São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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CULTURA E BARBÁRIE

Freis achavam que obra em igreja não sintonizava com oração

"Profanos", painéis de Volpi são apagados

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No final dos anos 60 ou início dos anos 70, os freis cappuccinos concluíram que os painéis do pintor Alfredo Volpi (1896-1988), que ornavam a igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Brasília, eram profanos. Rasparam as bandeiras de São João características do artista e pintaram por cima. Da obra original do pintor paulista, só restam cópias no arquivo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
"O cappuccinos achavam que não sintonizava bem com a oração e com a espiritualidade", afirma o frei Venildo Trevizan, atual padre da igreja. Para o secretário de Cultura do Distrito Federal, Pedro Borio, essa é uma das poucas perdas irreparáveis de Brasília. "Foi um pecado", disse ele.
Na igrejinha, apelido da pequena igreja de Nossa Senhora de Fátima, o sumiço dos Volpi não é o único problema. Oscar Niemeyer desenhou o seu projeto a pedido da então primeira-dama, Sarah Kubitschek, que pagava uma promessa. A igreja foi inaugurada em 1958. Foi o próprio Niemeyer que encomendou a Volpi os painéis. Ao seu amigo Athos Bulcão, que está numa amostra no TCU (Tribunal de Contas da União) -"Quatro Artistas da Paisagem de Brasília"- pediu um projeto para o revestimento externo.
Bulcão usou azulejos para revestir a igreja. Com o tempo, eles caíram e foram substituídos por peças que não seguem o mesmo padrão de cor. "Depois que acabaram as reservas de azulejos originais, mandamos fazer novos. Não conseguimos fazer iguais ao original", lamenta Trevizan. A solução para o problema, diz a coordenadora cultural da Fundação Athos Bulcão, Valéria Cabral, seria encomendar os azulejos ao artesão autorizado a fabricar as peças pelo próprio artista, que está hoje com 86 anos.
Borio afirma que o governo do distrito pretende fazer um amplo programa de educação patrimonial, para evitar que outras obras acabem como o Volpi ou os azulejos de Bulcão na igrejinha. Esse não é um caso isolado.
Uma das maiores concessionárias de carros Volkswagen da capital, a Disbrave, possui dois painéis de Athos Bulcão em sua loja, na Asa Norte de Brasília. Eles estão escondidos detrás de faixas promocionais da empresa.
No painel de azulejos (o outro é de concreto), foram parafusados dois pequenos armários suspensos. Só é possível ver frestas da obra de Bulcão, entre a série de anúncios expostos.
O gerente administrativo da concessionária, Walter Mendes de Souza, afirma que, desde que descobriram que tinham um Bulcão, foram proibidos novos furos no mural. Disse, no entanto, que não podia retirar o entulho visual que tapa a obra. "Não temos outro recurso. Ficou. Mas não vamos mexer mais", disse o gerente.
"Quando o senhor deixa um recado para a sua empregada fazer um bife com feijão, o senhor prega o papel nos seus quadros?", perguntou Cabral, a ouvir o comentário de Souza. Para tentar minimizar o problema, Souza afirmou que quase todos os furos haviam sido feitos no ponto de união de um azulejo com o outro e não no meio das peças.
Bulcão também é autor de um painel deteriorado numa escola pública da Asa Norte. A atual diretora, Ana Paula do Reis, mostra interesse em restaurar o projeto, mas tem recursos. Ela aponta um adesivo colado, no painel, por uma ex-diretora, para fazer campanha para a eleição de sua chapa, como prova da falta de respeito com a obra. (ANDRÉ SOLIANI)


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