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ENTREVISTA DA 2ª/JOAQUIM LEVY
Para Levy, alta taxa de juros não é empecilho para melhorar risco-país, pois a Selic é uma "taxa de gabinete"
BC segura juro pois teme alta do mínimo, afirma secretário
JULIANNA SOFIA
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O aumento real de 13% para o
salário mínimo a partir de abril
pode estar por trás da decisão do
Copom (Comitê de Política Monetária) de reduzir a taxa de juros
em somente 0,75 ponto na quarta-feira da semana passada.
Notório pelos embates públicos
ou nos bastidores com o Banco
Central, o secretário do Tesouro
Nacional, Joaquim Levy, avalia
que a política fiscal -em especial
o reajuste do mínimo- talvez tenha causado "desconforto" à cúpula do BC para fugir da regularidade em suas decisões.
No mais clássico estilo "morde-e-assopra", Levy afirma que essa
"preocupação é legítima" e acrescenta que a regularidade nas reduções da Selic tem seus méritos:
garante previsibilidade. Ele diz
também que a alta taxa de juros
não é empecilho para melhora da
classificação de risco do país pelas
agências internacionais. "O preço
que diz a realidade é o de mercado." Segundo ele, a Selic é um preço de gabinete. "Um preço decidido em gabinete é um preço decidido em gabinete", ironiza.
Em entrevista à Folha na última
quinta-feira, véspera do aniversário de 20 anos do Tesouro Nacional, o secretário desconversa
quando o assunto é sua saída do
cargo para ocupar a vice-presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Levy já recebeu o convite para
substituir o ex-ministro João Sayad em Washington e, especula-se, deve trocar de posto no próximo mês. "Eu não sei de nada",
afirma, admitindo que conversou
recentemente com o presidente
da instituição.
Para o secretário, a meta de superávit primário (receita menos
despesas, exceto os juros da dívida) de 4,25% do PIB, que gerou
fortes atritos dentro do governo,
já é algo consolidado.
"No princípio as pessoas não
entendiam muito bem, mas depois, ao longo do ano, foram entendendo", diz. No ano passado, a
ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) atacou publicamente a equipe
e sua política de superávits primários crescentes.
Para ela, o governo enxugava
gelo ao economizar para pagar juros da dívida, já que, do outro lado, elevava a taxa de juros, aumentando o peso da dívida. "Não
há [política de] enxugar gelo", declara Levy, acrescentando que a
relação entre a dívida pública e o
PIB (Produto Interno Bruto) vem
caindo gradualmente nos três últimos anos.
A seguir, os principais trechos
da entrevista:
Folha - O Tesouro tem sido muito
criticado. Na recente troca da dívida externa pela interna, foi apontado o custo elevado.
No ano passado, o
tamanho do superávit rendeu mais
críticas.
Joaquim Levy - O
trabalho do Tesouro em alguns
episódios é esclarecer o que está fazendo. Vemos isso
[críticas] com naturalidade. Sobre
o superávit, hoje
em dia, particularmente dentro do
governo, é muito
difícil alguém
achar que é um
problema fundamental no Brasil
termos um superávit de 4,25% (do
PIB). Mesmo no
ano passado
quando houve alguma discussão
não havia dúvida
sobre os 4,25%.
Depois houve o
entendimento que
alguma coisa acima disso se devia a
ações que não dependiam do Tesouro. Estados e municípios receberam muito mais dinheiro e isso
tinha um impacto que a gente não
tinha nada a ver.
Folha - Há realmente esse entendimento no governo?
Levy - Acho que sim. Os 4,25%
estão consolidados. Um resultado
fortuitamente maior se deve em
geral a boas notícias de aceleração
da economia, maior lucratividade
das empresas, maiores receitas.
No princípio as pessoas não entendiam muito bem, mas depois,
ao longo do ano, foram entendendo. A questão do custo da [troca]
da dívida, é movimento acompanhado de um esforço grande de
reduzir o custo da dívida doméstica. Há alguns meses a dívida prefixada estava em 17% ao ano. Hoje
está em 14%. Aí as pessoas entendem. O trabalho do Tesouro para
demonstrar a redução dos riscos
do Brasil tem tido efeito forte na
redução da curva de juros futuros.
Folha - E a crítica da ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil] sobre a
política "enxuga gelo" do governo?
Levy - Não há enxugar gelo. A
relação dívida/PIB corrente estava crescendo por sete anos. Há
três anos ela cai.
