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COMENTÁRIO
Calmo, mercado aposta na ortodoxia
MARCELO DIEGO
EDITOR-ADJUNTO DE BRASIL
Na semana em que se debateu a
possibilidade da saída do ministro Antonio Palocci Filho da Fazenda, o mercado praticamente
não se abalou. São duas as principais linhas de raciocínio no meio
financeiro: ou bem a saída de Palocci não representa um risco à
manutenção da ortodoxia na política econômica ou foi apenas
uma jogada política e o ministro
pode se fortalecer no cargo.
O Ibovespa, índice que reúne as
ações mais negociadas da Bolsa
de Valores de São Paulo, registrou
recuo de apenas 1,22% -de
30.887 para 30.510 pontos. O dólar comercial seguiu sua trajetória
de queda, fechando a semana cotado a R$ 2,164 para venda (recuo
de 2,17% em relação à abertura do
mercado, na segunda-feira).
Já o risco-país, termômetro que
mede o humor dos investidores
sobre a capacidade de o Brasil
honrar seus compromissos, caiu
de 356 para 349 pontos.
Nem a projeção para taxas de
juros foi mexida: os contratos negociados na BM&F (Bolsa de
Mercadorias &Futuros) indicam
Selic a 18,33% para janeiro de
2006 -contratos mais curtos.
Nem de longe os analistas imaginavam que uma semana de alta
turbulência política poderia causar tão pouco efeito no mercado.
Nas planilhas de bancos e consultorias, há dois cenários previstos. O primeiro leva em conta o
enfraquecimento do ministro Palocci, acossado por denúncias de
corrupção durante sua gestão na
Prefeitura de Ribeirão Preto e por
supostas relações escusas com um
grupo de ex-assessores.
Enfraquecido politicamente e
sendo bombardeado pelo fogo
amigo da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), Palocci estaria
manobrando para deixar o governo e escolhendo a melhor forma
de sair. Nesse caso, as apostas para sucedê-lo recaem sobre Murilo
Portugal. Daí a razão da calmaria.
Atual secretário-executivo do
Ministério da Fazenda, Portugal é
respeitado por economistas e tem
bom trânsito em Wall Street. Participou dos governos Collor
(1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), onde foi secretário do Tesouro e, depois, apontado representante do governo
brasileiro no FMI (Fundo Monetário Internacional).
Os apelidos que ganhou em sua
trajetória na vida pública dizem
muito a respeito de sua linha de
condução: "Murilo Mãos de Tesoura" e "O Satânico Dr. No". Esse último foi uma piada feita pelo
ex-ministro Pedro Malan, em alusão ao famoso vilão da série 007 e
aos seguidos "não" que Portugal
proferia aos ministros que iam ao
seu gabinete atrás de mais verbas.
Sua ascensão ao cargo significaria, aos olhos dos agentes financeiros, a manutenção de uma política baseada em forte superávit
primário, cumprimento da meta
de inflação (mesmo que à custa de
uma política monetária mais restritiva) e manutenção do câmbio
flutuando livremente.
Mas a saída de Palocci não é
uma pule de dez. Há quem aposte
que o ministro, acuado, teria usado de uma estratégia política para
se preservar no cargo.
O cientista político Rogério
Schmitt, da consultoria Tendências, publicou análise intitulada
"Pressões sobre Palocci não devem produzir maiores efeitos" em
que, embora admita como plausível o enfraquecimento do ministro, classifica Palocci de "político
experiente", cuja capacidade de
reação não pode ser subestimada.
A própria iniciativa de marcar
um depoimento na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) é
prova de como Palocci se mexeria
politicamente. Consciente de que,
face as ondas de denúncias envolvendo o seu nome e de pessoas ligadas a ele, um depoimento seria
inevitável, o ministro teria preparado o terreno, se adiantado e tomado a iniciativa de marcar o jogo para um campo menos constrangedor -e não em território
inimigo, como a CPI dos Bingos.
Foi como na considerada bem-sucedida entrevista coletiva que
deu logo que saíram as primeiras
denúncias relacionando-o ao suposto recebimento de uma mesada mensal de R$ 50 mil quando
prefeito de Ribeirão Preto. As declarações de Palocci foram consideradas satisfatórias até pela oposição na ocasião.
Palocci ainda teria bom trânsito
dentro do PT, possui a chave do
cofre e tem como característica
(apontada como qualidade) saber
lidar bem com parlamentares.
O futuro do ministro dependerá
em grande conta da capacidade
de reação às novidades que surgem a cada dia, como as evidências de que seu irmão teria ligações com a Interbrazil. Ele continua sendo o principal esteio dos
agentes financeiros no governo.
Mas o mercado emitiu um sinal
de que pode viver bem sem ele.
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