|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Elio Gaspari
Os companheiros compartilhavam as senhas
O banco de dados das despesas com cartões é sigiloso, mas o acesso aos computadores era uma bagunça
|
MUITO MAIS GRAVE do que meia
dúzia de despesas irresponsáveis feitas com os cartões corporativos da Viúva é a constatação de
que, na Casa Civil da Presidência da República, seis funcionários compartilhavam as mesmas senhas de acesso aos computadores que armazenavam um
banco de dados com informações sigilosas. Qualquer cidadão pensa três vezes
antes de contar a outra pessoa a senha do
seu cartão bancário. Isso num caso em
que o mau uso da senha exigiria também
a posse do cartão. No Palácio do Planalto,
onde há um Gabinete de Segurança Institucional, pago para proteger pessoas e
informações, comete-se a mais elementar das leviandades, tratando-se o acesso
a um banco de dados como se fosse o
portão da Casa de Mãe Joana.
A revelação do compartilhamento de
senhas veio dos repórteres Felipe Recondo e Fausto Macedo. De saída, essa
prática poderá impedir que a Polícia Federal identifique quem entrou no banco,
em que dia e a que horas. É difícil que esse obstáculo tenha sido criado propositalmente. Mais difícil é entender por que
o sigilo das senhas foi avacalhado. Em
média, um usuário da internet usa serviços que demandam o armazenamento
de 25 senhas. Rara é a pessoa que usa
uma só combinação para todos eles.
O descaso com o sigilo é coisa antiga.
Nos anos 90, os computadores da rede
da Receita Federal permitiam que uma
pessoa armazenasse sua senha num macro. Assim, em vez de digitar
793898Mkl34, bastava bater "Comand
F2" e a máquina fazia o serviço sozinha.
Se alguém visse o gênio digitando o macro, ganhava acesso à rede usando sua
identidade eletrônica. Em matéria de segurança, a preservação do cotidiano da
administração (inclusive do Planalto) vive-se na Idade da Pedra.
A comissária Dilma Rousseff ironizou
o vazamento de dados sob sua custódia
lembrando a figura do "espião com crachá". Melhor que isso, só computadores
com informações sigilosas, protegidos
por senhas inócuas.
O SUPREMO TRIBUNAL REPROVOU A OAB-SP
Ficou mal na fotografia a
seccional paulista da Ordem
dos Advogados do Brasil,
aquela cujo presidente, Luiz
Flávio Borges D'Urso, co-patrocinou o movimento "Cansei". O Supremo Tribunal Federal decidiu, pela unanimidade dos presentes, que os desembargadores do Tribunal
de Justiça de São Paulo fizeram o certo ao devolver dois
nomes de uma lista sêxtupla
para o preenchimento de uma
vaga na Corte. A OAB-SP
achava que sua lista não podia
ser tocada. Afinal, segundo
D'Urso, era necessário "fazer
respeitar a advocacia paulista".
Era uma causa difícil, pois
um dos candidatos oferecidos
pela Ordem havia sido reprovado dez vezes em concursos
para juiz. Traduzindo: um cidadão que não consegue passar nos concursos para juiz
pode ser desembargador, desde que tenha o patrocínio da
OAB. O outro candidato da
Ordem respondia a processo
criminal. A decisão do Supremo Tribunal respeitou a advocacia brasileira.
Um péssimo caso para a
história de uma instituição
que já foi presidida por gente
do tamanho de Raymundo
Faoro e Seabra Fagundes. De
qualquer maneira, o atual
presidente da Ordem Federal,
Cezar Britto, sempre poderá
dizer que tudo não passa de
um "episódio burlesco".
Faoro é que fazia o certo.
Quando sopravam que ele seria convidado para um cargo
(ministro ou até vice-presidente), respondia: "Só aceito
a Embaixada do Brasil em
Haia, desde que seja vitalícia e
hereditária".
COTA SETECENTISTA
Contribuição para a bibliografia da história das políticas
de ações afirmativas no preenchimento de vagas em instituições de ensino brasileiras:
É possível que se possa identificar a primeira proposta de
criação de um sistema de cotas
escolares com base em critérios
de raça, antes mesmo que o
Brasil tivesse universidade.
Em 1796, preocupado com a
quantidade de negros e mulatos libertos que andavam pelas
ruas do Rio de Janeiro, o vice-rei Marquês do Lavradio propôs à Corte que eles fossem todos cadastrados e remetidos a
casas de correção, onde aprenderiam uma profissão. Somavam 20% da população da cidade.
Em vez de oferecer uma percentagem de vagas, Lavradio
pretendia botar 100% dos negros livres nas escolas. Era a
Cota Total.
DEU EM NADA
(A proposta está registrada
no trabalho da professora Silvia
Hunold Lara intitulado "A Cor
da Maior Parte da Gente: Negros e Mulatos na América Portuguesa Setecentista", incluído
no livro "Sons, Formas, Cores e
Movimentos na Modernidade
Atlântica".)
SISTEMA $
A plutocracia aninhada nas
verbas do Sistema S (R$ 8 bilhões tomados na folha de pagamento das empresas), resolveu brigar com o ministro Fernando Haddad, da Educação.
Ele quer integrar a máquina do
sistema ao esforço de melhoria
do ensino médio.
Podem brigar, mas Haddad é
o codinome de Lula. Ele conhece o Sistema S por dentro e por
fora, nas suas ramificações políticas, empresariais e aéreas.
SILÊNCIO DE OURO
Calado, como seus similares
americano e europeus, Henrique Meirelles é um verdadeiro
oráculo. Falando, um horror.
Basta ver o que ele disse na
quinta-feira:
"É muito interessante quando eu vejo algumas entidades,
muito poderosas e influentes,
cujo diagnóstico é sempre na
mesma direção: o dólar está barato e os juros estão altos".
Se ele se referia à Fiesp e à
Confederação Nacional da Indústria, faz tempo que deixaram de ser poderosas. Influentes, talvez tenham sido quando
funcionavam como bonecos
dos ventríloquos do Planalto.
O que o doutor Meirelles parece não ter percebido é que,
para cada produtor defendendo a queda dos juros, há cinco
maganos da quiromancia financeira, diretores de banco e
corretores de expectativas pedindo mais arrocho. Todos falam em nome do "mercado".
Fica-se com a impressão de
que a turma que apostou na alta
da Selic ficou nervosa.
PETROTRIVIA
Um curioso converteu o preço do petróleo de um barril
(US$ 107, por 159 litros) em outros produtos. Um barril de Coca-Cola sairia por US$ 307. O
de água Perrier, por US$ 300 e
o de cerveja, por US$ 447. O
barril de um bom colírio custaria US$ 40 mil. Caro mesmo seria o do perfume Chanel nº 5:
US$ 1,6 milhão.
CRACK NO RIO
A presença do crack nas ruas
do Rio será um fator de redução
da criminalidade num prazo de
três a cinco anos.
O motivo é simples e triste:
quem entra no crack dificilmente sai, e quem fica morre.
A droga pode chegar à classe
média, mas em alguns meses o
viciado troca de classe, pois, ao
contrário da cocaína e da maconha, o crack incapacita a pessoa
para qualquer outra coisa que
não seja fumar crack.
Texto Anterior: Para Ustra, Exército deve ser responsabilizado Próximo Texto: Roraima é arena sem touro, diz arrozeiro Índice
|