Folha - No ano passado não caiu.
Levy - A queda
do ano passado
foi distorcida pelo
uso do IGP. O que
acontece é que o
IGP foi negativo e
isso encolheu o
PIB do ano passado, medido pelo
IGP, e aumentou
o do ano anterior.
Aí fica parecendo
que não caiu [a relação dívida/PIB].
Sem essa distorção, todo ano tem
uma melhora. E
vai continuar. Se
cair todo ano dois,
três pontinhos, está ótimo. Mas cair
sete em um ano e
um, no outro, só
serve para confundir. Se medir,
sem essa questão
do IGP, tivemos
três anos de queda
sucessiva. Saiu de
60%, foi para
57%, foi para 54%
e depois 51%.
Folha - Para isso
é preciso substituir
o IGP no cálculo...
Levy - O IGP foi herdado de uma
época muito tempo atrás. Como
não era calculado pelo governo,
achava-se que dava mais confiança. Outra coisa é que o IGP sofria
o efeito do dólar, o que diminua
as amplitudes quando havia choque, lá em 1999. Agora, não é o
melhor indicador. Já chegamos a
uma situação que deveríamos fazer como os outros países do
mundo, usar o PIB corrente. O
deflator era importante quando
havia inflação de 15% ao ano.
Com a dívida em dólar cada vez
menos importante e a inflação é
baixa, usar o IGP só serve para
confundir.
Folha - Se já avançamos tanto, a
dívida não deveria cair com IGP ou
IPCA?
Levy - Mas está caindo. Tecnicamente está correto usar o IGP, tudo bem. A questão é se ele captura
melhor a realidade ou não. Nenhuma medição é incorreta, mas
é preciso saber se é apropriada. O
IGP foi apropriado em algum momento. Hoje em dia, poderíamos
usar o próprio PIB corrente, mas
se não for isso, o IPCA me parece
mais natural.
Tudo bem, cada um usa um. O
Banco Central tem a tradição, não
quer mudar, não tem problema.
A gente produz a outra estatística
e os analistas vão julgar qual é a
mais relevante.
Folha - Ainda assim, a dívida não
deveria ter caído mais?
Levy - As agências de "rating"
estão nos promovendo porque
estão vendo melhora. E mais, ela
sabe que vai continuar caindo. O
relatório da Standard & Poor's
diz claramente que a mudança da
composição da dívida foi importante. Se quiser ler nas entrelinhas, ela ainda deu um assoprinho que se continuar assim o Brasil vai ser "investment grade" já,
já. Tá escrito na parede isso.
Não tenho menor dúvida de que
estamos no caminho. Disse isso
para o presidente: "Presidente, se
a gente continuar assim a gente
vai ser "investment grade" e o investimento vai ficar baratinho de
fazer".
Folha - Mas quando chegaremos
ao "investmet grade"?
Levy - O horizonte é breve. Tem
gente que fala dois, três anos. Eu
falo, gente dois, três anos está longe. A dívida interna, na verdade,
já está a um passo do "investment
grade", o que é um fato bem pouco mencionado. Minha preocupação não é o horizonte, mas a direção. O sinal é claro, o horizonte
é muito próximo. Para chegar lá,
eu diria que falta a confirmação
da orientação do próximo governo. No momento em que tiver
bem "pedra e cal" que o próximo
governo vai manter responsabilidade fiscal, vai ajudar a diminuir
algumas ineficiências microeconômicas, algumas reformas,
pronto. O Brasil vai estar pronto
para avançar.
Folha - Não falta também reduzir
os juros?
Levy - Você sabe que eu sou um
cara de Chicago. O cara de Chicago não espera muito de preço feito pelo governo. A gente vive com
ele. O preço que diz a realidade é o
do mercado. Então, toda vez que
eu durmo, eu vejo como está indo
aquele papel de 2010, a NTN-F, a
NTN-B. Por que esse é o preço
que tem a sabedoria de 1 milhão
de agentes. Um preço decidido
em gabinete é um preço decidido
em gabinete, da melhor maneira
possível, com a melhor informação disponível, mas é um preço de
gabinete.
Folha - Nesta semana [semana
passada] o Copom reduziu novamente em 0,75 ponto percentual a
Selic. Faltou ousadia?
Levy - Eu leria: é um sinal muito
forte de, talvez, desconforto com a
política fiscal, com os gastos, talvez com o salário mínimo. Quando olha-se o horizonte, as possibilidades e riscos do país essa parece
ser uma indicação, um sinal. É
uma interpretação. Vamos ver o
que a ata [do Copom] dirá.
