São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ FUNDOS DE PENSÃO

Apesar de não haver referência a partidos na investigação, suspeita-se de desvio de recursos para atender a interesses políticos

BC aponta fraude em fundos de 98 a 2002

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários e Secretaria de Previdência Complementar identificaram uma série de operações fraudulentas no mercado financeiro que atingem pelo menos 14 fundos de pensão, entre 1998 e 2002. As investigações começaram em 2003, a partir de uma devassa nas contas de corretoras e distribuidoras de valores suspeitas de irregularidades.
O período analisado coincide com o segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas há ao menos um fundo ligado ao PT: a Rioprevidência (de funcionários estaduais do Rio), na breve gestão da ex-governadora Benedita da Silva.
Em dois relatórios do BC, um da CVM e dois da SPC, obtidos pela Folha, os órgãos listam pessoas aparentemente usadas "como laranjas" e "um grande número de agências de turismo, o que pode indicar um vínculo do esquema com o mercado não-institucional (paralelo) de dólar".
Apesar de não haver referências a partidos nos documentos, autoridades envolvidas nas investigações suspeitam de que possa ter havido desvio de recursos para atender a interesses políticos, segundo apurou a Folha.
Em um dos expedientes do BC, de setembro de 2004, técnicos da instituição destacaram a existência de uma série de operações com títulos públicos e privados que poderiam ser enquadradas na lei 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro.
Tanto o BC como a CVM enviaram os documentos ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) -órgão encarregado de combater lavagem de dinheiro e evasão de divisas-, à Receita e ao Ministério Público.
Entre os 14 fundos de pensão, há muitos que são alvo da CPI dos Correios, como Centrus (funcionários do Banco Central), Real Grandeza (Furnas Centrais Elétricas) e Prece (Cedae). Dois fundos que não estão na lista de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito, Rioprevidência e Infraprev (Infraero), tiveram grande número de operações fraudulentas mapeadas pelos órgãos de fiscalização do governo.
No caso da Infraprev, entre os supostos "laranjas" ou beneficiários do esquema mencionados pelo BC e pela CVM, a reportagem identificou dois operadores de câmbio do Rio: Paulo Roberto Caneca e André Santos Pereira, ex-sócios na corretora Miata. De acordo com profissionais do mercado financeiro ouvidos pela reportagem, Caneca e Pereira são conhecidos na praça carioca como doleiros, o que eles negam.
Há também entre esses beneficiários um nome muito recorrente nas investigações da CPI dos Correios: a Guaranhuns Ltda, apesar do pequeno valor recebido (R$ 4.037). O BC identificou ainda que alguns beneficiários eram comuns a mais de uma das instituições financeiras analisadas.
A Guaranhuns é a empresa de fachada (seu endereço é um terreno baldio) que o publicitário Marcos Valério Fernandes diz ter sido indicada pelo PL para que fosse repassado ao partido R$ 10 milhões em recursos de caixa dois.
Numa investigação da CVM sobre a Centrus (período avaliado de 1997 a 2001), a Guaranhuns aparece embolsando R$ 527 mil por ter intermediado uma operação para a fundação.
Parte do relatório da CVM é dedicado a analisar transações realizadas por um grupo restrito de corretoras e distribuidoras para a Infraprev. Em apenas uma operação, no dia 11 de julho de 2000, o fundo de pensão teve um prejuízo de R$ 9,59 milhões.
O formato da operação que gerou a perda para a Infraprev é o mesmo identificado pelo BC e a CVM no caso de outros fundos de pensão -compram ou vendem títulos públicos e privados, quase sempre por meio das mesmas corretoras e distribuidoras, por preços acima (na aquisição) ou abaixo (venda) dos de mercado.
Na ponta oposta aos fundos, estão empresas conveniadas com as corretoras e distribuidoras que realizam as transações. Praticamente em todos os casos analisados, essas empresas lucram contra os fundos, tanto na venda como na compra dos papéis.
A perda de R$ 9,59 milhões da Infraprev representou lucro de mesmo valor para uma empresa chamada ISTR Assessoria Financeira e Comercial Ltda.


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