São Paulo, quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

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ELIO GASPARI

Yes, nós temos Lula

Desde que o general Ernesto Geisel dispensou a missão militar americana, em 1977, o Brasil não teve um presidente capaz de falar com seu colega americano como Lula, ao dizer a George W. Bush que os brasileiros oferecem aos Estados Unidos o direito de entrar em Pindorama sem visto, desde que seja dado à nossa escumalha a mesma prerrogativa.
Ora, direis, ouvir estrelas, os Estados Unidos são o Império dos tempos modernos e Lula preside um aldeamento periférico. É um ponto de vista, mas há outro. Um país e seu presidente são do tamanho que decidem ser. Em 1942, o general Charles de Gaulle era um francês muito do besta azucrinando a vida de Winston Churchill e Franklin Roosevelt. Dizia-se representante da França Eterna. Além de chato, parecia doido. Em 1946, ele era um dos Cinco Grandes. Sem De Gaulle, a França poderia ter virado uma Espanha.
Quem decide ser migalha nunca passa de resto.
George Bush jamais concordará em permitir a livre entrada da patuléia de Governador Valadares nas casas de família de Boston. Direito dele. Isso não significa que os brasileiros, por educados, devam pensar com a cabeça dos americanos. Os franceses que no século 16 decidiram construir a França Antártica na baía da Guanabara eram herdeiros do novíssimo pensamento europeu, mas os índios que os comeram fizeram mais pelo Brasil que as ekipekonômicas de todos os tempos.
Outro dia, um cônsul americano lembrou aos nativos que os brasileiros são campeões na falsificação de documentos para entrar clandestinamente nos Estados Unidos. Isso é coisa recente. Faz menos de 200 anos, eram americanos muitos dos capitães dos barcos que contrabandeavam negros para a escravatura nacional. Nem os Estados Unidos do século 19 devem ser vistos como uma nação de traficantes, nem os americanos do 21 devem achar que o Brasil está condenado a produzir empregados e engraxates. São coisas que acontecem com os povos. Ora vão bem, ora vão mal, mas são do tamanho que desejam ser. Os americanos sempre quiseram ser grandes.
Os brasileiros fazem bem quando os imitam. O ex-secretário do Tesouro de Bush Paul O'Neill acaba de dar uma aula aos fariseus da racionalidade política do livre comércio americano. Ele contou, num livro lançado ontem e antecipado pelo "The Wall Street Journal", que em 2002 o vice-presidente Richard Chenney empurrou goela abaixo do gabinete a imposição de sobretaxas para as importações de aço, inclusive o brasileiro. Motivo? Votos e promessas de campanha.
Isso aconteceu no dia 11 de fevereiro de 2002, uma segunda feira de Carnaval. As memórias do ex-secretário mostram que Chenney não tinha argumentos. As exportações americanas iam bem, as importações tinham caído e a indústria mostrava-se competitiva. Tratava-se de sobretaxar os outros (com o apoio de Robert Zoellick, o homem do livre comércio), para atender interesses políticos e preservar empregos na Virgínia Ocidental, na Pensilvânia, em Ohio e em Michigan. A certa altura, o secretário do Comércio, Don Evans, condenou a proposta: "O que quer que façamos, temos de ser fiéis aos nossos princípios".
Perdeu tempo. Fez-se o contrário. As sobretaxas foram impostas e os países exportadores micaram. Ao Brasil coube uma multa de 15% a 95% sobre o valor de seus produtos siderúrgicos. A brincadeira custou mais de US$ 100 milhões às exportações nacionais. Um ano depois, a Organização Mundial do Comércio condenou a iniciativa americana.
Lula poderia presentear Bush com meia dúzia de sábios da ekipekonômica, pedindo-lhe emprestado o vice-presidente Chenney por duas semanas.


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