São Paulo, segunda-feira, 13 de agosto de 2007

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Recursos sucessivos entravam processos nos tribunais do país

Foro privilegiado não é o único estímulo à impunidade, afirmam representantes do Ministério Público e de ONG

Para a Transparência Brasil, advogados procuram arrastar processos em tribunais e livrar seus clientes de condenação

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O foro privilegiado, que garante a algumas autoridades só serem julgadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ou pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), não é o único mecanismo a estimular a impunidade, segundo a ONG Transparência Brasil e representantes do Ministério Público Federal. Sucessivos recursos oferecidos por advogados podem retardar os processos e inviabilizar a realização da justiça.
"Quanto mais detalhes recônditos o advogado é capaz de explorar, mais tempo ele conseguirá ganhar para seu cliente", afirma Cláudio Weber Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil. "Advogados assim custam caro. Quem pode pagá-los é a classe dominante. Corruptos que são levados à Justiça, o que já é raro, costumam ter bastante dinheiro para isso", diz Abramo.
"Em processos criminais, a idéia é procrastinar até que o crime prescreva [perde-se o prazo para a punição]. Em processos cíveis, até que a parte contrária se esgote. É por isso que processos chegam a se arrastar por décadas", afirma.
Quando Paulo Maluf foi diplomado deputado federal, em 2006, os processos a que responde subiram para o Supremo, graças ao foro privilegiado. Um deles -que teve origem em 2000- foi distribuído ao relator em fevereiro, mas o ex-governador só foi intimado no início de julho. Durante cinco meses, houve apenas a juntada aos autos de documentos e petições. As investigações envolvendo parentes e outros co-réus continuam suspensas.
"Quem pode pagar regiamente a advogados consegue qualquer coisa nos tribunais. Qualquer petição dá certo, pois até que seja rejeitada, demora tanto que vale a pena recorrer", diz a procuradora regional da República Ana Lúcia Amaral.
Os advogados alegam exercer um legítimo direito de defesa garantido pela Constituição (leia texto nesta página). Por sua vez, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) tem ressalvas às críticas feitas aos advogados.
"Apesar de eu admitir que às vezes há um abuso da defesa no ajuizamento de petições, o que atrasa o processo, será difícil resolver o problema da morosidade da Justiça sensibilizando os advogados a não recorrerem. Esse é o trabalho deles", diz Antônio Carlos Bigonha, presidente da ANPR. "O Ministério Público e a Justiça devem buscar outros instrumentos para a melhoria de seu trabalho que não toquem nessa questão do direito de defesa", diz.

Operação Anaconda
"A bem da celeridade processual", por exemplo, a ministra Laurita Vaz, do STJ, indeferiu, em maio, o pedido de várias certidões feito por advogados de réus da Operação Anaconda. Ela entendeu que "as informações podem ser obtidas em simples consulta aos autos".
Em 2005, o ministro José Arnaldo da Fonseca, do STJ, criticou os pedidos de vistas ("a perder de vista", ironizou) e os sucessivos recursos depois do recebimento da denúncia. Fonseca foi relator de cerca de cem habeas corpus da Anaconda, que desarticulou quadrilha que negociava decisões judiciais.
"Contra essa denúncia vem recurso, e nem sequer houve interrogatório, e vem embargos de declaração [recursos ao juiz]. Então, daqui a dois, três, quatro anos, instaura-se a ação penal e com mais quatro, cinco ou seis anos não será julgada." Segundo o ministro José Arnaldo, "é esse o sistema brasileiro, e só não percebe isso quem estiver afastado da realidade".
Para a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), "o grande número de processos contra autoridades detentoras de foro privilegiado, bem como a falta de julgamento definitivo desses casos, contribuem de forma decisiva para a sensação de impunidade".


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