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JANIO DE FREITAS
Os bilhões do reino
Na seqüência de revelações de corrupção, a atenção se prende aos personagens e se perde a noção dos valores
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SÓ NOS DOIS episódios de corrupção mais destacados na semana, foi-se meio bilhão dos cofres públicos. E é só o começo,
porque as investigações da Operação Sanguessuga ainda não apuraram quanto foi desviado nas 600
prefeituras conluiadas com parlamentares federais e empresários
do esquema. Nem se sabe ainda a
quanto vão os R$ 350 milhões, e os
respectivos rateios, do golpe das
compras governamentais de alimentos, motivo da prisão anteontem de 20 civis e 10 militares.
Na seqüência de revelações de
corrupção, nossa atenção se prende
às personagens e às suas funções,
mas a noção dos montantes em geral se perde ou nem se forma no roldão de mais e mais valores. E esse
montante é, com toda a certeza, de
muitos bilhões a cada ano, com a
participação do que ocorre nas prefeituras, nos governos estaduais e
no governo federal. A contaminação distingue pessoas, não faz diferença entre setores, seja qual for o
seu nível, da administração pública
no país todo. O monstro é muito
maior e pior do que o seu rabo perceptível nos escândalos faz supor.
A reincidência da roubalheira
com gastos públicos propostos ao
Orçamento por parlamentares (as
chamadas emendas), como foi a
dos "anões" flagrados nos anos 90,
não se limita às ambulâncias dos
sanguessugas. Foi só mexer um
pouco nas emendas desse esquema
e logo apareceu outro tipo de golpe
contra verbas orçamentárias: o deputado Fernando Gabeira -a cuja
persistência por uma CPI já se deve
a indiciação de 72 parlamentares, e
haverá mais- está denunciando,
agora, o uso de emendas da corrupção a pretexto da compra de computadores e veículos, para o programa de "inclusão digital". É uma
descoberta a mais, porém ainda
distante do que se passa no Orçamento.
Há mais de 15 anos, desde iniciado o governo Collor, não se lançam
projetos de grandes obras públicas,
o que levou as empreiteiras maiores e patrocinadoras de fraudes nas
concorrências, e portanto de corrupção, a se voltarem para atividades como mineração, petroquímica, exportação, até coleta de lixo. A
aprovação das verbas orçamentárias para grandes obras levava à distribuição de suborno alto a inúmeros deputados e senadores. Houve
os que chegassem a ter a campanha
eleitoral bancada. Com o fim dos
grandes projetos, a alternativa da
corrupção orçamentária foi multiplicar o uso de verbas para o assistencialismo, caso das ambulâncias, e
as obras de menor porte. Alvo mais
fácil e mais numeroso: as prefeituras, mais de cinco mil. Assim se explica que a inclusão das emendas orçamentárias deixasse de exigir a
existência preliminar de projeto e,
liberado o recurso, a fiscalização do
seu uso. Esta, sujeita só, em número
proporcionalmente muito pequeno,
à ocasional disponibilidade dos
meios insuficientes do Tribunal de
Contas da União.
Extinguir as emendas do Congresso não soluciona. Mas a evasão
de verbas orçamentárias precisa de
mais do que uma ou outra CPI, mesmo no reino da corrupção.
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