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Para Lula, modelo perverso vigorou até 2002
Presidente afirma que política econômica separou "equivocadamente" o econômico do social e "divorciou responsabilidade e justiça"
DO ENVIADO ESPECIAL A MONTERREY
O presidente Luiz Inácio Lula
da Silva fez ontem talvez a sua
mais dura crítica ao modelo de
desenvolvimento econômico
adotado pelo Brasil até 2002, qualificando-o de "modelo perverso
que separou equivocadamente o
econômico do social, opôs estabilidade a crescimento e divorciou
responsabilidade e justiça".
Como corolário natural, o presidente Lula disparou: "Chegou a
hora de resgatar e afirmar de uma
vez por todas a primazia do interesse coletivo e da coisa pública
nas Américas".
Engatou: "A estabilidade econômica foi pensada de costas para
a justiça social. Ficamos sem as
duas".
Mas o discurso não combina
com o fato de que o presidente,
cuja política econômica é essencialmente a mesma que vigorou
até 2002, acredita estar assentando "os alicerces para o país crescer com justiça social".
Emendou com uma longa lista
do que considera realizações sociais de seu governo, começando
com: "Desencadeamos a luta contra a fome. Os famintos não podem esperar".
O discurso foi feito na sessão de
trabalho da Cúpula Extraordinária das Américas, em Monterrey,
no México, na qual se debateu o
desenvolvimento social.
O presidente começou por assinalar que "uma exclusão (social)
secular ganhou maior dimensão
na década passada".
Citou, em seguida, todos os dados que demonstram um quadro
de desespero social na América
Latina, entre eles o fato de que o
número de pessoas em condições
de extrema pobreza saltou de 48
milhões para 57 milhões em dez
anos. Foi aí que encaixou a crítica
o "modelo perverso".
Balanços e FMI
A partir daí, o líder de esquerda
deu lugar ao governante, que repete, uma e outra vez, como o fez
ontem de novo, que está hoje
mais otimista que há um ano
(quando tomou posse).
O motivo para o otimismo não
é, no entanto, a mudança do modelo, mas a coleção de números já
divulgados nos diferentes balanços oficiais sobre o primeiro ano
da gestão Lula.
Exemplos: "Implantamos, dentre outros, programas de micro-crédito e o maior financiamento
para a agricultura familiar que o
Brasil já teve"; "Estamos também
erradicando o analfabetismo":
"Essas e outras iniciativas promovem a justiça social e ajudam o
crescimento sustentado. Mais que
isso, forjam cidadania".
Terminada a propaganda, volta
o líder de esquerda ou, ao menos,
nacionalista. Na área das negociações comerciais internacionais,
por exemplo, Lula defendeu a tese
de que elas devem "preservar a
capacidade dos Estados nacionais
de formularem políticas industriais, agrícolas, de ciência e tecnologia, sociais e ambientais".
É alusão a uma das muitas causas de divergência entre Brasil e
Estados Unidos nas negociações
da Alca (Área de Livre Comércio
das Américas): pela proposta norte-americana sobre investimentos, por exemplo, ficaria inviabilizada a formulação própria dessas
políticas.
Lula criticou também o fato de
que "receitas rígidas frustram o
desenvolvimento de muitos países, ampliam seus impasses econômicos e sociais e, frequentemente, reproduzem de forma ampliada a crise macro-econômica
que queriam corrigir".
Pode ser tomada como alusão
às receitas do FMI (Fundo Monetário Internacional), aplicadas indistintamente a países em diferentes condições de desenvolvimento econômico e social.
Mas Lula desautorizou tal interpretação, em posterior entrevista
coletiva, dizendo que não mencionara nenhum organismo internacional. Seria, na sua própria
interpretação, uma crítica à regras
fixas sem levar em conta "a realidade de cada país".
Aí também haveria uma contradição: o governo Lula não só
manteve as condições do acordo
com o Fundo Monetário Internacional acertado pelo governo anterior (e seu "modelo perverso"),
como aceitou regras ainda mais
rígidas em termos de superávit
fiscal (receitas menos despesas do
governo, fora juros), o que reduz
o espaço para os investimentos da
"coisa pública", reivindicada no
início do discurso.
Mas o presidente Lula descarta
a contradição. "O Brasil está sendo respeitado e está muito à vontade com o acordo", diz.
(CLÓVIS ROSSI)
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