São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Delegado narra luta do "bem" contra o "mal"

Em relatório da investigação da PF, Protógenes Queiróz diz que estará sempre de prontidão para agir contra "mal maior"

Documento de 245 páginas, com linguagem truncada e português precário, chama banqueiro de "grande gênio fraudador" e cita Dostoiévski


RANIER BRAGON
EM SÃO PAULO

Responsável pela condução da Operação Satiagraha, deflagrada na última terça-feira, o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz construiu um relatório de 245 páginas em que, embalado por um português precário e truncado, narra as investigações que chefiou como um confronto entre o "bem" e o "mal".
O lado do "bem" é personificado nele próprio em diversos trechos, como naquele em que diz que, "a fim de evitar o mal maior", estará de "prontidão" para agir "ao menor movimento (...) de corsários saqueadores das riquezas do nosso país".
Em outro trecho, quando volta a falar da ameaça do "mal maior", afirma que a "organização criminosa de Daniel Dantas" teme apenas a PF.
"Mais precisamente a execução dos trabalhos pelo autor da presente", diz, alertando para supostas tentativas exaustivas de impedir o avanço das investigações. "Mas desde já acreditamos que a vitória está com as pessoas de bem que lutam por um país melhor."
O "mal" é reservado principalmente aos três principais investigados: o banqueiro Daniel Dantas, o investidor Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta, todos presos na operação, mas já soltos por ordem do Supremo Tribunal Federal.
"D. Dantas utiliza sua inteligência para praticar o mal", assinala Queiroz. Mais adiante, anota que "talvez não fosse exagero dizer que Daniel Dantas extrapola em sua ficção de "grande gênio financista" para na realidade, em sua essência, ser "grande gênio fraudador'".
Sobre Pitta, Queiroz novamente se cita, imodesta e confusamente, ao lado das forças do "bem". "É de singular importância no contexto "lavagem de capitais" a figura vinculada ao Nahas -carimbada na corrupção brasileira, que graças ao trabalho de poucos abnegados em acreditar num Brasil melhor para gerações futuras se empenham diuturnamente no combate a esse tipo de crime- na pessoa de Celso Pitta."
Pitta tem uma das passagens mais autorais do texto, quando o delegado lembra suas investigações contra ele e o ex-prefeito Paulo Maluf (PP). "Como diz um velho ditado, "o tempo é o senhor da razão", e chegou [sic] a vez dos munícipes paulistanos vê [sic] o restituído parte dos recursos saqueados e evitar que mais uma vez se dê chance aos saqueadores, ora investigados, de gozar com dinheiro do "grande assalto" aos cofres públicos, travestido de mandato governamental."
Outros investigados também merecem citações elaboradas por parte de Queiroz. "A conduta dos três (Guga, Guiga e Gomes) soa como figuras lendárias dos três mosqueteiros, desempenhando atividades a serviço do rei, qual seja, identificamos naquele festejado grito de guerra: "um por todos e todos por Daniel Dantas'", escreve sobre três dos acusados de integrar o esquema que seria chefiado pelo banqueiro.
O zelo quanto à grafia de nomes também não representou grande preocupação ao delegado. Ele errou inclusive o nome do juiz a quem endereçou o documento (escreveu Fausto "Martins de" Sanctis em vez de Fausto Martin De Sanctis).
Embora a narrativa tenha atropelado as regras gramaticais, o delegado Queiroz recorreu, no seu relato -que foi encaminhado ao Judiciário para embasar os pedidos de prisão e de busca e apreensão-, a pelos menos quatro citações literárias, incluindo supostos escritos de Machado de Assis e Fiódor Dostoiévski.
Em determinado ponto, o policial comenta que seria "um método freudiano primitivo e ridículo", ou um "paradigma ingênuo", comparar as supostas organizações criminosas comandadas por Daniel Dantas e Naji Nahas.
Nahas e Dantas, além de serem rotulados freqüentemente como responsáveis por aquilo que o delegado define como "mal maior", receberam também no documento alcunhas como "capos" e "chefões".


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