São Paulo, quarta-feira, 13 de junho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Os americanos e a história do Brasil

Ronald Reagan contou a invasão do Suriname, e o ex-chefe da CIA desfez a fantasia líbia de Lula

DOIS LIVROS publicados recentemente nos Estados Unidos mostram o tamanho da parolagem da diplomacia de Nosso Guia (qualificativo criado pelo chanceler Celso Amorim), e a dimensão do silêncio a que muitas vezes o Itamaraty condena seus bons momentos. O primeiro livro é "At the Center of the Storm" ("No Centro da Tormenta") com as memórias de George Tenet, diretor da CIA de 1997 a 2004. O segundo é o diário que Ronald Reagan manteve nos oito anos em que presidiu os Estados Unidos (1981-1989).
A narrativa de Tenet enriquece a história da ida de Lula à Líbia, em dezembro de 2003. À época, Nosso Guia anunciou que visitaria o ditador Muamar Kadafi porque era um desbravador: "Por muitos anos o Brasil não pôde sequer conversar com a Líbia porque os americanos não gostavam dos libaneses". Noves fora a descortesia com o Líbano, a Petrobras e a picaretagem armamentista da ditadura sempre tiveram boas relações com Kadafi.
Após a viagem de Lula, o governo líbio entregou aos americanos seus planos armamentistas e destruiu seu programa nuclear. Foi o suficiente para que Amorim se orgulhasse: "Duas semanas depois de o presidente Lula ter visitado a Líbia, o presidente Bush elogiou o Kadafi pela cooperação que estava dando em armas de destruição em massa".
Tenet não menciona a viagem de Lula, mas sua cronologia das negociações com Kadafi leva Amorim para a companhia do japonês de Hiroshima que deu a descarga e convenceu-se de ter explodido a bomba atômica.
Lula desceu na Líbia em dezembro de 2003. Antes disso, conversações secretas de Kadafi com americanos e ingleses tinham resultado na chegada a Tripoli, no dia 19 de outubro, de um avião com técnicos autorizados a inventariar o arsenal líbio. No dia 21, um representante da CIA reuniu-se pessoalmente com Kadafi. Ele repetiu várias vezes que queria "limpar a ficha". No dia 28 de novembro, quando Nosso Guia disse que os americanos não gostavam de conversas com os libaneses, tudo isso já havia acontecido.
O Kadafi que Bush elogiou no final de dezembro foi o que capitulara em outubro. O que Lula chamou de "amigo" foi o que, em setembro, ainda pensava em bomba atômica.
O diário de Reagan, um monumento à banalidade, mostra a ponta de um bom momento da diplomacia brasileira, ocorrido em 1983, durante o governo do general João Figueiredo, quando era chanceler o embaixador Ramiro Guerreiro.
Quatro meses após uma visita de Reagan ao Brasil e ao palácio da "Alvarado" ("parecido com um QG de companhia de seguros"), houve um golpe no Suriname. A Casa Branca se assustou com um avanço dos cubanos. Planejaram uma invasão, com algumas centenas de tropas brasileiras e venezuelanas e apoio aeronaval americano. Na primeira semana de abril de 1983, o diretor da CIA, William Casey, passou secretamente por Brasília e quase certamente reuniu-se com Figueiredo.
Reagan registrou que o presidente brasileiro teve uma "idéia diferente". Não deixou claro, mas a invasão foi rebarbada. Logo depois da gestão de Casey, Guerreiro deu ao general a minuta de uma carta a Reagan, explicando seus motivos.
O embaixador Guerreiro nunca contou esse episódio, mas faria bem a Nosso Guia ler a minuta dessa carta (é curta). Aprenderia que a história do Brasil começou bem antes da sua saída de São Bernardo.


Texto Anterior: Presidente deve ser informado de tudo o que acontece no Brasil, afirma Tarso
Próximo Texto: "Vavá é pra ser usado" como lobista, diz Servo em grampo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.