouvida por aí: "Lula é o FFHH com buzina". (A piada deve crédito ao falecido chanceler Azeredo da Silveira. É dele, nos anos 70, a frase: "O México é o Canadá com buzina".)

UniLula
Lula defendeu os gastos sociais do governo, argumentando que o Bolsa-Família não é despesa, mas investimento. Nada mais verdadeiro, assim como os roupões de algodão egípcio licitados pela sua mordomia são gastos, e não investimento. Lula disse que a confusão entre despesa e investimento é "um erro sociológico do país". °°°Ganha uma viagem de ida a Cuba quem tiver entendido o que o presidente quis dizer. Ganha uma viagem de volta ao Brasil quem for capaz de explicar o que é um "erro sociológico" e como um país pode cometê-lo.

George Chávez
Roger Noriega, subsecretário de Estado americano para a América Latina, acusou o presidente venezuelano Hugo Chávez de "abandonar deliberadamente os princípios democráticos, especialmente depois de sua vitória no referendo revogatório de agosto de 2004".
Eremildo é um idiota e acredita em tudo o que os governos dizem. Lendo os casos de terceirização dos interrogatórios de prisioneiros e narrativas do que acontece na prisão militar americana de Guantánamo, ele escreveu o seguinte:
"George Bush abandona deliberadamente os princípios democráticos, especialmente depois de sua vitória no plebiscito revogatório de novembro de 2004".

Nonô 14
O primeiro-vice-presidente da Câmara, deputado José Tomás Nonô, subiu no salto alto de Luís 14. Presidindo uma sessão, cassou a palavra de uma colega com a desenvoltura de um fiscal de camelôs. Noutra, encerrou uma votação sem que ela estivesse concluída. °°°Durante mais de uma década, Nonô foi um parlamentar de modos impecáveis. Parece ter se cansado.

Voar ou sanear, eis a questão

Petista federal gosta de avião, quem gosta de esgoto é intelectual. Em 2004, o governo Lula gastou R$ 810 milhões em passagens e diárias. Somando-se a esse ervanário os R$ 126 milhões do AeroLula, chega-se a um total de R$ 936 milhões. Segundo o Palácio do Planalto, nesse mesmo ano todos os gastos do governo com programas de saneamento somaram R$ 1,2 bilhão.
A diferença entre o que o pessoal gasta em saneamento e o que consome nas viagens está em menos de R$ 300 milhões.
O programa de saneamento ambiental urbano do Ministério das Cidades passa fome e viaja a pé: O Sistema Integrado de Administração Financeira, o Siafi, informa que em 2004 foram gastos R$ 90,4 milhões de uma dotação autorizada de R$ 893,5 milhões.
Isso na rota do trabalhório. Na do palavrório, só nos últimos quatro meses de 2004 realizaram-se 11 seminários para discutir o Anteprojeto de Lei da Política Nacional de Saneamento Ambiental.
Curiosidade: o total dos gastos com diárias e passagens dos companheiros aninhados na Presidência da República e nos seus gabinetes foi de R$ 20 milhões. Nesse cheque não estão computadas as viagens do comissário José Dirceu em aviões militares, inclusive aquela que se destinou a abrilhantar um encontro partidário.


Texto Anterior: "Eu, na Assembléia?", pergunta funcionária
Próximo Texto: Justiça cega: Judiciário ainda é machista, diz estudo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.