São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ EMPRÉSTIMOS SUSPEITOS

Ex-superintendente do banco afirma que dinheiro emprestado a Valério não era para ser pago; CPI vai convocá-lo para depor

Empréstimo do Rural foi farsa, diz executivo

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

DA REDAÇÃO

O ex-superintendente do Banco Rural Carlos Godinho disse em entrevista à revista "Época" desta semana que os empréstimos concedidos ao publicitário Marcos Valério de Souza, depois repassados ao PT, foram de fachada.
A tese de que os empréstimos não existiram de fato já havia sido sustentada pela CPI dos Correios, mas Godinho apresentou novos indícios disso.
O ex-superintendente de "compliance", área encarregada de garantir o cumprimento das normas exigidas pelo sistema financeiro, diz que as operações de crédito eram uma "farsa", uma forma de ocultar a entrada de outros recursos que iam para o partido e para o publicitário.
Relatório parcial da CPI apresentado na quinta-feira também considerou uma "farsa" as operações financeiras feitas com o banco BMG. Um dos argumentos foi a ausência de contrato formal entre as empresas de Valério e o PT, além de inconsistência na identificação de entradas e saídas de recursos nas agências, o que indicaria fraude contábil.
Em entrevista à revista "Época", Godinho disse que os empréstimos ao PT eram "para mascarar a entrada de recursos que vinham de outras formas". "Você justifica qualquer recurso que entrou via empréstimo. Não era para pagar", afirmou Godinho, que deixou o banco em setembro.
Na reportagem, Godinho diz ter informado por escrito a diretoria do banco dos riscos das operações de crédito com o PT e Valério.
Porém, segundo ele, foi pedido para que os alertas fossem feitos "verbalmente". "A gente tinha boletins de "compliance", em que a gente alertava por escrito. Assim que o primeiro foi impresso, emitido e assinado, foi dada ordem para não fazer mais, para comunicar ao diretor verbalmente", disse à "Época".
Ainda segundo Godinho, esses alertas foram feitos entre 2003 e 2005. A diretoria alega não ter sido comunicada dos riscos por Godinho. E ainda culpa o ex-vice-presidente do banco José Augusto Dumont, morto no ano passado, pelo relacionamento do banco com o PT e com Marcos Valério, de quem Dumont era amigo e por meio de quem conheceu o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares.
No entanto, segundo documentos obtidos pela revista, mesmo após a morte de Dumont, os empréstimos ao PT e a Marcos Valério continuaram sendo renovados. No total, foram mais de R$ 28 milhões concedidos pelo Rural ao publicitário. Incluindo os empréstimos de Valério no BMG, foram cerca de R$ 56 milhões, repassados ao PT entre 2003 e 2004.
A revista diz que foram feitas cinco operações de rolagem da dívida do PT com o Rural após a morte de Dumont. As dívidas do PT, que tinham como avalistas Delúbio e o então presidente o partido, José Genoino, eram renovadas a cada 90 dias.
No caso da agência SMPB, mesmo com a entrada de um grande volume de recursos nas contas que ela mantinha no Rural, os pagamentos não eram feitos, mas, mesmo assim, os empréstimos foram renovados quatro vezes.
Segundo Godinho, o interesse do banco em conceder os supostos empréstimos ao PT era obter vantagens no governo.

Convocação da CPI
A CPI dos Correios vai convocar Godinho para prestar depoimento. Integrantes da comissão acreditam que ele pode dar informações a respeito da verdadeira origem do dinheiro.
O relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), disse que o vice-presidente operacional do Rural, Roberto Salgado, que também aparece na matéria da "Época", vai ser convocado.
Também foi citado pela CPI o fato de contratos das agências de publicidade com o Banco do Brasil, Eletronorte e Correios terem sido dados como garantia para os empréstimos. Esses contratos vedam a possibilidade de serem utilizados dessa forma.
O relatório parcial da CPI dos Correios, que pediu o indiciamento por cinco crimes de Marcos Valério e do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, afirmou que "também ficam sob suspeição as diretorias responsáveis pelos bancos BMG e Rural, que autorizaram tais empréstimos".
De acordo com o documento, a dívida contraída pelas empresas de Valério junto ao Rural e ao BMG corresponde a 55,87% de sua receita bruta de 2003 e 2004.


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