São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 2006

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ENTREVISTA DA 2ª/JOAQUIM LEVY

Para Levy, alta taxa de juros não é empecilho para melhorar risco-país, pois a Selic é uma "taxa de gabinete"

BC segura juro pois teme alta do mínimo, afirma secretário

JULIANNA SOFIA
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O aumento real de 13% para o salário mínimo a partir de abril pode estar por trás da decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de reduzir a taxa de juros em somente 0,75 ponto na quarta-feira da semana passada.
Notório pelos embates públicos ou nos bastidores com o Banco Central, o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, avalia que a política fiscal -em especial o reajuste do mínimo- talvez tenha causado "desconforto" à cúpula do BC para fugir da regularidade em suas decisões.
No mais clássico estilo "morde-e-assopra", Levy afirma que essa "preocupação é legítima" e acrescenta que a regularidade nas reduções da Selic tem seus méritos: garante previsibilidade. Ele diz também que a alta taxa de juros não é empecilho para melhora da classificação de risco do país pelas agências internacionais. "O preço que diz a realidade é o de mercado." Segundo ele, a Selic é um preço de gabinete. "Um preço decidido em gabinete é um preço decidido em gabinete", ironiza.
Em entrevista à Folha na última quinta-feira, véspera do aniversário de 20 anos do Tesouro Nacional, o secretário desconversa quando o assunto é sua saída do cargo para ocupar a vice-presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Levy já recebeu o convite para substituir o ex-ministro João Sayad em Washington e, especula-se, deve trocar de posto no próximo mês. "Eu não sei de nada", afirma, admitindo que conversou recentemente com o presidente da instituição.
Para o secretário, a meta de superávit primário (receita menos despesas, exceto os juros da dívida) de 4,25% do PIB, que gerou fortes atritos dentro do governo, já é algo consolidado.
"No princípio as pessoas não entendiam muito bem, mas depois, ao longo do ano, foram entendendo", diz. No ano passado, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) atacou publicamente a equipe e sua política de superávits primários crescentes.
Para ela, o governo enxugava gelo ao economizar para pagar juros da dívida, já que, do outro lado, elevava a taxa de juros, aumentando o peso da dívida. "Não há [política de] enxugar gelo", declara Levy, acrescentando que a relação entre a dívida pública e o PIB (Produto Interno Bruto) vem caindo gradualmente nos três últimos anos.
A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - O Tesouro tem sido muito criticado. Na recente troca da dívida externa pela interna, foi apontado o custo elevado. No ano passado, o tamanho do superávit rendeu mais críticas.
Joaquim Levy
- O trabalho do Tesouro em alguns episódios é esclarecer o que está fazendo. Vemos isso [críticas] com naturalidade. Sobre o superávit, hoje em dia, particularmente dentro do governo, é muito difícil alguém achar que é um problema fundamental no Brasil termos um superávit de 4,25% (do PIB). Mesmo no ano passado quando houve alguma discussão não havia dúvida sobre os 4,25%. Depois houve o entendimento que alguma coisa acima disso se devia a ações que não dependiam do Tesouro. Estados e municípios receberam muito mais dinheiro e isso tinha um impacto que a gente não tinha nada a ver.

Folha - Há realmente esse entendimento no governo?
Levy
- Acho que sim. Os 4,25% estão consolidados. Um resultado fortuitamente maior se deve em geral a boas notícias de aceleração da economia, maior lucratividade das empresas, maiores receitas. No princípio as pessoas não entendiam muito bem, mas depois, ao longo do ano, foram entendendo. A questão do custo da [troca] da dívida, é movimento acompanhado de um esforço grande de reduzir o custo da dívida doméstica. Há alguns meses a dívida prefixada estava em 17% ao ano. Hoje está em 14%. Aí as pessoas entendem. O trabalho do Tesouro para demonstrar a redução dos riscos do Brasil tem tido efeito forte na redução da curva de juros futuros.

Folha - E a crítica da ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil] sobre a política "enxuga gelo" do governo?
Levy
- Não há enxugar gelo. A relação dívida/PIB corrente estava crescendo por sete anos. Há três anos ela cai.

