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ELIO GASPARI
Yes, nós temos Lula
Desde que o general Ernesto Geisel dispensou a missão militar americana, em 1977,
o Brasil não teve um presidente
capaz de falar com seu colega
americano como Lula, ao dizer
a George W. Bush que os brasileiros oferecem aos Estados Unidos o direito de entrar em Pindorama sem visto, desde que seja dado à nossa escumalha a
mesma prerrogativa.
Ora, direis, ouvir estrelas, os
Estados Unidos são o Império
dos tempos modernos e Lula
preside um aldeamento periférico. É um ponto de vista, mas há
outro. Um país e seu presidente
são do tamanho que decidem
ser. Em 1942, o general Charles
de Gaulle era um francês muito
do besta azucrinando a vida de
Winston Churchill e Franklin
Roosevelt. Dizia-se representante da França Eterna. Além de
chato, parecia doido. Em 1946,
ele era um dos Cinco Grandes.
Sem De Gaulle, a França poderia ter virado uma Espanha.
Quem decide ser migalha
nunca passa de resto.
George Bush jamais concordará em permitir a livre entrada
da patuléia de Governador Valadares nas casas de família de
Boston. Direito dele. Isso não
significa que os brasileiros, por
educados, devam pensar com a
cabeça dos americanos. Os franceses que no século 16 decidiram
construir a França Antártica na
baía da Guanabara eram herdeiros do novíssimo pensamento europeu, mas os índios que os
comeram fizeram mais pelo
Brasil que as ekipekonômicas de
todos os tempos.
Outro dia, um cônsul americano lembrou aos nativos que os
brasileiros são campeões na falsificação de documentos para
entrar clandestinamente nos Estados Unidos. Isso é coisa recente. Faz menos de 200 anos, eram
americanos muitos dos capitães
dos barcos que contrabandeavam negros para a escravatura
nacional. Nem os Estados Unidos do século 19 devem ser vistos
como uma nação de traficantes,
nem os americanos do 21 devem
achar que o Brasil está condenado a produzir empregados e engraxates. São coisas que acontecem com os povos. Ora vão bem,
ora vão mal, mas são do tamanho que desejam ser. Os americanos sempre quiseram ser
grandes.
Os brasileiros fazem bem
quando os imitam. O ex-secretário do Tesouro de Bush Paul
O'Neill acaba de dar uma aula
aos fariseus da racionalidade
política do livre comércio americano. Ele contou, num livro
lançado ontem e antecipado pelo "The Wall Street Journal",
que em 2002 o vice-presidente
Richard Chenney empurrou
goela abaixo do gabinete a imposição de sobretaxas para as
importações de aço, inclusive o
brasileiro. Motivo? Votos e promessas de campanha.
Isso aconteceu no dia 11 de fevereiro de 2002, uma segunda
feira de Carnaval. As memórias
do ex-secretário mostram que
Chenney não tinha argumentos.
As exportações americanas iam
bem, as importações tinham
caído e a indústria mostrava-se
competitiva. Tratava-se de sobretaxar os outros (com o apoio
de Robert Zoellick, o homem do
livre comércio), para atender interesses políticos e preservar empregos na Virgínia Ocidental,
na Pensilvânia, em Ohio e em
Michigan. A certa altura, o secretário do Comércio, Don
Evans, condenou a proposta: "O
que quer que façamos, temos de
ser fiéis aos nossos princípios".
Perdeu tempo. Fez-se o contrário. As sobretaxas foram impostas e os países exportadores
micaram. Ao Brasil coube uma
multa de 15% a 95% sobre o valor de seus produtos siderúrgicos. A brincadeira custou mais
de US$ 100 milhões às exportações nacionais. Um ano depois,
a Organização Mundial do Comércio condenou a iniciativa
americana.
Lula poderia presentear Bush
com meia dúzia de sábios da
ekipekonômica, pedindo-lhe
emprestado o vice-presidente
Chenney por duas semanas.
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