São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2004

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Decisão dividiu cúpula do governo

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu cancelar o visto do jornalista Larry Rohter, do "The New York Times", após ter recebido na tarde de anteontem relato de que o embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur, não obtivera uma retratação do jornal após reunião com Bill Keller, o editor-chefe. A decisão de Lula dividiu a cúpula do governo.
Um "sinto muito" foi o que Abdenur ouviu de Keller ao final da reunião anteontem, segundo relato do ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) ao presidente. Abdenur disse ter sido tratado de forma desimportante, apesar de educada. Amorim disse a Lula que o jornal não faria nada além do que já fizera: publicar uma carta de Abdenur contestando a reportagem de Larry Rohter.
Lula então decidiu bancar sugestão feita na manhã de ontem na sua reunião com membros da área de comunicação: retaliar diretamente o correspondente do jornal, cancelando seu visto. O porta-voz da Presidência, André Singer, e o ministro Luiz Gushiken (Comunicação) defenderam nessa reunião que Rohter fosse impedido de trabalhar no Brasil.
Ao analisar o noticiário de terça-feira, Singer disse que até críticos do governo ficaram ao lado de Lula no episódio. Repetiu os argumentos de que a reportagem de Rohter era mau jornalismo e que tinha uma tese que não era comprovada por fatos. O porta-voz julgou importante o governo brasileiro ter uma reação dura. Gushiken concordou com Singer.
O secretário de Imprensa, Ricardo Kotscho, se opôs frontalmente. Disse que a reportagem era "frágil, leviana e caluniosa", mas foi firme ao dizer que seria um "erro" e um "ato contra a liberdade de imprensa" cancelar a permissão de trabalho do correspondente. Afirmou ainda que "pegaria mal para a biografia" de Lula, que se associaria a uma medida autoritária. O chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, aliou-se a Kotscho ao longo dia.
Lula aprovou sugestão de Singer e de Gushiken, idéia aventada inicialmente pelo presidente do PT, José Genoino, e publicada na imprensa naquela manhã. O presidente preferiu aguardar o resultado da visita de Abdenur ao jornal. Ao ouvir o relato, Lula ficou furioso. Falou que fora "pessoalmente" atingido. Embarcou na tese de que, por trás da reportagem, existiam supostos interessados em diminuir sua política externa: "Não posso ficar quieto".
Lula se reuniu com os ministros Gushiken, José Dirceu (Casa Civil) e Álvaro Ribeiro (Advocacia Geral da União). Alertado sobre a dúvida sobre a eficácia de uma ação nos EUA contra o jornal e o jornalista, Lula decidiu cancelar o visto. Dirceu concordou, dizendo que o governo dos EUA "faria o mesmo" em situação semelhante. Ontem, auxiliares de Lula se justificavam dizendo que os EUA expulsaram em 2003 um jornalista iraquiano. Amorim apoiou, apesar de avaliar que o cancelamento do visto era um ato extremo.
Ciente da posição do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que estava na Suíça e que já dissera que preferia ajuizar ação por danos morais nos EUA a cancelar o visto, Lula chamou o interino da pasta, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, e determinou que o visto fosse cancelado. Thomaz Bastos só acreditou que a decisão era mesmo para valer quando um auxiliar lhe telefonou.
Anteontem à noite, em jantar com o publicitário Duda Mendonça, Gushiken reavaliou sua posição. Ouviu do publicitário que a decisão era um desastre e que teria péssima repercussão. Gushiken tentou reverter a decisão, no que foi acompanhado pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho. Ontem de manhã, em nova reunião com Lula, Singer reafirmou sua posição. Gushiken disse que deveria ser revertida. Kotscho defendeu um recuo. Lula disse que não voltaria atrás. Mas seus auxiliares -Thomaz Bastos à frente- ainda não desistiram de convencê-lo a reconsiderar.


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