Folha - No ano passado não caiu.
Levy
- A queda do ano passado foi distorcida pelo uso do IGP. O que acontece é que o IGP foi negativo e isso encolheu o PIB do ano passado, medido pelo IGP, e aumentou o do ano anterior. Aí fica parecendo que não caiu [a relação dívida/PIB]. Sem essa distorção, todo ano tem uma melhora. E vai continuar. Se cair todo ano dois, três pontinhos, está ótimo. Mas cair sete em um ano e um, no outro, só serve para confundir. Se medir, sem essa questão do IGP, tivemos três anos de queda sucessiva. Saiu de 60%, foi para 57%, foi para 54% e depois 51%.

Folha - Para isso é preciso substituir o IGP no cálculo...
Levy
- O IGP foi herdado de uma época muito tempo atrás. Como não era calculado pelo governo, achava-se que dava mais confiança. Outra coisa é que o IGP sofria o efeito do dólar, o que diminua as amplitudes quando havia choque, lá em 1999. Agora, não é o melhor indicador. Já chegamos a uma situação que deveríamos fazer como os outros países do mundo, usar o PIB corrente. O deflator era importante quando havia inflação de 15% ao ano. Com a dívida em dólar cada vez menos importante e a inflação é baixa, usar o IGP só serve para confundir.

Folha - Se já avançamos tanto, a dívida não deveria cair com IGP ou IPCA?
Levy
- Mas está caindo. Tecnicamente está correto usar o IGP, tudo bem. A questão é se ele captura melhor a realidade ou não. Nenhuma medição é incorreta, mas é preciso saber se é apropriada. O IGP foi apropriado em algum momento. Hoje em dia, poderíamos usar o próprio PIB corrente, mas se não for isso, o IPCA me parece mais natural.
Tudo bem, cada um usa um. O Banco Central tem a tradição, não quer mudar, não tem problema. A gente produz a outra estatística e os analistas vão julgar qual é a mais relevante.

Folha - Ainda assim, a dívida não deveria ter caído mais?
Levy
- As agências de "rating" estão nos promovendo porque estão vendo melhora. E mais, ela sabe que vai continuar caindo. O relatório da Standard & Poor's diz claramente que a mudança da composição da dívida foi importante. Se quiser ler nas entrelinhas, ela ainda deu um assoprinho que se continuar assim o Brasil vai ser "investment grade" já, já. Tá escrito na parede isso.
Não tenho menor dúvida de que estamos no caminho. Disse isso para o presidente: "Presidente, se a gente continuar assim a gente vai ser "investment grade" e o investimento vai ficar baratinho de fazer".

Folha - Mas quando chegaremos ao "investmet grade"?
Levy
- O horizonte é breve. Tem gente que fala dois, três anos. Eu falo, gente dois, três anos está longe. A dívida interna, na verdade, já está a um passo do "investment grade", o que é um fato bem pouco mencionado. Minha preocupação não é o horizonte, mas a direção. O sinal é claro, o horizonte é muito próximo. Para chegar lá, eu diria que falta a confirmação da orientação do próximo governo. No momento em que tiver bem "pedra e cal" que o próximo governo vai manter responsabilidade fiscal, vai ajudar a diminuir algumas ineficiências microeconômicas, algumas reformas, pronto. O Brasil vai estar pronto para avançar.

Folha - Não falta também reduzir os juros?
Levy
- Você sabe que eu sou um cara de Chicago. O cara de Chicago não espera muito de preço feito pelo governo. A gente vive com ele. O preço que diz a realidade é o do mercado. Então, toda vez que eu durmo, eu vejo como está indo aquele papel de 2010, a NTN-F, a NTN-B. Por que esse é o preço que tem a sabedoria de 1 milhão de agentes. Um preço decidido em gabinete é um preço decidido em gabinete, da melhor maneira possível, com a melhor informação disponível, mas é um preço de gabinete.

Folha - Nesta semana [semana passada] o Copom reduziu novamente em 0,75 ponto percentual a Selic. Faltou ousadia?
Levy
- Eu leria: é um sinal muito forte de, talvez, desconforto com a política fiscal, com os gastos, talvez com o salário mínimo. Quando olha-se o horizonte, as possibilidades e riscos do país essa parece ser uma indicação, um sinal. É uma interpretação. Vamos ver o que a ata [do Copom] dirá.

