UOL

São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ministro diz que ele e o PT são socialistas

Falar das divergências com Cuba, afirma Dirceu, é como criticar um pai que tem defeitos graves

DA REDAÇÃO

O gabinete do ministro José Dirceu, no quarto andar do Palácio do Planalto, revela na decoração parte de sua história política e afetiva. Atrás de sua mesa, apinhada de papéis, além da fotografia oficial do presidente da República, peça obrigatória em todos os ministérios, há outras três fotos, lembranças pessoais.
Uma delas mostra o ministro, de braços erguidos e punho cerrado, abraçado ao presidente no dia de sua posse. Outra, de 1985, exibe Lula e Dirceu abraçados, ambos de barba, 18 anos mais jovens, na Assembléia Legislativa de São Paulo. A terceira, na verdade uma sequência de três pequenas imagens emolduradas, mostra o ministro com o ditador Fidel Castro, em visita a Cuba, onde Dirceu viveu no exílio, no ano de 2000.
Dirceu, que reafirma ser socialista, diz que o constrangimento que sente em criticar o regime cubano, com o qual não concorda, é semelhante ao de um filho que precisa apontar os defeitos do pai que o criou. (FBSI)
 

Folha - O sr. foi comparado a Sérgio Motta. O que acha disso?
José Dirceu -
Eu sempre fico indignado quando dizem que eu sou o sombra. Primeiro porque eu sempre fui eleito. Até presidente do PT eu fiz questão de ser eleito diretamente. A eleição era indireta e nós transformamos em direta. Fui deputado estadual, federal. Perdi eleição para governador. Então, eu acho que é desrespeitoso. Agora, fui amigo pessoal do Sérgio Motta, portanto não me sinto ofendido pela comparação.

Folha - O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que fez a comparação, era amigo também.
Dirceu -
Ele disse até mais, que o Sérgio Motta parecia ingênuo perto da minha pessoa. Acho que não procede. Fui deputado estadual e federal, Sérgio Motta não foi. Fui presidente e secretário-geral de um partido, Sérgio Motta não foi. A única coisa em comum que temos é que ele foi empresário e eu fui também, mas fui empresário na clandestinidade.
O que o Sérgio Motta tem a ver com o Congresso Nacional? Eu tenho a ver. Muito. O que o Sérgio Motta tinha a ver com a esquerda? Com a esquerda hoje? Eu fui para a luta armada, ele não foi. Há muita diferença. Respeito a memória e a família dele e não faço nenhum comentário. Detesto ser deselegante, deseducado. E, falar que nós queremos ficar 20 anos no poder... o PT já deu provas de que perde governo e volta depois. Nós somos de esquerda, de esquerda democrática e socialista. Não temos vocação autoritária.

Folha - O sr. é socialista?
Dirceu -
Eu sou. O PT é um partido socialista. É evidente que o socialismo vive uma crise grave. Houve uma experiência socialista no mundo. Ela fracassou. Modelos inclusive que se tornaram modelos autoritários. Então nós temos um acerto de contas que temos que fazer com a história. Agora, eu sou de um partido que não é marxista-leninista, felizmente. Não é um partido que tenha participado de uma concepção socialista autoritária. Nós não estamos fazendo um processo socialista, nós estamos sendo transparentes com a sociedade brasileira. Aliás, eu falei isso e paguei por isso. Ninguém do PT tem disposição para ficar renegando o socialismo e as idéias socialistas.

Folha - O sr. tem um relação afetiva com Cuba e com Fidel. Mas é uma ditadura. Como fica?
Dirceu -
Mas aí é o mesmo que não gostar de uma música por causa do autor, não gostar da comida por causa da cozinheira. É absurdo. Não sou reacionário. Cresci numa família democrática. A pior coisa que tem é você não gostar do Nélson Rodrigues porque ele era do Fluminense ou porque era de direita. Sou apaixonado pelo Brasil. Aliás, sou brasileiro por opção. Fui cassado e banido, voltei aqui, coloquei minha vida em risco para viver no meu país, não conseguia viver fora.
Então tenho autoridade para dizer que eu gosto de Cuba, do país, do povo de Cuba. Sou devedor. Não vou renunciar nunca a isso. Tenho amigos no governo de Cuba. Agora, isso quer dizer que eu concordo? Claro que não. Tenho constrangimento em falar das minhas divergências com Cuba? Tenho. Como o filho tem de um pai que o criou mas que tem defeitos graves. Então eu tenho constrangimento em falar, procuro não falar. Mas não quer dizer que eu concorde. Aliás, já falei que não concordo várias vezes em público. Só tenho constrangimento.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Frase
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.