Folha - Mas esse risco fiscal é justificável?
Levy - Isso eu não sei. Não me
cabe julgar. Acho que o sinal está
dado. Não é meu papel dizer se está certo ou errado. Um dos argumentos importantes na avaliação
de política monetária, que sempre
foi usado com muita propriedade,
é a alocação de carteira. Ou seja, se
a pessoa vê um risco dos papéis e
você tenta baixar a Selic demais, o
que acontece? O cara vai migrar
dos papéis do governo, dos ativos
financeiros denominados em real
para ativos em outra moeda. Isso
tem impacto inflacionário.
Na época do Fraga [Armínio
Fraga, presidente do BC, no último mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso], o risco-país era de 700 pontos. Hoje, é
de 250 pontos. Do ponto de vista
do canal de realocação de portfólio, o quadro é completamente diferente.
Por outro lado, mesmo que você tenha um crescimento da demanda muito mais forte do que o
crescimento da oferta, há como
acomodar de uma maneira, que
não tinha na época do Fraga. Se o
PIB crescer 4% e a demanda, 6%,
o superávit comercial no final do
ano vai ser de US$ 20 bilhões em
vez de US$ 40 bilhões. Há um espaço para importação porque o
câmbio está favorável.
Folha - Então os juros poderiam
cair mais?
Levy - Por outro lado, acho que
não podemos desprezar o interesse de fazer uma queda de juros
que seja bem previsível. Reduzir
0,75, depois 0,75... Não devemos
desconsiderar os efeitos positivos
de uma certa regularidade na queda das taxas de juros, conquanto
que essa regularidade não diga
muito sobre o futuro. O fato de
manter uma regularidade e confirmar o cenário benigno tem também um elemento
importante. Tem
méritos que não
devem ser negligenciados. Não sei
se o salário mínimo é uma preocupação mais de demanda agregada,
que pudesse ter
um impacto nos
salários muito alto
e daí criar uma
grande demanda
agregada, ou se é
mais um preocupação puramente
do ponto de vista
fiscal.
Folha - Mas na
sua opinião isso é
um risco real?
Levy - Acho que
é uma preocupação legítima que
talvez possa ser elaborada. É bom
lembrar que houve uma queda
[dos juros]. Optou-se pela regularidade, que também tem méritos.
Vamos esperar a minuta [do Copom] para ver outros detalhes, é
provável que haja outras considerações que estão me escapando
agora, além desse sinal de desconforto de alguns dentro do Copom
em relação, talvez, ao efeito do salário mínimo ou de o Orçamento
não ter sido votado até hoje.
Folha - Há preocupação no Tesouro com o salário mínimo e pressões
para gastos por ser ano de eleição?
Levy - Acho que vamos cumprir
a meta fiscal deste ano, como
cumprimos no ano passado. Todo início de ano fica-se preocupado se o mundo vai acabar. Não só
o Copom, a imprensa... Desde que
estou aqui, todo ano tem isso. Não
vou deixar de dizer que há gastos
em particular. Os gastos da Previdência têm aumentado, sim, assim como os da educação e os da
saúde, que inclusive subiram
mais que o PIB. Enfim, essa questão dos gastos é uma questão para
a sociedade. Mas hoje mudou
muito em relação a 1998. Com a
Lei de Responsabilidade Fiscal, o
gasto discricionário [que não é
obrigatório] ser fonte de grandes
desvios é muito mais difícil. Já o
salário mínimo é
uma decisão do
Congresso antes
de mais nada. O
Tesouro está atento às perspectivas
de médio prazo
das despesas públicas. Mas o Orçamento quem
faz não sou eu.
Apenas executo.
A composição do
gasto é um tema
que tem atraído
atenção. O tema
da qualidade do
gasto vai ser cada
vez mais importante.
Folha - O sr. irá
para o BID?
Levy - Eu fico
desvanecido com
o interesse, mas
entre outras coisas, quem decide
isso é o Dr. Moreno (Luiz Alberto
Moreno, presidente do BID). Há
seis meses ele falou comigo:
"Quem sabe, 2007
está chegando...".
Mas enquanto ele não disser se é
A ou B, eu não sei de nada.
É impróprio qualquer autoridade brasileira achar que nós é
quem decidimos, quem decide é o
BID. O que posso dizer é que eu
encontrei com ele e ele foi simpático comigo.
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