São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 1998

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RELIGIÃO
A Terço Bizantino Ltda. se destina à venda de artigos religiosos; sacerdote diz que firma nunca funcionou
Padre Marcelo registrou empresa em SP

ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local

O padre Marcelo Rossi -a mais nova estrela da Igreja Católica- é sócio de uma empresa que se destina à produção e comercialização de artigos religiosos.
Ele possui metade das cotas da Terço Bizantino Ltda. - ME, criada no dia 13 de outubro de 1997 e que tem como sede um sobrado em Santana, bairro paulistano da zona norte. Os outros 50% pertencem à mãe do sacerdote, Vilma Aparecida Mendonça Rossi.
As informações constam do contrato que constituiu a sociedade e que está arquivado na Junta Comercial de São Paulo. O acesso à documentação é público.
Na sexta-feira, em entrevista à Folha, por fax, o padre confirmou que registrou a Terço Bizantino, mas ressaltou que a firma nunca funcionou nem contratou empregados (leia texto abaixo).
O sacerdote também apresentou a cópia de um recibo emitido pela Receita Federal.
O documento, de apenas uma página, se refere à declaração de rendimentos da empresa. E mostra que a Terço Bizantino afirmou ter permanecido "inativa" durante "todo o ano-calendário de 1997".
O nome da sociedade coincide com o de um objeto muito difundido pelo padre. Trata-se de um rosário que se origina da tradição teológica oriental. Exibe 110 contas, e pode-se rezá-lo mais rapidamente que o da liturgia ocidental, com 165 contas.
Padre Marcelo costuma pregar que o terço bizantino "é instrumento de cura física e arma contra a depressão e o maligno".
Olhos claros, 1m94 de altura, 31 anos, ex-frequentador de academias de musculação, o sacerdote ganhou notoriedade nacional nos últimos meses, quando passou a frequentar programas de televisão e capas de revistas.
Tornou-se o principal representante da Renovação Carismática, movimento que rejeita o engajamento de religiosos em questões político-sociais e adota ritualística parecida com a dos cultos evangélicos pentecostais (como os da Igreja Universal).
O padre se converteu, ainda, num fenômeno do mercado fonográfico, depois de lançar, em setembro, pela PolyGram, o CD "Músicas para Louvar ao Senhor". O disco, com 13 faixas, já vendeu 2,7 milhões de cópias.
"É um recorde. Nenhum artista da gravadora alcançou tamanha cifra em tão pouco tempo", diz Ana Fonseca, diretora de business affairs da PolyGram. A multinacional de origem holandesa se instalou no Brasil há quatro décadas.
O motor do sucesso são as missas que o sacerdote conduz semanalmente em Interlagos, zona sul de São Paulo, num terreno batizado de Santuário do Terço Bizantino, onde fica o galpão desativado de uma indústria.
As cerimônias lembram shows de rock e, não raro, ultrapassam as duas horas de duração. O padre divide o altar com uma banda, que dispõe de guitarras, bateria e amplificadores. Canta, inventa coreografias (a mais famosa é a "aeróbica do Senhor") e vê seus gestos se disseminarem por um telão.
Antes, durante e depois das quatro missas semanais, cinco barracas localizadas dentro do santuário vendem uma série de produtos, incluindo terços bizantinos.


Lucros e prejuízos O contrato que se encontra na junta paulista define a empresa dos Rossi como uma "indústria e comércio de artigos religiosos, ramo este que poderá ser ampliado, reduzido ou modificado".
Esclarece que a firma tem prazo de duração "indeterminado" e capital social de R$ 20 mil. Os sócios estão autorizados a "abrir filiais e sucursais em qualquer parte do território nacional".
A sigla ME que compõe o nome da sociedade significa microempresa. Tal designação se aplica às firmas que apresentam faturamento anual de até R$ 120 mil.
A sexta cláusula do contrato permite que os sócios façam retiradas mensais "a título de pró-labore" (remuneração por gerenciarem a empresa).
A cláusula seguinte estabelece as regras para a distribuição de lucros e prejuízos. "Serão divididos ou atribuídos entre os sócios proporcionalmente."


Pôster Ninguém sabe com exatidão quantas pessoas frequentam as missas no santuário. Fala-se em 30 mil, 40 mil, 60 mil fiéis. Vêm não só de todo o Brasil, como também da Argentina e do Paraguai.
Consomem 100 mil hóstias por mês. Lotam o galpão de 8.000 metros quadrados e, com frequência, se espalham pelos arredores do edifício -uma área livre que soma mais 12 mil metros quadrados.
O terreno pertence à multinacional alemã Bekum, do setor metalúrgico. Já serviu de depósito e hoje está à venda.
Enquanto a empresa não arranja comprador (quer R$ 7 milhões), aluga a área para o santuário, embora não revele por quanto nem o nome do locatário.
Entre as mercadorias comercializadas nas cinco barracas que rodeiam o galpão, chama atenção a revista "Católicos", publicação mensal da diocese de Santo Amaro, que custa R$ 3,50 e oferece um pôster autografado do padre Marcelo.
Outros produtos também ostentam a imagem ou a assinatura do sacerdote. São livros, CDs, vídeos e fitas cassetes.
Uma parte tem marcas conhecidas. O livro "Missa de Libertação", por exemplo, é da editora Vozes. Mas há aqueles que não fornecem nenhuma informação sobre o fabricante (caso do vídeo "Missa do Dia dos Pais").
Há, ainda, os rosários -que, às vezes, trazem pequenas etiquetas com a inscrição "Terço Bizantino -ME", seguida de um telefone.
Sem se identificar, a reportagem da Folha ligou anteontem para o número. Quem atendeu disse: "Terço Bizantino, boa tarde". E explicou que ali funciona um escritório. "Mas não vendemos nada. Só damos informação sobre missas."
A lista telefônica de São Paulo indica que o número está no mesmo endereço onde o padre registrou a empresa. O dono do telefone é o próprio sacerdote.


Colaboraram Ivan Finotti, da Reportagem Local, e Cleber Pinho da Silva, encarregado administrativo



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