São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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JANIO DE FREITAS

Óleo de sujo

O prejuízo com a recusa da soja exportada para a China, dada a presença de agrotóxicos perigosos em parte do produto, está estimado em R$ 1 bilhão. Mas traz uma conseqüência ainda mais volumosa e duradoura: a China, já grande mercado e maior promessa para a produção agrícola brasileira, a partir de agora quer preços menores para a soja, a seu ver, inconfiável. A desvalorização projeta-se pelo tempo afora e ainda sobre a exportação honesta, por exemplo, da Argentina.
É uma velha história brasileira. Passou-se primeiro com o açúcar, em nossos tempos mais ou menos remotos, quando europeus se adoçaram com misturas de açúcar, farinha e areia fina. Depois foi o café, que, ainda há poucas décadas, desfrutou muito da companhia de pedras para melhor impressionar na pesagem das sacas. Exportadores abençoados, todos, pelos santinhos de pau oco, exportação que fez a Europa maravilhar-se com nossos escultores, não importa se menos pela obra que pelo ouro nela escondido.
A soja vigarista é também uma velha história em outro sentido bem brasileiro. Do próprio governo surgiu a versão de que os chineses, falando na contaminação, fazem um truque para diminuir o preço e, portanto, o seu alto gasto com a importação. Só uns poucos grãos estariam contaminados: um jornal carioca até apurou a vista e informou que não chegavam a meia dúzia (não ousou explicar, porém, como os chineses os localizaram em R$ 1 bilhão de soja).
A versão não combina com as interdições, feitas pelo governo, em depósitos de soja nos portos de Rio Grande e Santos. Nem poderia, porque a explicação fantasiosa destina-se apenas à impunidade dos exportadores de soja suja. Um velho e feliz final que tem a idade desta expressão: os espertalhões são gente graúda. Com prestígio não só no Ministério da Agricultura, mas também no Planalto.

Os sopros
Intenso, mas rápido, talvez pela falta de matéria-prima para mais elogios, o festival "Viva Palocci" na mídia foi substituído pela décima reprise da novela sobre brigas no governo. Com a novidade, para não faltar uma, do conselho de que Lula "precisa aproveitar o momento bom [sic] do governo e intervir". No caso, intervir quer dizer tirar José Dirceu. Mas, a bem da verdade, a idéia obsessiva não é da mídia, que apenas se mantém no seu papel brasiliense de prestadora de serviço.
Digamos que haja, de fato, divergência acentuada entre José Dirceu e Antonio Palocci em torno da política econômica, que o primeiro desejaria uma política geradora de desenvolvimento. O que haveria de novo aí? Não seria senão a mesma divergência havida, nesse caso com lances de grossura explícita, entre Sérgio Motta e Pedro Malan, na primeira fase do governo Fernando Henrique. E, depois, entre Luiz Carlos Mendonça de Barros e sempre Pedro Malan. Sem que as divergências se chamasse "brigalhada" e nem de longe a mídia se transformasse em força de pressão para Fernando Henrique despachar alguém.
Mesmo que haja divergência grave entre Dirceu e Palocci, até agora não causou prejuízo algum ao governo, nem sequer algum embaraço à política econômica, ao ministro da Fazenda ou a seus orientadores internos e externos. Prejudiciais aos governos são as divergências que os emperrem. Mas o governo Lula é emperrado por deliberação própria, o emperramento conduzido pela Fazenda tem sido a sua meta, por sinal, com grande êxito.
Duvido que alguém de fora da confiança absoluta de José Dirceu saiba se as suas aparentes divergências com a política econômica são verdadeiras. A cada dia Dirceu diz algo diferente. Se invoca a necessidade de política promotora de desenvolvimento, no dia seguinte (caso não seja como fecho da declaração) proclama apoio a Palocci e sua política. A contradição, além de insolúvel, já anda rente ao ridículo. Como certas quase unanimidades no jornalismo de política e de economia.


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