São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005

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COMENTÁRIO

Calmo, mercado aposta na ortodoxia

MARCELO DIEGO
EDITOR-ADJUNTO DE BRASIL

Na semana em que se debateu a possibilidade da saída do ministro Antonio Palocci Filho da Fazenda, o mercado praticamente não se abalou. São duas as principais linhas de raciocínio no meio financeiro: ou bem a saída de Palocci não representa um risco à manutenção da ortodoxia na política econômica ou foi apenas uma jogada política e o ministro pode se fortalecer no cargo.
O Ibovespa, índice que reúne as ações mais negociadas da Bolsa de Valores de São Paulo, registrou recuo de apenas 1,22% -de 30.887 para 30.510 pontos. O dólar comercial seguiu sua trajetória de queda, fechando a semana cotado a R$ 2,164 para venda (recuo de 2,17% em relação à abertura do mercado, na segunda-feira).
Já o risco-país, termômetro que mede o humor dos investidores sobre a capacidade de o Brasil honrar seus compromissos, caiu de 356 para 349 pontos.
Nem a projeção para taxas de juros foi mexida: os contratos negociados na BM&F (Bolsa de Mercadorias &Futuros) indicam Selic a 18,33% para janeiro de 2006 -contratos mais curtos.
Nem de longe os analistas imaginavam que uma semana de alta turbulência política poderia causar tão pouco efeito no mercado.
Nas planilhas de bancos e consultorias, há dois cenários previstos. O primeiro leva em conta o enfraquecimento do ministro Palocci, acossado por denúncias de corrupção durante sua gestão na Prefeitura de Ribeirão Preto e por supostas relações escusas com um grupo de ex-assessores.
Enfraquecido politicamente e sendo bombardeado pelo fogo amigo da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), Palocci estaria manobrando para deixar o governo e escolhendo a melhor forma de sair. Nesse caso, as apostas para sucedê-lo recaem sobre Murilo Portugal. Daí a razão da calmaria.
Atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Portugal é respeitado por economistas e tem bom trânsito em Wall Street. Participou dos governos Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), onde foi secretário do Tesouro e, depois, apontado representante do governo brasileiro no FMI (Fundo Monetário Internacional).
Os apelidos que ganhou em sua trajetória na vida pública dizem muito a respeito de sua linha de condução: "Murilo Mãos de Tesoura" e "O Satânico Dr. No". Esse último foi uma piada feita pelo ex-ministro Pedro Malan, em alusão ao famoso vilão da série 007 e aos seguidos "não" que Portugal proferia aos ministros que iam ao seu gabinete atrás de mais verbas.
Sua ascensão ao cargo significaria, aos olhos dos agentes financeiros, a manutenção de uma política baseada em forte superávit primário, cumprimento da meta de inflação (mesmo que à custa de uma política monetária mais restritiva) e manutenção do câmbio flutuando livremente.
Mas a saída de Palocci não é uma pule de dez. Há quem aposte que o ministro, acuado, teria usado de uma estratégia política para se preservar no cargo.
O cientista político Rogério Schmitt, da consultoria Tendências, publicou análise intitulada "Pressões sobre Palocci não devem produzir maiores efeitos" em que, embora admita como plausível o enfraquecimento do ministro, classifica Palocci de "político experiente", cuja capacidade de reação não pode ser subestimada.
A própria iniciativa de marcar um depoimento na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) é prova de como Palocci se mexeria politicamente. Consciente de que, face as ondas de denúncias envolvendo o seu nome e de pessoas ligadas a ele, um depoimento seria inevitável, o ministro teria preparado o terreno, se adiantado e tomado a iniciativa de marcar o jogo para um campo menos constrangedor -e não em território inimigo, como a CPI dos Bingos.
Foi como na considerada bem-sucedida entrevista coletiva que deu logo que saíram as primeiras denúncias relacionando-o ao suposto recebimento de uma mesada mensal de R$ 50 mil quando prefeito de Ribeirão Preto. As declarações de Palocci foram consideradas satisfatórias até pela oposição na ocasião.
Palocci ainda teria bom trânsito dentro do PT, possui a chave do cofre e tem como característica (apontada como qualidade) saber lidar bem com parlamentares.
O futuro do ministro dependerá em grande conta da capacidade de reação às novidades que surgem a cada dia, como as evidências de que seu irmão teria ligações com a Interbrazil. Ele continua sendo o principal esteio dos agentes financeiros no governo. Mas o mercado emitiu um sinal de que pode viver bem sem ele.


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