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Oito em cada dez brasileiros nunca ouviram falar do AI-5
Dos 18% que dizem conhecer a sigla, só um terço sabe relacioná-la ao ato da ditadura
Historiadores afirmam que
resultado do levantamento do Datafolha é previsível e resulta das deficiências no ensino da história no país
DA REDAÇÃO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Editado há 40 anos pelo general Costa e Silva, o AI-5, o
principal símbolo da ditadura
militar, é totalmente ignorado
por 82% dos brasileiros a partir
dos 16 anos. E, dos 18% que ouviram falar algo sobre ele, apenas um terço (32%) respondeu
corretamente que a sigla se referia ao Ato Institucional nº 5.
Editado em 13 de dezembro
de 1968 pelo então presidente,
o general Costa e Silva, o AI-5
autorizava o Executivo a fechar
o Congresso, cassar mandatos,
demitir e aposentar funcionários de todos os poderes. O governo podia legislar sobre tudo,
e suas decisões não podiam ser
contestadas judicialmente. Em
dez anos, o AI-5 serviu de base
para a cassação de mais de cem
congressistas. A censura atingiu cerca de 500 filmes, 450 peças, 200 livros e 500 canções.
Passados quase 30 anos de
sua extinção, a lembrança do
AI-5 vem se desvanecendo. Como observa o cientista político
Marcus Figueiredo, do Iuperj,
isso resulta do fato de que boa
parte da população nasceu após
1968: "O fato tem 40 anos e não
faz parte do calendário das datas nacionais". Mas mesmo no
estrato de pessoas com 60 anos
ou mais (indivíduos que tinham ao menos 20 anos quando o AI-5 foi editado), só 26%
dizem ter ouvido falar dele.
O conhecimento sobre o AI-5
cresce à medida que avança a
escolaridade formal. Só 8% das
pessoas com ensino fundamental ouviram falar do AI-5. A taxa
sobe para 53% entre quem tem
nível superior, mas só 12% desse grupo se diz bem informado.
Para o sociólogo Leôncio
Martins Rodrigues, professor
aposentado da USP e da Unicamp, "a variável decisiva é a
escolaridade": "É natural que o
desconhecimento exista. A população comum é muito desinformada sobre questões políticas. O pessoal mal lê jornal. Isso
não é só no Brasil. Foi feita uma
pesquisa com jovens da Alemanha, e a grande maioria nunca
tinha ouvido falar de Hitler".
Na opinião do historiador
Marco Antônio Villa, da UFSCar, a pesquisa não revela "nenhuma surpresa": "Nós somos
um país sem memória e despolitizado. Se a política fizesse
parte do cotidiano, isso não
aconteceria. É um duplo problema. Isso permite que quem
colaborou com a ditadura possa
se travestir de democrata".
Para o historiador Carlos
Guilherme Mota, da USP, a
pesquisa do Datafolha é previsível e resulta de um ensino
ruim, da falta de financiamento
às universidades e da falta de
interesse num projeto nacional
calcado no conhecimento histórico: "Vivemos num país em
que as elites não têm preocupação em incentivar a educação e
a pesquisa histórica", diz.
Mais do que um fiasco do sistema escolar, a historiadora
Denise Rollemberg, da UFF,
diz tratar-se de um processo
que envolve esquecimento e reconstrução da história: "No
Brasil pós-abertura política,
quando a democracia passa a
ser valorizada, há uma reconstrução do passado a partir do
presente. Nessa reconstrução
esquece-se o que houve para
esquecer-se do aval dado".
Daniel Aarão Reis, também
da UFF, concorda. Diz que que
sempre que uma sociedade
muda de valores surge o desafio
de compreender por que se tolerou a situação agora deixada
de lado: "É muito mais simples
não falar do assunto, esquecer".
Um sintoma de que o apoio à
ditadura foi mais amplo do que
aparenta transparece na pergunta na qual o pesquisador,
após explicar o que foi o AI-5,
questiona se Costa e Silva agiu
bem ou mal ao editá-lo: 48%
avaliam que ele agiu mal, e 26%
acham que ele agiu bem. A pesquisa foi feita de 25 a 28 de novembro com 3.486 pessoas. A
margem de erro é de dois pontos.
(MAURICIO PULS e NATÁLIA PAIVA)
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