Folha - Mas esse risco fiscal é justificável?
Levy
- Isso eu não sei. Não me cabe julgar. Acho que o sinal está dado. Não é meu papel dizer se está certo ou errado. Um dos argumentos importantes na avaliação de política monetária, que sempre foi usado com muita propriedade, é a alocação de carteira. Ou seja, se a pessoa vê um risco dos papéis e você tenta baixar a Selic demais, o que acontece? O cara vai migrar dos papéis do governo, dos ativos financeiros denominados em real para ativos em outra moeda. Isso tem impacto inflacionário.
Na época do Fraga [Armínio Fraga, presidente do BC, no último mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso], o risco-país era de 700 pontos. Hoje, é de 250 pontos. Do ponto de vista do canal de realocação de portfólio, o quadro é completamente diferente.
Por outro lado, mesmo que você tenha um crescimento da demanda muito mais forte do que o crescimento da oferta, há como acomodar de uma maneira, que não tinha na época do Fraga. Se o PIB crescer 4% e a demanda, 6%, o superávit comercial no final do ano vai ser de US$ 20 bilhões em vez de US$ 40 bilhões. Há um espaço para importação porque o câmbio está favorável.

Folha - Então os juros poderiam cair mais?
Levy
- Por outro lado, acho que não podemos desprezar o interesse de fazer uma queda de juros que seja bem previsível. Reduzir 0,75, depois 0,75... Não devemos desconsiderar os efeitos positivos de uma certa regularidade na queda das taxas de juros, conquanto que essa regularidade não diga muito sobre o futuro. O fato de manter uma regularidade e confirmar o cenário benigno tem também um elemento importante. Tem méritos que não devem ser negligenciados. Não sei se o salário mínimo é uma preocupação mais de demanda agregada, que pudesse ter um impacto nos salários muito alto e daí criar uma grande demanda agregada, ou se é mais um preocupação puramente do ponto de vista fiscal.

Folha - Mas na sua opinião isso é um risco real?
Levy
- Acho que é uma preocupação legítima que talvez possa ser elaborada. É bom lembrar que houve uma queda [dos juros]. Optou-se pela regularidade, que também tem méritos. Vamos esperar a minuta [do Copom] para ver outros detalhes, é provável que haja outras considerações que estão me escapando agora, além desse sinal de desconforto de alguns dentro do Copom em relação, talvez, ao efeito do salário mínimo ou de o Orçamento não ter sido votado até hoje.

Folha - Há preocupação no Tesouro com o salário mínimo e pressões para gastos por ser ano de eleição?
Levy
- Acho que vamos cumprir a meta fiscal deste ano, como cumprimos no ano passado. Todo início de ano fica-se preocupado se o mundo vai acabar. Não só o Copom, a imprensa... Desde que estou aqui, todo ano tem isso. Não vou deixar de dizer que há gastos em particular. Os gastos da Previdência têm aumentado, sim, assim como os da educação e os da saúde, que inclusive subiram mais que o PIB. Enfim, essa questão dos gastos é uma questão para a sociedade. Mas hoje mudou muito em relação a 1998. Com a Lei de Responsabilidade Fiscal, o gasto discricionário [que não é obrigatório] ser fonte de grandes desvios é muito mais difícil. Já o salário mínimo é uma decisão do Congresso antes de mais nada. O Tesouro está atento às perspectivas de médio prazo das despesas públicas. Mas o Orçamento quem faz não sou eu. Apenas executo. A composição do gasto é um tema que tem atraído atenção. O tema da qualidade do gasto vai ser cada vez mais importante.

Folha - O sr. irá para o BID?
Levy
- Eu fico desvanecido com o interesse, mas entre outras coisas, quem decide isso é o Dr. Moreno (Luiz Alberto Moreno, presidente do BID). Há seis meses ele falou comigo: "Quem sabe, 2007 está chegando...". Mas enquanto ele não disser se é A ou B, eu não sei de nada.
É impróprio qualquer autoridade brasileira achar que nós é quem decidimos, quem decide é o BID. O que posso dizer é que eu encontrei com ele e ele foi simpático comigo.


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