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Decisão dividiu cúpula do governo
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva decidiu cancelar o visto do
jornalista Larry Rohter, do "The
New York Times", após ter recebido na tarde de anteontem relato
de que o embaixador do Brasil em
Washington, Roberto Abdenur,
não obtivera uma retratação do
jornal após reunião com Bill Keller, o editor-chefe. A decisão de
Lula dividiu a cúpula do governo.
Um "sinto muito" foi o que Abdenur ouviu de Keller ao final da
reunião anteontem, segundo relato do ministro Celso Amorim
(Relações Exteriores) ao presidente. Abdenur disse ter sido tratado de forma desimportante,
apesar de educada. Amorim disse
a Lula que o jornal não faria nada
além do que já fizera: publicar
uma carta de Abdenur contestando a reportagem de Larry Rohter.
Lula então decidiu bancar sugestão feita na manhã de ontem
na sua reunião com membros da
área de comunicação: retaliar diretamente o correspondente do
jornal, cancelando seu visto. O
porta-voz da Presidência, André
Singer, e o ministro Luiz Gushiken (Comunicação) defenderam
nessa reunião que Rohter fosse
impedido de trabalhar no Brasil.
Ao analisar o noticiário de terça-feira, Singer disse que até críticos do governo ficaram ao lado de
Lula no episódio. Repetiu os argumentos de que a reportagem de
Rohter era mau jornalismo e que
tinha uma tese que não era comprovada por fatos. O porta-voz
julgou importante o governo brasileiro ter uma reação dura. Gushiken concordou com Singer.
O secretário de Imprensa, Ricardo Kotscho, se opôs frontalmente. Disse que a reportagem
era "frágil, leviana e caluniosa",
mas foi firme ao dizer que seria
um "erro" e um "ato contra a liberdade de imprensa" cancelar a
permissão de trabalho do correspondente. Afirmou ainda que
"pegaria mal para a biografia" de
Lula, que se associaria a uma medida autoritária. O chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho,
aliou-se a Kotscho ao longo dia.
Lula aprovou sugestão de Singer e de Gushiken, idéia aventada
inicialmente pelo presidente do
PT, José Genoino, e publicada na
imprensa naquela manhã. O presidente preferiu aguardar o resultado da visita de Abdenur ao jornal. Ao ouvir o relato, Lula ficou
furioso. Falou que fora "pessoalmente" atingido. Embarcou na tese de que, por trás da reportagem,
existiam supostos interessados
em diminuir sua política externa:
"Não posso ficar quieto".
Lula se reuniu com os ministros
Gushiken, José Dirceu (Casa Civil) e Álvaro Ribeiro (Advocacia
Geral da União). Alertado sobre a
dúvida sobre a eficácia de uma
ação nos EUA contra o jornal e o
jornalista, Lula decidiu cancelar o
visto. Dirceu concordou, dizendo
que o governo dos EUA "faria o
mesmo" em situação semelhante.
Ontem, auxiliares de Lula se justificavam dizendo que os EUA expulsaram em 2003 um jornalista
iraquiano. Amorim apoiou, apesar de avaliar que o cancelamento
do visto era um ato extremo.
Ciente da posição do ministro
da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que estava na Suíça e que já
dissera que preferia ajuizar ação
por danos morais nos EUA a cancelar o visto, Lula chamou o interino da pasta, Luiz Paulo Teles
Ferreira Barreto, e determinou
que o visto fosse cancelado. Thomaz Bastos só acreditou que a decisão era mesmo para valer quando um auxiliar lhe telefonou.
Anteontem à noite, em jantar
com o publicitário Duda Mendonça, Gushiken reavaliou sua
posição. Ouviu do publicitário
que a decisão era um desastre e
que teria péssima repercussão.
Gushiken tentou reverter a decisão, no que foi acompanhado pelo ministro da Fazenda, Antonio
Palocci Filho. Ontem de manhã,
em nova reunião com Lula, Singer
reafirmou sua posição. Gushiken
disse que deveria ser revertida.
Kotscho defendeu um recuo. Lula
disse que não voltaria atrás. Mas
seus auxiliares -Thomaz Bastos
à frente- ainda não desistiram
de convencê-lo a reconsiderar.
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