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ELIO GASPARI
Os americanos e a história do Brasil
Ronald Reagan contou
a invasão do Suriname, e
o ex-chefe da CIA desfez
a fantasia líbia de Lula
DOIS LIVROS publicados recentemente nos Estados Unidos
mostram o tamanho da parolagem da diplomacia de Nosso
Guia (qualificativo criado pelo chanceler Celso Amorim), e a dimensão
do silêncio a que muitas vezes o Itamaraty condena seus bons momentos. O primeiro livro é "At the Center of the Storm" ("No Centro da
Tormenta") com as memórias de
George Tenet, diretor da CIA de
1997 a 2004. O segundo é o diário
que Ronald Reagan manteve nos oito anos em que presidiu os Estados
Unidos (1981-1989).
A narrativa de Tenet enriquece a
história da ida de Lula à Líbia, em
dezembro de 2003. À época, Nosso
Guia anunciou que visitaria o ditador Muamar Kadafi porque era um
desbravador: "Por muitos anos o
Brasil não pôde sequer conversar
com a Líbia porque os americanos
não gostavam dos libaneses". Noves
fora a descortesia com o Líbano, a
Petrobras e a picaretagem armamentista da ditadura sempre tiveram boas relações com Kadafi.
Após a viagem de Lula, o governo
líbio entregou aos americanos seus
planos armamentistas e destruiu
seu programa nuclear. Foi o suficiente para que Amorim se orgulhasse: "Duas semanas depois de o
presidente Lula ter visitado a Líbia,
o presidente Bush elogiou o Kadafi
pela cooperação que estava dando
em armas de destruição em massa".
Tenet não menciona a viagem
de Lula, mas sua cronologia das
negociações com Kadafi leva Amorim para a companhia do japonês de
Hiroshima que deu a descarga e convenceu-se de ter explodido a bomba
atômica.
Lula desceu na Líbia em dezembro de 2003. Antes disso, conversações secretas de Kadafi com americanos e ingleses tinham resultado
na chegada a Tripoli, no dia 19 de outubro, de um avião com técnicos autorizados a inventariar o arsenal líbio. No dia 21, um representante da
CIA reuniu-se pessoalmente com
Kadafi. Ele repetiu várias vezes que
queria "limpar a ficha". No dia 28 de
novembro, quando Nosso Guia disse que os americanos não gostavam
de conversas com os libaneses, tudo
isso já havia acontecido.
O Kadafi que Bush elogiou no final
de dezembro foi o que capitulara em
outubro. O que Lula chamou de
"amigo" foi o que, em setembro, ainda pensava em bomba atômica.
O diário de Reagan, um monumento à banalidade, mostra a ponta
de um bom momento da diplomacia
brasileira, ocorrido em 1983, durante o governo do general João Figueiredo, quando era chanceler o embaixador Ramiro Guerreiro.
Quatro meses após uma visita de
Reagan ao Brasil e ao palácio da "Alvarado" ("parecido com um QG de
companhia de seguros"), houve um
golpe no Suriname. A Casa Branca
se assustou com um avanço dos cubanos. Planejaram uma invasão,
com algumas centenas de tropas
brasileiras e venezuelanas e apoio
aeronaval americano. Na primeira
semana de abril de 1983, o diretor da
CIA, William Casey, passou secretamente por Brasília e quase certamente reuniu-se com Figueiredo.
Reagan registrou que o presidente
brasileiro teve uma "idéia diferente". Não deixou claro, mas a invasão
foi rebarbada. Logo depois da gestão
de Casey, Guerreiro deu ao general a
minuta de uma carta a Reagan, explicando seus motivos.
O embaixador Guerreiro nunca
contou esse episódio, mas faria bem
a Nosso Guia ler a minuta dessa carta (é curta). Aprenderia que a história do Brasil começou bem antes da sua saída de São Bernardo.
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