São Paulo, Quarta-feira, 13 de Outubro de 1999
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Leia o texto do embaixador britânico

da Agência Folha

Leia a íntegra do despacho, enviado em 17 de dezembro de 1835 e classificado como "confidencial e sigiloso", do embaixador britânico no Brasil, H. S. Fox, ao ministro das Relações Exteriores de seu país, H. J. T. Palmerston

"Meu senhor,
O senhor Pontois, embaixador francês na corte do Brasil, e eu fomos convidados, alguns dias atrás, a uma reunião particular com o regente Feijó, na qual ele nos fez o seguinte comunicado, em caráter confidencial:
Ele disse que o governo brasileiro calcula que poderá reunir no Pará, no mês de abril próximo ou por volta dessa época, uma força de 3.000 homens, constituída de 2.000 soldados regulares e 1.000 marinheiros; que ele estima que essa força será suficiente para garantir a retomada da cidade do Pará (atual Belém) e das estações vizinhas; mas que, não obstante, para tornar mais certas as chances de sucesso e para privar os insurgentes de qualquer possibilidade de resistência, ele desejaria que a Inglaterra, a França e Portugal fizessem com que se reunissem no Pará, mais ou menos à mesma época e como que por acaso, uma esquadra de navios de guerra contendo uma força de cerca de mil soldados regulares em condições de travar combate em terra, isto é, cerca de 300 ou 400 de cada país. Ele propõe que essa força seja mantida de prontidão para cooperar com as tropas brasileiras, a pedido e a critério das autoridades civis e militares brasileiras em comando; e que ela deva empregar-se mais especificamente em ocupar temporariamente os postos de Marajó, Cametá e outros locais próximos à cidade do Pará; tal cooperação, avalia, seria suficientemente justificada, segundo as aparências, pelos interesses gerais da humanidade e da civilização, e também pelo objetivo específico de proteger nossos respectivos conterrâneos e restituir a eles a posse de suas residências e bens, sem que viesse a público o fato de as medidas terem sido tomadas a pedido do governo brasileiro.
O senhor Pontois e eu concordamos imediatamente em afirmar ao regente que estávamos dispostos a transmitir seu pedido a nossos respectivos governos, mas que não prevíamos que ele tivesse qualquer resultado, a não ser que o comunicado nos fosse feito por escrito (algo que poderia ser feito de forma igualmente confidencial) para que pudéssemos transmitir a nossos governos, com precisão, a quantidade de cooperação que ele deseja obter, seus limites e seus objetivos específicos; e, mais ainda, para justificar tal cooperação no caso de ela ser concretizada, e posteriormente merecer objeções por qualquer parte no Brasil. O regente nos respondeu que como a Constituição do Império proíbe terminantemente a admissão de tropas estrangeiras no território do Brasil sem o consentimento da Assembléia Geral (que não poderá mais ser obtida a tempo), lhe é impossível formular sua proposta por escrito, e que, ademais, seria motivo de descrédito para o governo se fosse divulgado oficialmente o fato de que, sem ajuda externa, ele não é capaz de derrotar um punhado de insurgentes miseráveis; que, portanto, ele podia apenas solicitar que comunicássemos a nossos governos o que se passara nessa reunião, como sendo o conteúdo de uma conversa reservada com o regente, deixando a cargo de nossos governos basear nisso as instruções que lhes pareçam convenientes aos comandantes de suas respectivas forças navais.
Assim, o senhor Pontois e eu prometemos ao regente transmitir o comunicado a nossos governos da forma confidencial que ele desejava; mas não lhe demos nenhuma esperança, no que diz respeito à nossa opinião, de que seu pedido de cooperação será atendido. O regente afirmou, respondendo a uma indagação minha, que nem os embaixadores brasileiros residentes na Inglaterra e na França, nem o marquês de Barbacena, que no momento cumpre uma missão especial na Inglaterra, serão informados do comunicado que ele nos fez em caráter confidencial.
O acima transcrito reproduz a essência da conversa mantida com o regente, da qual o senhor Pontois e eu, em conjunto, redigimos um resumo, após a conclusão da entrevista. Evidentemente, não posso deixar de transmitir o comunicado ao senhor, mas não prevejo que exista a menor probabilidade de o governo de Sua Majestade ou o governo francês anuírem com os desejos do regente, ou consentirem em ordenar uma operação militar, com base em um pedido formulado de maneira tão imprecisa e informal. Como o próprio regente reconheceu, sua proposta viola diretamente as leis e a Constituição do país; e, é claro, seria desmentida de imediato, e a culpa pela intervenção não autorizada seria atribuída às potências estrangeiras, se isso fosse visto como conveniente.
Devo observar, também, que não penso que exista a menor probabilidade de que o governo brasileiro consiga, nem agora nem em qualquer momento, reunir diante do Pará uma força regular tão grande quanto aquela com que o regente afirmou contar.
O embaixador português não foi convidado pelo regente a participar do mesmo encontro com o embaixador francês e comigo; mas fui informado de que um comunicado semelhante já lhe foi feito, ou lhe será feito, em separado.
O emprego, no Pará, de uma força inglesa e francesa, em conjunto com uma portuguesa, tornaria o procedimento ainda mais questionável, levando em conta o ciúme forte que ainda existe neste país com relação à influência e aos desígnios de Portugal.
Atrevo-me a sugerir, para fazer justiça ao regente Feijó, cuja conversa com o senhor Pontois e comigo foi reservada e confidencial, que talvez seja prudente não fazer qualquer menção a este assunto ao marquês de Barbacena, que provavelmente irá comunicar-se com o senhor para tratar de outras questões.
Tenho a honra de seu fiel criado,
H. S. Fox"


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