São Paulo, domingo, 13 de abril de 2008

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Elio Gaspari

Os companheiros compartilhavam as senhas


O banco de dados das despesas com cartões é sigiloso, mas o acesso aos computadores era uma bagunça

MUITO MAIS GRAVE do que meia dúzia de despesas irresponsáveis feitas com os cartões corporativos da Viúva é a constatação de que, na Casa Civil da Presidência da República, seis funcionários compartilhavam as mesmas senhas de acesso aos computadores que armazenavam um banco de dados com informações sigilosas. Qualquer cidadão pensa três vezes antes de contar a outra pessoa a senha do seu cartão bancário. Isso num caso em que o mau uso da senha exigiria também a posse do cartão. No Palácio do Planalto, onde há um Gabinete de Segurança Institucional, pago para proteger pessoas e informações, comete-se a mais elementar das leviandades, tratando-se o acesso a um banco de dados como se fosse o portão da Casa de Mãe Joana.
A revelação do compartilhamento de senhas veio dos repórteres Felipe Recondo e Fausto Macedo. De saída, essa prática poderá impedir que a Polícia Federal identifique quem entrou no banco, em que dia e a que horas. É difícil que esse obstáculo tenha sido criado propositalmente. Mais difícil é entender por que o sigilo das senhas foi avacalhado. Em média, um usuário da internet usa serviços que demandam o armazenamento de 25 senhas. Rara é a pessoa que usa uma só combinação para todos eles.
O descaso com o sigilo é coisa antiga. Nos anos 90, os computadores da rede da Receita Federal permitiam que uma pessoa armazenasse sua senha num macro. Assim, em vez de digitar 793898Mkl34, bastava bater "Comand F2" e a máquina fazia o serviço sozinha. Se alguém visse o gênio digitando o macro, ganhava acesso à rede usando sua identidade eletrônica. Em matéria de segurança, a preservação do cotidiano da administração (inclusive do Planalto) vive-se na Idade da Pedra.
A comissária Dilma Rousseff ironizou o vazamento de dados sob sua custódia lembrando a figura do "espião com crachá". Melhor que isso, só computadores com informações sigilosas, protegidos por senhas inócuas.

O SUPREMO TRIBUNAL REPROVOU A OAB-SP

Ficou mal na fotografia a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, aquela cujo presidente, Luiz Flávio Borges D'Urso, co-patrocinou o movimento "Cansei". O Supremo Tribunal Federal decidiu, pela unanimidade dos presentes, que os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo fizeram o certo ao devolver dois nomes de uma lista sêxtupla para o preenchimento de uma vaga na Corte. A OAB-SP achava que sua lista não podia ser tocada. Afinal, segundo D'Urso, era necessário "fazer respeitar a advocacia paulista".
Era uma causa difícil, pois um dos candidatos oferecidos pela Ordem havia sido reprovado dez vezes em concursos para juiz. Traduzindo: um cidadão que não consegue passar nos concursos para juiz pode ser desembargador, desde que tenha o patrocínio da OAB. O outro candidato da Ordem respondia a processo criminal. A decisão do Supremo Tribunal respeitou a advocacia brasileira.
Um péssimo caso para a história de uma instituição que já foi presidida por gente do tamanho de Raymundo Faoro e Seabra Fagundes. De qualquer maneira, o atual presidente da Ordem Federal, Cezar Britto, sempre poderá dizer que tudo não passa de um "episódio burlesco".
Faoro é que fazia o certo. Quando sopravam que ele seria convidado para um cargo (ministro ou até vice-presidente), respondia: "Só aceito a Embaixada do Brasil em Haia, desde que seja vitalícia e hereditária".

COTA SETECENTISTA
Contribuição para a bibliografia da história das políticas de ações afirmativas no preenchimento de vagas em instituições de ensino brasileiras:
É possível que se possa identificar a primeira proposta de criação de um sistema de cotas escolares com base em critérios de raça, antes mesmo que o Brasil tivesse universidade.
Em 1796, preocupado com a quantidade de negros e mulatos libertos que andavam pelas ruas do Rio de Janeiro, o vice-rei Marquês do Lavradio propôs à Corte que eles fossem todos cadastrados e remetidos a casas de correção, onde aprenderiam uma profissão. Somavam 20% da população da cidade.
Em vez de oferecer uma percentagem de vagas, Lavradio pretendia botar 100% dos negros livres nas escolas. Era a Cota Total.

DEU EM NADA
(A proposta está registrada no trabalho da professora Silvia Hunold Lara intitulado "A Cor da Maior Parte da Gente: Negros e Mulatos na América Portuguesa Setecentista", incluído no livro "Sons, Formas, Cores e Movimentos na Modernidade Atlântica".)

SISTEMA $
A plutocracia aninhada nas verbas do Sistema S (R$ 8 bilhões tomados na folha de pagamento das empresas), resolveu brigar com o ministro Fernando Haddad, da Educação. Ele quer integrar a máquina do sistema ao esforço de melhoria do ensino médio.
Podem brigar, mas Haddad é o codinome de Lula. Ele conhece o Sistema S por dentro e por fora, nas suas ramificações políticas, empresariais e aéreas.

SILÊNCIO DE OURO
Calado, como seus similares americano e europeus, Henrique Meirelles é um verdadeiro oráculo. Falando, um horror. Basta ver o que ele disse na quinta-feira:
"É muito interessante quando eu vejo algumas entidades, muito poderosas e influentes, cujo diagnóstico é sempre na mesma direção: o dólar está barato e os juros estão altos".
Se ele se referia à Fiesp e à Confederação Nacional da Indústria, faz tempo que deixaram de ser poderosas. Influentes, talvez tenham sido quando funcionavam como bonecos dos ventríloquos do Planalto.
O que o doutor Meirelles parece não ter percebido é que, para cada produtor defendendo a queda dos juros, há cinco maganos da quiromancia financeira, diretores de banco e corretores de expectativas pedindo mais arrocho. Todos falam em nome do "mercado".
Fica-se com a impressão de que a turma que apostou na alta da Selic ficou nervosa.

PETROTRIVIA
Um curioso converteu o preço do petróleo de um barril (US$ 107, por 159 litros) em outros produtos. Um barril de Coca-Cola sairia por US$ 307. O de água Perrier, por US$ 300 e o de cerveja, por US$ 447. O barril de um bom colírio custaria US$ 40 mil. Caro mesmo seria o do perfume Chanel nº 5: US$ 1,6 milhão.

CRACK NO RIO
A presença do crack nas ruas do Rio será um fator de redução da criminalidade num prazo de três a cinco anos.
O motivo é simples e triste: quem entra no crack dificilmente sai, e quem fica morre.
A droga pode chegar à classe média, mas em alguns meses o viciado troca de classe, pois, ao contrário da cocaína e da maconha, o crack incapacita a pessoa para qualquer outra coisa que não seja fumar crack.


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